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Embora imagens digitais no geral sejam exibidas através de pixels, nem todas podem ser consideradas pixel art. Dessa forma, Silber (2016) reforça a compreensão do conceito de pixel art através da diferenciação com outras técnicas comuns de produção de imagem digital: gráficos tridimensionais, apesar de serem compostos por pixels, não são considerados pixel art, bem como uma variedade de técnicas artísticas digitais bidimensionais como a arte vetorial10, a pintura digital ou mesmo arte tradicional digitalizada. Ao fazer uso de muitos pixels em uma determinada área (configuração em alta resolução), essas técnicas artísticas mascaram o pixel e o tiram de evidência, exibindo, por sua vez, gráficos explícitos na forma de linhas, curvas e pontos, de modo por vezes mais familiar a formas de arte tradicionais do que ao pixel art propriamente dito. A aplicação de efeitos gráficos automáticos e filtros digitais de imagem que geram uma suavidade de formas através de artifícios como o blurring11 ou o anti-aliasing12 são consideradas práticas que podem descaracterizar uma imagem em pixel art, assim como diferentes ferramentas de desenho e pincéis digitais que calculam de forma automática novos valores de pixels, de forma oposta ao arranjo manual e específico associado ao estilo. Dessa maneira, o pixel art abre pouco ou quase nenhum espaço para a adição indireta ou não-intencional de pixels em uma imagem, algo deveras comum nas várias ramificações da arte digital como um todo. Segundo McCallum (2014), hoje utilizado largamente como escolha artística, o pixel art surgiu em um contexto em que os primeiros dispositivos e programas de computador não

10 Técnica artística digital que faz uso de gráficos vetoriais. Uma particularidade dos gráficos vetoriais é que uma imagem pode ser expandida ou reduzida sem perdas de nitidez, já que a figura não é composta por uma quantidade fixa de pixels, mas sim por conceitos matemáticos de formas geométricas. (Dictionary of Computer and Internet Terms, 2009)

11 Técnica que faz uso do blur, que é um um filtro programando de imagem que a mostra como que fora de foco, podendo ser repetido diversas vezes até se alcançar o resultado desejado. (Dictionary of Computer and Internet Terms, 2009)

12 Técnica para eliminar a aparência pixelada de “degraus de escada” de imagens inclinadas ou curvas em determinado display, através de uma iluminação parcial de alguns dos pixels adjecentes à linha. (Dictionary of Computer and Internet Terms, 2009)

possuíam a capacidade de exibir uma quantidade de pixels satisfatória para reproduzir uma imagem suavizada. Portanto, cabia ao artista de pixels contornar limitações e encontrar soluções visuais que melhor fizessem uso da quantidade limitada de pixels disponibilizados pelos recursos computacionais vigentes. Soluções através de artifícios visuais como o

dithering13 e animação simplificada com poucos quadros (exemplificados na Figura 5), foram algumas das práticas largamente adotadas que caracterizaram o pixel art e ressaltou o caráter digital desse tipo de imagem na cultura visual do videogame. Os livros de Hervieeux (2015) e Silber (2016) abrangem de forma didática e exploratória diversos desses recursos e práticas que ajudaram a definição e a produção efetiva do pixel art.

Figura 5 – Exemplos de características do pixel art no videogame Figura 5 – Exemplos de características do pixel art no videogame

Figura 5.1 – Artifício visual de dithering aplicado no jogo Super Space Invaders (Taito). Fonte: Reynolds (2015).

Figura 5.2 – Animação de poucos quadros da personagem-jogável dos jogos Pokémon Red e Pokémon Blue (Nintendo, 1996)Fonte: Detalhes de captura de tela editados pelo autor.

Atualmente as tecnologias digitais disponíveis não mais impõem limitações tão expressivas, pois oferecem altas resoluções e poder computacional. Mesmo assim, muitos artistas continuam a escolher utilizar um número limitado de pixels para produzir seus trabalhos, garantindo uma qualidade retrô para sua arte. Devido à disparidade de resolução de tela, displays de smartphones modernos comportam em média até cinquenta vezes a quantidade de pixels utilizados nos anos 1980 pelo console Nintendo 8-bits, época de larga utilização do pixel art como única alternativa representativa viável. Em sua etapa de produção, faz sentido criar pixel art em pequenas escalas, mesmo que seus gráficos produzidos sejam posteriormente redimensionados para adequar-se às telas modernas, uma vez que essa forma de produção limita a quantidade de pixels disponíveis para gerar

