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Diferentes abordagens têm sido apresentadas para a análise do fenômeno da percepção de risco. Algumas, principalmente as de origem sociológica, são análises teóricas visando o entendimento dos riscos e da percepção de riscos no contexto social moderno, como os trabalhos mais extensos de Beck (1998; 2002) e de Giddens (1991; 1995). Krimsky (1992, p.13) afirma que “na teoria social ou cultural dos riscos, a primazia é dada para os atributos de grupos, ideologia ou normas organizacionais que são instrumentais para os estilos de vida e valores escolhidos pelos indivíduos”.

A Teoria Cultural da percepção de risco é uma abordagem originária dos trabalhos de antropologia cultural de Wildavsky e Douglas (1983), com trabalhos posteriores de Wildavsky e Dake (1990), que partem do princípio de que qualquer sociedade produz sua própria visão do ambiente natural que influencia quais perigos merecem atenção. Para os autores, é impossível ter-se consciência e lidar com todos os riscos possíveis e, assim, os grupos sociais escolhem quais riscos serão considerados mais importantes e quais serão deixados em segundo plano. Os riscos escolhidos por cada grupo social é uma forma de manter sua identidade e a estrutura de suas relações sociais. Portanto, “correr riscos ou evitar riscos, compartilhar confiança e compartilhar medos são parte de um diálogo sobre como organizar melhor as relações sociais”42 (WILDAVSKY; DOUGLAS, 1983, p. 8). Alterações da seleção de riscos e da percepção de risco dependeriam de mudanças na organização social.

De acordo com Krimsky (1992), as explicações funcionais têm um papel central na teoria cultural dos riscos quando esta afirma que os tipos de riscos selecionados pela sociedade para serem considerados são funções de atributos da estrutura social. As explicações funcionais dos riscos não são relativas à exatidão ou consistência da estimativa de risco, mas, sim, relativas à coerência entre a seleção dos riscos e o modo de vida. Segundo a teoria cultural, existem protótipos ou modelos de padrões culturais, ou seja, agrupamentos relativos a convicções e percepção da realidade que determinam posições específicas em

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relação aos riscos e desenvolvem-se atitudes e estratégias correspondentes. Contudo, isso não se aplica a atitudes ou convicções individuais, mas a agregados sociais maiores como grupos organizados ou instituições (RENN, 1992a).

A teoria cultural critica abordagens que utilizam um individualismo metodológico ou a explicação dos comportamentos sociais pelo agregado dos comportamentos individuais. A ordem das explicações é do contexto social para o individual. Por outro lado, críticas a essa abordagem referem-se principalmente à falta de evidências empíricas e ao aparente relativismo (GOLDING, 1992; RENN, 1992a).

Um trabalho mais dedicado aos riscos do ponto de vista das disputas políticas na sociedade foi feito por Renn (1992b), baseado na metáfora da arena social, na qual interagem as ações e opções políticas dos atores sociais envolvidos em determinado assunto relativo aos riscos visando influenciar a política a ser adotada ou alterada em relação àqueles riscos. Segundo o autor:

A teoria da arena tenta abranger todos os fatores sociais que os pesquisadores têm identificado como influentes para a experiência social dos riscos: dentre eles o conteúdo simbólico e moral das questões, a possibilidade de usarem-se os riscos como substitutos para outras questões, a influência da mídia e redes sociais, a importância dos interesses, dos valores, das filiações culturais, a estrutura e estilo do sistema regulador político e a dinâmica das interações sociais dentre os participantes (RENN, 1992b, p.194).

Especialmente importante para este trabalho é a linha de investigação da percepção dos riscos originária da psicologia, conhecida como abordagem psicométrica43, desenvolvida nos últimos 25 anos por Paul Slovic, Baruch Fischhoff e Sara Lichtenstein e utilizada em vários trabalhos de outros pesquisadores como Gardner e Gould (1989) e Sjöberg (1996; 1998a). Segundo Slovic (2000, p. xxiii), “o paradigma psicométrico compreende uma estrutura teórica que assume que os riscos sejam definidos subjetivamente pelos indivíduos e que podem ser influenciados por um amplo arranjo de fatores psicológicos, sociais, institucionais e culturais”44.

