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PARTE II DA FASE PÓS-CONTENCIOSA DO PROCESSO POR INCUMPRIMENTO E DOS

1.2. O caso vertente: Comissão c Portugal

1.2.1. Evolução do litígio

1.2.1.4. Acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Janeiro de 2014, que opõe a

292/11 P)350

Descontente com a decisão do TG, a Comissão interpôs recurso da mesma junto

do TJ, por petição apresentada a 9 de Junho de 2011351, dando origem ao Processo

C-292/11 P352.

Neste âmbito, a Comissão pede ao TJ que: anule o acórdão recorrido e; decida definitivamente as questões objeto do recurso e negue provimento ao recurso de anulação da decisão controvertida. Como fundamentos para o seus pedidos, a Comissão indica dois (alegados) erros de direito cometidos pelo TG: a interpretação errada tanto das competências da Comissão no contexto da execução dos acórdãos do TJ proferidos em aplicação do artigo 260.º, n.º 2, TFUE, como das suas próprias competências de fiscalizar a ação da Comissão, e; a tomada de decisão (no acórdão de 2011) com base numa leitura parcial da parte decisória do acórdão do tribunal de Justiça de 2004 para identificar o incumprimento, violando, deste modo, o artigo 260.º, n.º 2 TFUE. Por último, a Comissão afirma ainda que, em todo o caso, o acórdão do TG se encontra ferido de erro de direito por este ter violado o dever de fundamentação, ao decidir com base numa fundamentação insuficiente e contraditória para estabelecer que aquela teria ultrapassado os limites do incumprimento definidos pelo TJ.

350 Disponível em:

http://curia.europa.eu/juris/liste.jsf;jsessionid=9ea7d0f130d55ba6c31b4b7f498b9160e5099d82d a59.e34KaxiLc3eQc40LaxqMbN4OahqPe0?num=C-292/11&language=pt,

(acedido em: 27/04/2017)

Sobre este aresto, vide também: MARIA JOSÉ RANGEL DE MESQUITA, O controlo da execução..., pp. 1178-1181.

351 Disponível em:

http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=113249&pageIndex=0&doclan g=PT&mode=req&dir=&occ=first&part=1&cid=378606,

(acedido em: 27/04/2017)

352 Note-se que pela importância das questões debatidas e dos efeitos financeiros que podem ter, no

futuro, para os Estados-membros, o Reino de Espanha, a República da Polónia, o Reino dos Países Baixos, a República Federal da Alemanha, a República Checa, a República Francesa, a República Helénica e o Reino da Suécia pediram para intervir neste processo, em apoio dos pedidos da República Portuguesa. Tal foi autorizado pelo TJ. Este nível de intervenção pelos Estados-membros (oito intervenções!) demonstra, pois, o elevado significado da temática em apreço. No mesmo sentido se pronuncia a doutrina portuguesa: MARIA JOSÉ RANGEL DE MESQUITA, O controlo da execução..., p. 1168, nota-de-rodapé n.º 26; MARIA LUÍSA DUARTE, Direito do Contencioso..., p. 285.

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Assim, quanto ao 1.º fundamento, que versa sobre a delimitação das competências do TG e da Comissão, esta última afirma que o primeiro reduziu a sua competência a um mero controlo formal das medidas tomadas pelos Estados- membros (no caso concreto, se o Decreto-lei n.º 48 051 tinha ou não sido revogado), retirando o efeito útil ao processo por incumprimento e às sanções pecuniárias compulsórias (uma vez que a Comissão não se poderia pronunciar sobre a conformidade da nova Lei n.º 67/2007, tendo antes que propor uma nova ação por incumprimento) e restringindo indevidamente a competência de execução

orçamental da Comissão353. Adicionalmente, também afirma que o TG restringiu a

sua própria competência, ao não analisar (como a Comissão fez) a conformidade da Lei n.º 67/2007 com a Diretiva 89/665, limitando-se a constatar que aquela revogava o Decreto-lei n.º 48 051 e apresentava um regime jurídico distinto, tendo que se propor uma nova ação por incumprimento. Daqui a Comissão retira que o TG não analisou se a Lei n.º 67/2007 punha, de facto, fim ao incumprimento declarado no acórdão de 2004 e que a abordagem do tribunal levaria a que se tivesse que iniciar um novo processo por incumprimento, sempre que o Estado-membro tomasse novas medidas, o que limita os efeitos deste processo, para além de ser

contrário à lógica do mesmo354.

Antes de avançarmos para o 2.º fundamento, diremos como o TJ decidiu esta 1.ª questão. O tribunal analisou o 1.º fundamento em duas partes – a primeira dizendo respeito à delimitação das competências respetivas da Comissão e do TG; a segunda versando sobre a própria definição de incumprimento declarada pelo TJ nos acórdãos de 2004 e de 2008.

Sobre a 1.ª parte, o TJ relembra que o objeto de uma 2.ª ação por incumprimento é muito circunscrito e que esse 2.º processo deve ser considerado um processo judicial especial de execução dos acórdãos do TJ355. Como tal, a verificação, pela Comissão, das medidas tomadas pelo Estado para cumprir o 2.º acórdão, de modo a determinar o montante sancionatório cobrável, deve ter por base o incumprimento

353 Parágrafos n.º 28.º a 32.º do acórdão proferido no âmbito do Processo C-292/11 P (acórdão de

2014).

354 Idem, parágrafos n.º 32.º a 36.º. A República Portuguesa contestou esta argumentação da

Comissão.