13 Dithering é uma técnica de representação de uma cor imediata através da mistura de pontos (pixels) de duas outras cores. É utilizada para representar tons de cinza ou cores em uma impressão ou tela que não podem produzi-las diretamente. (DOWNING et al., 2009)

formas que compõem a arte, evidenciando-os. De outro modo, ao fazê-lo em uma alta resolução, a edição a nível de pixel estaria comprometida ou no mínimo dificultada, pois os mesmos se encontrariam mais aglutinados ao invés de evidentes, resultando em uma suavidade de formas não características ao pixel art, encontradas em imagens de baixa resolução mais detalhadas ou mesmo no oekaki14. Dessa maneira, apesar de o pixel art teoricamente não preencher as atuais telas, é totalmente possível fazê-lo através de uma expansão em suas dimensões, de modo que vários pixels simulam a forma de um só, ocupado todo o espaço de tela disponível (ou desejado) através de um cálculo matemático que não modifique as proporções e distribuição de pixels originais da imagem. Isso torna o pixel art algo sintético e reduzido, já que suas limitações gráficas direcionam a representação a um certo minimalismo e abstração de formas, característica determinante ao estilo e citada de forma recorrente neste trabalho. Portanto, é comum, principalmente em jogos digitais, que o pixel art não comporte a representação de detalhes e minúcias tal como a arte tradicional, possuindo um caráter apontado por Silber (2016) como “memorável e icônico”, produzindo uma comunicação imediata através de formas estilizadas simples e abstraídas. A Figura 6 exemplifica e ajuda a entender esse fenômeno:

Figura 6 – Personagens Mario e Samus Aran em diferentes estilos gráficos Figura 6 – Personagens Mario e Samus Aran em diferentes estilos gráficos

Figura 6.1 – Comparativo da personagem “Mario” em pixel art no jogo Super Mario W o r l d ( N i n t e n d o , 1 9 9 0 ) e e m a r t e bidimensional de alta resolução no jogo Super Mario: The Thousand Year Door (Nintendo, 2004). Fontes: detalhes de captura de tela.

Figura 6.2 – Comparativo da personagem “Samus Aran” em pixel art no jogo Metroid; Zero Mission ( N i n t e n d o , 2 0 0 4 ) e e m a r t e c o n c e i t u a l tridimensional do jogo Super Smash Bros Brawl (Nintendo, 2008). Fontes: respectivamente detalhe de captura de tela e arte conceitual promocional divulgada.

Ao exibir as duas personagens simultaneamente, a imagem procura abranger a diferenciação prática entre o pixel art e diferentes estilos gráficos de representação no videogame. A personagem “Mario” apresentada na Figura 6.1 embora possua um conceito

14 Estilo de representação gráfica citada por Hervieux (2015) realizada à partir de ferramentas semelhantes às do pixel art e com resultados gráficos ligeiramente semelhantes, mas que são desenhados à mão livre e não dão evidênciam individualmente cada pixel utilizado, além de geralmente fazerem uso de uma resolução de tela maior.

simples, ainda assim apresenta uma simplificação e limitação de elementos (mesmo que não muito significativas) em sua representação pixel art, em contraponto à suavidade de formas em sua configuração bidimensional em alta resolução, onde os pixels se encontram aglutinados e não é possível distingui-los como unidades individuais, permitindo assim uma maior liberdade de formas em consequentes detalhes minuciosos. Por sua vez, a personagem “Samus Aran” (Figura 6.2) faz uso de uma maior quantidade de pixels na sua configuração em pixel art do que a personagem “Mario”, mas mesmo assim não foge do estilo (pois os pixels continuam em evidência) e também não consegue representar detalhes sutis da personagem, visualizáveis apenas em sua versão tridimensional em alta definição. A limitação representativa devido à própria qualidade de visualização do pixel é clara quando comparada a outros estilos de representação, de modo que:

Essas limitações são precisamente o que tornam o pixel art um estilo tão interessante [...] pois requerem uma grande quantidade de abstração e imaginação do artista para representar a realidade com apenas um punhado de pixels.15 (NAVARRO, 2016)

Dessa forma, as limitações impostas não devem ser interpretadas apenas como amarras representativas, mas sim como uma característica intrínseca que dá a própria essência e originalidade do pixel art. Um fato interessante a ser notado é que diferentemente de tendências estéticas que nasceram segundo os interesses e inquietações da comunidade artística, o pixel art surgiu inicialmente de forma imposta, como uma limitação do meio digital devido às capacidades técnicas computacionais vigentes por considerável tempo, ou seja, possui o caráter limitado de seus gráficos enraizado em sua própria origem e uso. Nesse sentido, é possível enxergar o pixel art não como uma arte limitada, mas sim como a própria limitação utilizada como arte: como afirma Wright (2006), o que acontece é que primeiro a tecnologia limitou o design, depois as pessoas apropriaram-se disso em forma de vantagem para se criar ótimos designs e trabalhos artísticos.