A abordagem fundamenta-se na hipótese de existência de determinadas características subjacentes aos riscos que, embora sejam supostamente universais45, são julgadas de modo

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Krimsky (1992) refere-se a esta abordagem como Teoria Cognitiva. Contudo, Sjöberg (1996) afirma que ainda não há uma teoria por trás da abordagem psicométrica.

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O termo assumir foi utilizado com o sentido, segundo o Dicionário Aurélio, de admitir, aceitar com reserva, provisória e/ou convencionalmente, em função de sua utilidade operacional (uma idéia, um pressuposto, uma regra). Texto original em inglês.

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Essas características não foram definidas com base em uma teoria sobre a percepção de riscos. Trata-se de uma compilação de fatores mencionados na literatura dos anos 70 como sendo, provavelmente, importantes na descrição da percepção de risco (SJÖBERG, 1996).

diferente por cada indivíduo. Como essas características subjacentes não podem ser observadas diretamente, não há como avaliar se elas têm mesmo importância ou não para determinado risco, se determinada característica se relaciona com outra ou é completamente independente.

Partindo-se da hipótese da existência dessas características, avalia-se quantitativamente46, por meio de testes, quanto o respondente acredita que o risco em questão apresenta de cada uma delas: se o risco pode ter efeitos catastróficos ou não, se o risco é amedrontador, se a exposição ao risco é voluntária ou não, se o risco é muito ou pouco conhecido pela ciência, se é muito ou pouco conhecido pela pessoa exposta, se o risco é novo ou antigo, se o risco pode produzir efeitos crônicos ou fatais, se os danos provocados são imediatos ou futuros e outras características. A partir das intercorrelações das avaliações feitas pelos respondentes para cada uma das características, fazem-se inferências sobre as características subjacentes, que podem contribuir para uma melhor caracterização e entendimento do risco. Os resultados das inferências podem sugerir que a percepção de risco pode ser bem representada por um único conjunto que engloba parte dessas características que se relacionam (um fator), ou por dois conjuntos, cada um agrupando determinadas características (dois fatores), e, assim, por diante.

Krimsky (1992) considera que a abordagem cognitiva ou psicométrica da percepção de riscos é governada pelo paradigma individualista. A percepção de riscos é a avaliação da interação do indivíduo com o ambiente externo mediada pela estrutura cognitiva. A teoria é não contextual e a maior parte de seu desenvolvimento fundamenta-se em estudos de laboratório. Contudo, continua o autor, a força explanatória da teoria cognitiva tem uma forte base intuitiva e fenomenológica. A avaliação da percepção é feita em escala numérica, e os dados obtidos se prestam a análises quantitativas.

Sjöberg (1996) argumenta que, apesar de esses fatores terem sido largamente utilizados em várias pesquisas sobre percepção de risco, seu desempenho em termos de variância explicável é limitado. Atualmente, a abordagem psicométrica foi estendida com a inclusão da variável confiança que melhorou seu poder explanatório. A investigação de Sjöberg (1996) sobre a percepção do risco dos rejeitos radioativos, em amostragem probabilística da população sueca, confirma a importância da variável confiança para a abordagem47, mas o

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Avalia-se em uma escala, por exemplo, do tipo Likert. 47

A confiança foi investigada em diversos aspectos como confiança na competência de especialistas (experts) que são contra a energia nuclear, confiança na competência das autoridades pertinentes, confiança na avaliação de riscos dos especialistas contra a energia nuclear, confiança na avaliação de riscos pelas autoridades pertinentes. (SJÖBERG, 1996).

autor afirma que a adição da variável atitude em relação à energia nuclear e de uma variável relacionada ao medo específico do agente causador do risco, neste caso o risco da radiação de background, além de um fator de sensibilidade geral aos riscos48 melhoraram sensivelmente a variância explicável. O autor verificou que a inclusão do componente de medo específico foi muito importante e precisaria ser adaptado para cada risco estudado. Portanto, para Sjöberg (1996, p.224), “a idéia da abordagem psicométrica de que dimensões gerais de risco podem explicar a percepção de risco precisa ser abandonada se os riscos precisam ser explicados” (p. 224)49. O autor conclui que a abordagem psicológica cognitiva é claramente insuficiente para explicar a percepção de riscos. Aspectos sociais (atitudes e dimensões relativas à moral) e talvez aspectos clínicos (medos específicos) precisam ser considerados.

