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2- MOVIMENTOS SOCIOTERRITORIAIS E A LUTA POR TERRA E ÁGUA NO

2.4 Acampamento São Francisco – CPT

O acampamento São Francisco está localizado no município de Pariconha – AL, divisa com os municípios de Delmiro Gouveia – AL e Água Branca – AL. O acampamento São Francisco está organizado pela CPT e é um dos acampamentos que margeiam o Canal do Sertão7. A luta pela terra começou em abril de 2018. A terra ocupada pelo acampamento pertencia ao fazendeiro Adão Cardoso, possuindo 520 tarefas de terra8. Atualmente no acampamento residem 23 famílias com mais duas aguardando vaga. Na figura 1 consta a localização do acampamento no Alto Sertão de Alagoas.

7 O Governo do Estado, em 1992, optou pela construção de um canal que cortaria o sertão e parte do agreste

alagoano, levando água do rio São Francisco até os municípios mais afetados. Mais tarde, o Canal do Sertão, como é chamado, passou a integrar as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal. Até 2016, já foram construídos 105 Km do Canal do Sertão Alagoano, tendo sido finalizados os três primeiros trechos, além dos 12 Km iniciais do trecho IV, chegando ao município de São José da Tapera. (ALAGOAS, 2017).

Figura 1: localização do acampamento São Francisco – CPT.

As terras do fazendeiro Adão Cardoso, antes mesmo de ser ocupada pela CPT, já tinha sido negociada pelo Governo Federal. Segundo o entrevistado 1, uma particularidade que acontece no acampamento São Francisco é que as terras que hoje estão ocupadas já não pertenciam ao proprietário, mas sim está sob administração do Estado, e a CODEVASF detém o título da terra. O entrevistado 1 relata que: “[...] a gente foi descobrir essa terra pertence também, parece, a CODEVASF, a CODEVASF tem o direito, o título dessa terra, então a gente está aqui pra ver o que vai acontecer [...]” (entrevista concedida em novembro de 2019).

Os camponeses que compõem o acampamento São Francisco – CPT, antes mesmo de se organizarem e procurarem a CPT para ocupação das terras, já estavam fazendo uso da terra, porém como meeiros9. Aqui vemos um ponto importante para a luta desses camponeses em busca da terra. Segundo relatos dos entrevistados, Adão Cardoso sabendo que o Canal do

9Diz-se do agricultor que trabalha em terras que pertencem a outra pessoa. Em geral o meeiro ocupa-se de todo o trabalho, e reparte com o dono da terra o resultado da produção. O dono da terra fornece o terreno, a casa e, às vezes, um pequeno lote para o cultivo particular do agricultor e de sua família.

Sertão passaria sobre as suas terras, procurou o Governo Federal para uma negociação, isso há mais de 12 anos. Mesmo assim, o fazendeiro ainda estava detendo o poder sobre a posse da terra, arrendando e fazendo com que os mesmos camponeses que hoje estão acampados trabalhassem como meeiros nas terras que já não o pertencia mais.

O governo tinha comprado, indenizado, e a proposta era que talvez fizesse algum tipo de escola para irrigação, para ensinar o pessoal a fazer essas coisas, mas na verdade nunca saiu do papel, já tinha mais ou menos uns 12 anos que tinha indenizado o fazendeiro, e o fazendeiro tava usando a terra, enquanto ainda tinha muitas famílias por ai trabalhando para o fazendeiro de rendeiro, trabalhava, pagava o rendeiro. E na verdade a terra não era nem do fazendeiro mais, já era do governo. Então os rendeiros que já trabalhavam na terra procuraram a CPT e falou essa história. (ENTREVISTADO 1, entrevista concedida em novembro de 2019).

Então, fazendo uso da posse da terra, ainda manteve por muito tempo meeiros trabalhando nas terras. Isso chama atenção para o domínio que o fazendeiro ainda estava mantendo sobre a terra, mantendo por muito tempo sua forma de arrendamento, privando os camponeses do direto a ela.