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delimitado pelo TJ no 1.º e 2.º acórdãos por incumprimento356. Nesta sede, o TJ sublinha que decorre da parte decisória do acórdão de 2004 e de 2008 que o incumprimento por si declarado se resume à não revogação do Decreto-Lei n.º 48

051357. Para executar o acórdão de 2004, a República Portuguesa aprovou a Lei n.º

67/2007, que só entrou em vigor alguns dias após a prolação do acórdão de 2008 (revogando o Decreto-Lei n.º 48 051). Da sua interpretação acerca da desconformidade dessa lei com a Diretiva 89/665, a Comissão retirou efeitos para calcular o montante sancionatório devido por Portugal, ao abrigo do acórdão de 2008, apesar de o TJ ainda não ter tido oportunidade de analisar o novo regime jurídico instituído por essa lei358 (e, como tal, a conformidade do mesmo com a Diretiva). O TJ concorda com a apreciação do TG, segundo a qual o poder de apreciação da Comissão não pode prejudicar ou usurpar a competência exclusiva do TJ para decidir da conformidade de uma legislação nacional com o direito da União, até porque, segundo os arts. 258.º a 260.º TFUE, só um acórdão do TJ proferido nesse âmbito é que pode determinar os direitos e obrigações dos Estados-membros, assim

como apreciar o seu comportamento359. Uma margem de apreciação mais ampla da

Comissão também violaria os direitos processuais que os Estados-membros gozam no âmbito do processo por incumprimento (em especial na fase pré-contenciosa),

uma vez que não se teria que propor uma nova ação por incumprimento360. O TJ

também concorda com a apreciação feita pelo TG à sua própria competência, uma vez que se o TG se pronunciasse sobre a interpretação feita pela Comissão acerca da conformidade de uma prática ou lei nacional (ainda não analisada pelo TJ) com o

direito da União, estaria a usurpar a competência exclusiva do TJ, que já se referiu361.

Por estas razões, o TJ concorda com a apreciação do TG, julgando improcedente a 1.ª

parte do 1.º fundamento da Comissão362.

Sobre a 2.ª parte do 1.º fundamento (que versa sobre a própria definição de incumprimento declarada pelo TJ nos acórdãos de 2004 e de 2008), o TJ refere que a argumentação da Comissão (segundo a qual a parte decisória do acórdão de 2004 356 Idem, parágrafo n.º 41. 357 Idem, parágrafo n.º 42. 358 Idem, parágrafos n.º 43 a 46. 359 Idem, parágrafos n.º 48 a 50. 360 Idem, parágrafos n.º 55 e 56. 361 Idem, parágrafo n.º 51. 362 Idem, parágrafos n.º 57 e 58.

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exige que a República Portuguesa adote medidas necessárias para o cumprir, sendo que o TG deveria ter analisado concretamente se tais medidas – a elaboração da Lei n.º 67/2007 – eram conformes à Diretiva 89/665, não se limitando a observar a revogação do Decreto-lei n.º 48 051) assenta na premissa errada de que esta se pronunciou acertadamente sobre a compatibilidade da Lei n.º 67/2007 com a

Diretiva 89/665363. Assim, o tribunal relembra a posição que expressou acerca da

1.ª parte do 1.º fundamento (que a Comissão e o TG não podem pronunciar-se sobre a compatibilidade de uma lei ou prática nacional com o direito da União, se o TJ ainda não o tiver feito, sob pena de usurparem a competência exclusiva deste último) para

rejeitar a 2.ª parte deste 1.º fundamento (e o 1.º fundamento na íntegra)364.

Passamos a explicitar o 2.º fundamento da Comissão, segundo o qual a fundamentação do TG no acórdão de 2011 se revela insuficiente e contraditória. Quanto à insuficiência, a Comissão alega que o TG apenas baseou a sua anulação da decisão da Comissão, no facto de esta última ter reconhecido que a Lei n.º 67/2007 não se limitava a revogar o Decreto-lei n.º 48 051, apresentando um novo quadro jurídico que, potencialmente, tornaria menos dificíl a obtenção de uma

indemnização pelos lesados365. Sobre a fundamentação contraditória, a Comissão

alega que o TG começa por afirmar a margem de apreciação da Comissão face às medidas adotadas pelo Estado-membro para dar cumprimento ao acórdão do TJ para, depois, limitar essa competência a um controlo meramente formal (i.e., determinar se o Decreto-lei n.º 48 051 tinha ou não sido revogado).

Sobre a insuficiência da fundamentação, o TJ afirma que o TG examinou de forma lógica, coerente e exaustiva (nos parágrafos n.º 68.º a 91.º do acórdão de 2011) as circunstâncias do caso concreto, não baseando a sua anulação unicamente no ponto

referido no parágrafo n.º 85366. Relativamente à contraditoriedade da

fundamentação, o TJ indica que o TG começou por reconhecer, de forma geral, o poder de apreciação da Comissão, apenas para lembrar que este tem que ser exercido dentro de certos limites, que não podem violar a competência exclusiva do TJ para decidir sobre a conformidade de uma legislação nacional com o direito da

363 Idem, parágrafo n.º 61. 364 Idem, parágrafos n.º 64 a 67.

365 Idem, parágrafo n.º 69. Este ponto foi primeiro referido no parágrafo n.º 85.º do acórdão de 2011. 366 Idem, parágrafos n.º 72 a 75.

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União367. No caso concreto, tal significa que a Comissão não podia ter apreciado a

Lei n.º 67/2007 de forma a daí extrair consequências para efeitos do cálculo da

sanção pecuniária compulsória368.

Consequentemente, o TJ rejeitou os dois fundamentos apresentados pela Comissão, confirmando a decisão do TG que anula (na totalidade) a decisão de cobrança da Comissão do montante devido pela República Portuguesa ao abrigo da sanção pecuniária compulsória decidida pelo TJ no seu acórdão de 2008.

1.2.1.5. Despacho do Tribunal Geral de 27 de Junho de 2016, que