Essa conclusão aponta para uma possível especificidade contextual da percepção de risco, ou seja, a inclusão de variáveis relacionadas ao contexto pessoal em relação ao risco, ainda que, no caso anterior, seja o contexto de um país, pode aumentar a contribuição da abordagem para o entendimento da percepção de riscos, além de aproximá-la de abordagens com enfoque social. Entretanto, o fato de que algumas das dimensões originais da abordagem podem explicar uma pequena parte da percepção, podendo ser consideradas universais, é importante por sugerir que determinadas características são próprias dos riscos.

Dentre as características da abordagem psicométrica, Slovic (2000) destaca que ela permite a expressão das preferências sobre riscos, a consideração de vários aspectos dos riscos e benefícios e não só um balanço entre os dois, a coleta de dados sobre um grande número de atividades e tecnologias, além do tratamento estatístico que possibilita a análise de múltiplas influências sobre os resultados. Entretanto, continua o autor, “os resultados dependem do conjunto de perigos investigado, a formulação das questões sobre os mesmos, o tipo de pessoas que respondem e dos métodos de análise dos dados. Além disso, as questões, tipicamente, avaliam sentimentos afetivos e cognição, não comportamentos reais” (SLOVIC, 2000, p. xxii).

Os trabalhos de Peter Sandman e Roger E. Kasperson estão mais voltados para a perspectiva da comunicação dos riscos, mas, em última análise, tratam da percepção dos riscos.

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O fator de sensibilidade geral aos riscos (individual) foi calculado por meio da média das avaliações feitas para vários outros riscos não relacionados à radiação.

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O trabalho de Kasperson (1992) e Kasperson et al. (1988), denominado amplificação social do risco, é o mais relacionado à informação e comunicação. Os autores vêem os riscos sob a perspectiva da difusão da informação sobre estes na sociedade, sob a influência de vários fatores que interagem para amplificá-los ou reduzi-los e as conseqüências dessa difusão.

O conceito de amplificação social dos riscos baseia-se na tese de que eventos relativos a perigos interagem com processos psicológicos, sociais, institucionais e culturais de modos que podem elevar ou atenuar as percepções de risco e formar o comportamento em relação ao risco. Respostas comportamentais, por sua vez, geram conseqüências secundárias sociais ou econômicas. Estas conseqüências estendem-se muito além do dano direto para a saúde humana ou ambiente, para incluir impactos diretos significantes como responsabilidade, custos securitários, perda de confiança em instituições, estigmatização, ou alienação dos acontecimentos da comunidade (KASPERSON, 1992, p.158)50.

No caso de amplificação, os efeitos secundários fazem aparecer demandas por respostas institucionais adicionais e ações de proteção e, no caso de diminuição, podem colocar impedimentos para ações de proteção necessárias.

As definições de risco e perigo utilizadas por Kasperson (1992) em seu trabalho são importantes do ponto de vista da amplitude que tais conceitos adquirem sintetizando outras definições.

Risco, na nossa visão, é em parte uma ameaça objetiva para as pessoas e, em parte, um produto da cultura e da experiência social. Portanto, eventos de perigos são “reais”: eles envolvem transformações do ambiente físico ou da saúde humana como resultado de liberações continuas ou súbitas (acidentais) de energia, matéria ou informação, ou envolvem perturbações sociais ou na estrutura de valores. [...] a experiência do risco é, por conseguinte, tanto uma experiência de dano físico quanto de processos culturais e sociais através dos quais indivíduos ou grupos adquirem ou criam interpretações dos perigos (KASPERSON, 1992, p.158-159).

