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5. Estilo de Representação Gráfica

5.2 Abstração e o Pixel Art

Como personagens de videogame se configuram de forma maciça no âmbito das imagens figurativas, suas representações podem fazer uso de diferentes níveis de abstração – de fato, como anteriormente exposto, a abstração é um fenômeno intrínseco e altamente expressivo quando as mesmas são configuradas em pixel art. Geralmente simplificadas para se adequar a esse estilo devido ao seu caráter visual limitado, personagens em pixel art estão sujeitas a diferentes tendências abstrativas em direção à redução de elementos gráficos, com influência direta na representação de seus traços humanos. A compreensão das mais expressivas e comumente utilizadas destas tendências, bem como seu papel de moldar o potencial empático na visualidade de uma personagem neste estilo gráfico, são então o foco principal deste capítulo. Para gerar o melhor entendimento, torna-se necessário trazer à tona de forma retrospectiva como as personagens se configuram ao longo do tempo em relação ao pixel art e seus princípios abstrativos, compreendendo mais a fundo suas relações.

Segundo Wolf (2013), em seu início, o videogame possuía capacidades gráficas tão limitadas que seus gráficos permaneceram por mais de uma década em níveis elevados de abstração, constituídos basicamente por formas geométricas simples com pixels altamente evidentes. Neste cenário, muito da imaginação do jogador era requerida para interpretar essas imagens em uma esfera representacional, muitas vezes valendo-se de fontes externas ao próprio jogo para gerar uma associação representativa. Essa época foi também o início do pixel art no videogame, e hoje representa o período de maiores limitações encontradas no estilo: a chamada “era de ouro do videogame” envolve jogos produzidos entre os anos de 1970 e 1984, anteriores ao primeiro crash32 dessa indústria (WOLF, 2010). Dessa maneira,

muitos jogos possuíam gráficos com um elevado nível de abstração, por mais que possuíssem intenções representacionais. Personagens antropomórficas encontravam-se representadas de forma tão reduzida que muitas vezes não passavam de uma sugestão de

32 Recessão massiva na indústria de videogames na década de 1980. Se deu pela saturação de mercado de consoles aliada à pouca diferenciação de jogos e à competição com os computadores pessoais que chegavam ao mercado.

forma humana, com pouca ou quase nenhuma abertura para processos empáticos envolvendo seu equipamento social. Algumas exceções foram personagens como o Pac- man (Figura 23), que quase simbólico de tão abstrato, ainda assim foi capaz de gerar algum tipo de empatia, de forma especulativa, talvez até mais conceitual que necessariamente devido à sua aparência, perceptível pelo sucesso da própria personagem e sua permanência no mercado e cultura visual do videogame até os dias atuais.

Figura 23 – Sprites da personagem-jogável Pac-Man

Figura 23.1 – Sprites de animação da Personagem-jogável “Pac-man” do jogo Pac-Man (Namco, 1980). A elevada abstração da personagem resultou na representação de uma simples boca que abre e fecha na interação com demais elementos da interface do jogo.

Com o passar do tempo e com a melhoria gráfica por ele trazida, algumas personagens já absorviam o caráter do pixel art em seus processos de concepção, sendo as mesmas projetadas de forma otimizada ao estilo e com maiores expressões de seu equipamento social, utilizando-se das tecnologias representativas disponíveis para se obter o resultado visualmente mais rico e original possível, por mais simples que fossem (ver o exemplo da personagem “Mario” mais adiante neste capítulo). Esta prática foi bastante útil na criação de padrões configurativos replicados com o passar do tempo sob essa técnica de representação, resultando no estabelecimento de artifícios que garantissem identidade e otimização configurativa ao pixel art. Aliados ao avanço tecnológico, esses artifícios procuram fazer o máximo uso do reduzido nível de abstração disponível na tentativa de gerar gráficos representacionais, de importância inegável nas funções visuais empáticas de personagens antropomórficas.

Na relação visual do videogame e a abstração, Wolf (2013) afirma que mesmo nos dias atuais, a aparência e comportamento dos videogames de última geração estão sujeitos a limitações concernentes a fatores como número de polígonos usados, velocidade de renderização, detecção de colisão e/ou resolução de tela, entre outros, não sendo, portanto, eximidos do fenômeno de abstração. Para o autor, mesmo no jogo mais representacional

disponível (talvez até imaginável) sempre haverá, de algum modo, uma abstração de coisas ou situações em que há a tentativa de representação ou simulação. Contudo, Wolf (2013) afirma também que esses jogos por muito tempo possuíram (e ainda possuem) na sua expressividade gráfica o maior parâmetro prático de aceitação pelo público consumidor, que considera principalmente a evolução do realismo gráfico em busca incessante da redução da abstração nas suas representações visuais. O pixel art, como já abordado anteriormente, faz muito pouco ou quase nenhum uso de tecnologias gráficas de ponta disponíveis na atualidade, já que a alta definição e uso de detalhes comuns nos videogames modernos podem facilmente descaracterizar o estilo. De forma singular, o pixel art apresenta-se atualmente neste âmbito como um ponto fora da curva, pois toma a abstração como um diferencial a seu favor, colocando seus jogos em um nicho estético distinto do dos chamados jogos AAA33. De fato, o pixel art se enquadra em uma forma de abstração que de forma geral, segundo Wolf (2013), força a mente do jogador a completar ou imaginar certos detalhes do jogo, resultando em um envolvimento e imersão diferenciados, ao mesmo tempo fazendo com que encontrem um senso de ordem e compreensão na simplicidade gráfica de uma forma dificilmente encontrada na vida real (ou nos referidos jogos AAA). Nesse sentido, é válida a comparação colocada pelo game designer Wright (2001), criador dos jogos Sim City (Maxis, 1989) e The Sims (Maxis, 2000) que vê a abstração como ponto- chave no videogame tal como no jardim japonês de pedras34, que funciona como uma abstração da natureza. Esse caráter coloca as personagens de pixel art em um contexto configurativo facilitado e de uso justificável: se por um lado a limitação facilita a produção, a própria limitação em forma de abstração é usada como ferramenta comunicativa para estilizar elementos e garantir uma experiência única ao jogador. Como já apresentados nos mais diversos exemplos no decorrer deste trabalho, personagens em pixel art possuem as mais variadas estéticas em suas configurações, quase sempre permeadas por diversos aspectos artísticos subjetivos. Analisar seu potencial empático sob esta ótica é uma tarefa que foge ao escopo proposto, de modo que, de forma mais geral e assertiva possível pelo que se procura analisar aqui, é através do próprio fenômeno de abstração que pode-se perceber como se dá a visualidade empática do equipamento social de personagens nesse contexto. Uma vez que a personagem pode ser representada em diferentes situações (inclusive no próprio gameplay ou até mesmo externamente a ele), divide-se a investigação do fenômeno em duas vertentes da abstração (uma mais geral e outra mais específica), que

33 Jogos de última geração que dispõem de grandes recursos de produção e promoção.

34 Denominado “Jardim Zen”, é composto principalmente por pequenas rochas que representam montanhas dispostas sobre uma superfície de areia revolvida em ondulações que remete a um oceano, daí a referência à abstração.

contribuem para a configuração de uma personagem como um todo e influenciam sua aplicação em pixel art, aqui argumentadas e livrevemente denominadas abstração conceitual e

abstração gráfica, ambas com formas próprias de influenciar a configuração da personagem

pixel art.