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PARTE II DA FASE PÓS-CONTENCIOSA DO PROCESSO POR INCUMPRIMENTO E DOS

1.1. Enquadramento da questão

Esta questão, que ocupará o restante desta nossa investigação, coloca-se após a conclusão de um 2.º processo por incumprimento no âmbito do qual o TJ determinou a aplicação, ao Estado infrator, de sanções de certa natureza e

montante291, naquilo que denominaremos de fase pós-contenciosa do processo por

incumprimento sancionatório.

Como vimos292, caberá à Comissão (por força do seu papel de guardiã dos

Tratados e de responsável pela execução do orçamento da União) garantir a execução deste 2.º acórdão, por parte do Estado infrator. Para tal, a Comissão elabora uma decisão de cobrança, dirigida ao Estado, na qual liquida o valor por este

291 Enquadrando a questão no âmbito dos problemas suscitados pela execução de um acórdão do TJ

que impõe sanções (lembrando que os Tratados não dispõem de regras pormenorizadas sobre esta matéria e que a jurisprudência também não tem versado muito sobre a mesma): KOEN LENAERTS, IGNARE MASELIS, KATHLEEN GUTMAN, EU Procedural ..., pp. 213-214. Enquadrando a questão também na fase pós-contenciosa do processo por incumprimento: MARIA LUÍSA DUARTE, Direito do Contencioso..., pp. 283-286.

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a pagar293 (com base no método contabilístico definido pelo TJ no seu acórdão) e

solicita que este proceda ao pagamento da quantia, a ser depositada na conta relativa aos “recursos próprios” da União.

Importa também não perder de vista (principalmente se o Estado estiver obrigado a pagar uma sanção pecuniária compulsória) qual a violação que o pagamento pecuniário sanciona. Essa violação é o incumprimento do 1.º acórdão do

TJ (e não, como já antes dissemos294, a pretensa violação original que deu origem ao

1.º processo por incumprimento). A forma de o Estado cumprir esse 1.º acórdão (e, consequentemente, o 2.º acórdão do TJ, uma vez que este sanciona o incumprimento do primeiro) pode ser bastante específica se o Tribunal, ao invés de se limitar a declarar a existência de um incumprimento, referir também quais as medidas a adotar pelo Estado para pôr fim ao mesmo. Na sequência de tudo isto, pode ser que a Comissão discorde do Tribunal, quanto aos limites concretos do incumprimento do Estado-membro. Poderá suceder que a Comissão nem tenha noção de tal divergência, defendendo que, ao interpretar o incumprimento do Estado como exigindo determinadas medidas, esteja ainda a velar pela correta execução do acórdão do TJ e do objeto por este fixado. No entanto, quanto mais específico for a causa do incumprimento declarado pelo TJ e quanto mais concretas forem as medidas que o TJ declarar como necessárias para por fim ao incumprimento, menor será a margem da apreciação da Comissão para realizar uma interpretação ampla da violação declarada pelo Tribunal.

Assim, se a Comissão se reger por um sentido de incumprimento que já não pode encontrar acolhimento no objeto determinado pelo TJ, tal poderá ter impactos financeiros bastante adversos para o Estado infrator. Isto porque a Comissão tomará esse sentido de incumprimento (assim como as medidas necessárias para o fazer cessar) como fundamento para liquidar e cobrar o montante de uma sanção pecuniária (principalmente se for compulsória) ao Estado-membro quando, na

293 Esta operação de liquidação não se revelará necessária nos casos em que o TJ apenas determina a

aplicação de um sanção pecuniária de quantia fixa, fixando desde logo o valor desta (sem necessidade de recurso a métodos de cálculo). Aí, o valor que a Comissão apresente na sua decisão de cobrança, será apenas aquele que o TJ já tinha definido no seu acórdão. No mesmo sentido, referido que a natureza das sanções dita as possibilidade jurisdicionais colocadas à disposição do Estado infrator: DIDIER BLANC, Ombres et lumières..., p. 289.

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verdade, este pode já ter tomado todas as medidas que seriam necessárias para dar cumprimento do acórdão do TJ.

Em conclusão, poderá suceder que, em certa data, um Estado já tenha tomado todas as medidas necessárias e que, ainda assim, a Comissão continue a cobrar-lhe valores, por entender que tais medidas são insuficientes para dar cumprimento total ao acórdão.

Isto coloca vários problemas do ponto de vista da separação de competências entre a Comissão e o TJ, dos meios de defesa do Estado e das consequências da anulação de uma decisão de cobrança da Comissão que seja excessiva (que, por sua vez, poderá colocar problemas de divisão de competências entre o TG e o TJ).

Antes de explorarmos todas estas questões, convém deixar assente que este tipo de incidentes não corresponde a uma situação meramente académica. Isto porque, até à data, esta questão já se colocou duas vezes vez - num litígio entre a Comissão Europeia e a República Portuguesa e noutro entre aquela e a República Francesa (em que a impugnação francesa foi considerada improcedente, contrariamente à portuguesa). Acresce que este conflito entre a Comissão e a República Portuguesa (que perdura há já mais de 1 década, desdobrando-se em 5

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decisões295) ainda carece de resposta jurídica adequada para alguns dos seus

contornos. É a evolução histórica deste conflito que veremos primeiro296.

295 Processo C-275/03: acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 14 de Outubro de 2004,

Comissão das Comunidades Europeias c. República Portuguesa:

http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=9ea7d0f130deb477cd1a551d4a9f a9a6fe11937d3b99.e34KaxiLc3eQc40LaxqMbN4Ob3aKe0?text=&docid=49215&pageIndex=0&doc lang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=46350,

(acedido em: 27/04/2017)

Processo C-70/06: acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 10 de Janeiro de 2008, Comissão das Comunidades Europeias c. República Portuguesa:

http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=69544&pageIndex=0&doclang =PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=46634,

(acedido em: 27/04/2017)

Processo T-33/09: acórdão do Tribunal Geral (Terceira Secção) de 29 de Março de 2011, República Portuguesa c. Comissão Europeia:

http://curia.europa.eu/juris/liste.jsf?language=pt&num=T-33/09~, (acedido em: 27/04/2017)

Processo C-292/11 P: acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 15 de Janeiro de 2014, Comissão Europeia c. República Portuguesa:

http://curia.europa.eu/juris/liste.jsf;jsessionid=9ea7d0f130d55ba6c31b4b7f498b9160e5099d82d a59.e34KaxiLc3eQc40LaxqMbN4OahqPe0?num=C-292/11&language=pt,

(acedido em: 27/04/2017)

Processo T-810/14: despacho do Tribunal Geral (Sexta Secção) de 27 de Junho de 2016, República Portuguesa c. Comissão Europeia:

http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=181881&pageIndex=0&doclan g=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=403685,

(acedido em: 27/04/2017)

296 Para uma apreciação da evolução deste litígio, ou saga, até ao proferimento do acórdão do TJ de

15/01/2014 no âmbito do Processo C-292/11 P, vide também MARIA JOSÉ RANGEL DE MESQUITA, O controlo da execução ..., pp. 1157-1188; Introdução ao Contencioso ..., pp. 285-295; DIDIER BLANC, Ombres et lumières..., pp. 285-299

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