Indivíduos ou grupos agem como estações de amplificação, na terminologia de Kasperson et al. (1988), que, a partir de um evento físico, por exemplo, acidentes, da descrição de eventos ambientais ou tecnológicos, liberações, exposições ou conseqüências relacionadas com sua agenda de interesse, selecionam determinadas características desses eventos ou de suas representações e as interpretam de acordo com suas percepções e esquemas mentais. Essas interpretações podem ser comunicadas de volta para a fonte original ou para outros indivíduos ou grupos que também as interpretam e respondem a elas, em um processo em cadeia que pode repercutir amplamente. No processo, alguns podem alterar suas crenças anteriores ou reforçá-las, ganhar conhecimentos e insights, ou ficarem motivados para a ação.

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Para os autores, indivíduos em grupos ou instituições não agem ou reagem baseados meramente em seus papéis privados, seus padrões interpretativos ou seus valores pessoais; eles também percebem a informação sobre risco e constroem o “problema” risco de acordo com tendências culturais, as regras das organizações e as especificações dos papeis associados às suas posições institucionais ou nos grupos.

Dentre os efeitos gerados pela amplificação social dos riscos, alguns se estendem bem além das pessoas diretamente envolvidas com os eventos originais: reforço de percepções, imagens e atitudes para com as instituições, tecnologias dentre outros; impactos na economia local ou regional; pressões políticas e sociais; desordem social; alterações na monitoração de riscos e normas; aumento da responsabilidade e custos securitários e repercussões em outras tecnologias e instituições sociais. (KASPERSON, 1992). Um dos problemas levantados a respeito da amplificação social dos riscos é se ela pode ser testada. O autor argumenta que, devido à sua natureza integradora, essa concepção dos riscos não pode ter sua validade testada, no sentido positivista, por análises empíricas. Sua utilidade deve ser provada pela demonstração da sua força analítica e insights na interpretação das respostas sociais aos riscos.

O trabalho de Sandman (2000) e Sandman et al. (1993) também está voltado para a comunicação dos riscos que, segundo os autores, falha porque os experts falham em entender por que as pessoas vêem como mais sérios os riscos que não são tão sérios de acordo com avaliações técnicas, ou desprezam riscos que são importantes de acordo com as evidências técnicas. Sandman (2000) argumenta que o problema é de definição. Para os experts, riscos significam mortalidade anual esperada. Para o público e mesmo experts fora de seu ambiente institucional, riscos significam muito mais que isso. O aspecto que os experts consideram, ou seja, a causa da taxa de mortalidade, o autor denomina perigo (hazard). Por outro lado, os demais fatores que o público considera são denominados pelo autor como ultraje (outrage). Assim, para o autor, “o risco seria a soma do ‘perigo’ com o ‘ultraje’. O público dá pouca importância para ‘perigo’ e os experts não dão nenhuma atenção para o ‘ultraje’”51 (SANDMAN, 2000, p.1). Dentre os fatores que, segundo o autor, provocam o ultraje, são citadas várias dimensões utilizadas pela abordagem psicométrica, como confiança, poder de amedrontar, familiaridade, possibilidade de controle e voluntariedade. Outros fatores referem-se ao processo de comunicação, à justiça entre riscos e benefícios, à moralidade, à difusão no tempo e espaço e à excepcionalidade. Sandman (2000) sugere que os experts aprendam a lidar melhor com a parte denominada ultraje para que possam aproximar-se da

posição do público. O autor afirma que a mídia trabalha com o ultraje, não o inventando, mas amplificando-o. O que aconteceu, como aconteceu, quem é o responsável, o que as autoridades estão fazendo, são aspectos mais importantes para a mídia do que dados sobre a toxicidade de determinada substância em questão. Sandman (2000) analisa vários casos concentrando-se nos problemas de comunicação e informação entre os sistemas de perícia e outros sistemas como a mídia, empresas e instituições. Seu trabalho, embora destaque pontos que são realmente importantes nas comunicações entre os sistemas especialistas e o público, fundamenta-se na análise estatística ou de conteúdo de matérias de mídia, não tratando da natureza desses problemas.