Os camponeses meeiros que estavam na terra, buscando suporte para fazer o processo de ocupação, ainda descobriram que as terras estavam para ser ocupadas por uma cooperativa de fora,

Então quando a gente correu atrás que fomos investigar já descobrimos que tinha uma cooperativa vindo de fora, de Pão de Açúcar pra ocupar essa terra e em vez deles colocarem os próprios rendeiros que já trabalhavam na terra, iam colocar uma cooperativa de fora. Então foi quando eles pediram ajuda da CPT e a CPT veio e fez a ocupação com eles, com essas famílias, e não teve conflito nenhum. As terras já eram do governo e o fazendeiro não tinha interesse nenhum de entrar em questão com a gente. (ENTREVISTADO 1, entrevista concedida em novembro de 2019)

Tomando conhecimento desses fatos, os meeiros ao procurarem a CPT, buscaram estratégias para ocupar as terras definitivamente, objetivando a conquista da terra e se tornarem assentados, detendo o título da terra.

A atitude dos camponeses em procurar a CPT para dar um suporte foi essencial, e hoje o acampamento São Francisco está recebendo o apoio do Instituto de Terras e Reforma Agrária de Alagoas – ITERAL. Em entrevista com uma das lideranças da CPT no estado, foi relatado que: “[...] a reforma agrária saiu da pauta do governo federal a muito tempo. Como o

INCRA é federal, ela tem paralisado no Brasil inteiro. Essa é uma das motivações pela qual o ITERAL tem sido chamado pra essa missão” (ENTREVISTADO 2, entrevista concedida em janeiro de 2020).

De acordo com o entrevistado 1, até agora quem foi no acampamento para dar um suporte para a efetivação da reforma agrária foi o ITERAL, o mesmo está fazendo a mediação para a conquista da posse da terra, auxiliando na busca do credito fundiário para a conquista da terra. É importante ressaltar que esse tipo de reforma agrária é de mercado, onde os camponeses já entram endividados na terra, tendo que pagar o crédito devido a terra que lhe foi concedida.

Segundo Pereira (2006, p. 22-23):

O modelo de reforma agrária de mercado (MRAM) foi elaborado com o objetivo de substituir a reforma agrária redistributiva, baseada no instrumento da desapropriação de propriedades rurais que não cumprem a sua função social, por relações de compra e venda de terras. Posto em prática sob diferentes formatos, teve início em 1994 na Colômbia e, em três anos, já operava na África do Sul, no Brasil e na Guatemala. Uma década depois da sua estreia, países tão distintos como Honduras, México, Malaui, El Salvador e Filipinas já conheciam experiências a ele associadas. De fato, uma onda de políticas de acesso à terra de novo tipo havia se estabelecido internacionalmente.

Pereira (2006) ainda pontua que:

Em essência, o MRAM nada mais é do que uma mera relação de compra e venda de terras entre agentes privados financiada pelo Estado, que fornece um subsídio variável para investimentos em infra-estrutura socioprodutiva e contratação de serviços privados de assistência técnica. Quanto menor for o preço pago pela terra (empréstimo), maior será a quantia a fundo perdido disponível para investimento, e vice-versa. Os vendedores são pagos previamente em dinheiro a preço de mercado, enquanto os compradores assumem integralmente (ou na sua maior parte) os custos da aquisição de terra e os custos de transação. Os compradores podem pleitear o acesso ao financiamento individualmente e/ou via associações comunitárias, dependendo do formato dos programas (PEREIRA, 2006, p. 24-25).

O acampamento ainda está na primeira fase, a fase de luta, conquista da terra, e a CPT juntamente com o ITERAL estão auxiliando os camponeses nesse processo. Como não houve resistência por parte do fazendeiro, o mesmo mostrou a área que eles poderiam ocupar. Segundo o entrevistado 1 “[...] a gente ocupamos. O fazendeiro mostrou onde era o tamanho

da propriedade que ele tinha vendido, sido indenizado, então a gente ocupamos, dividimos. Tem 23 famílias trabalhando nessa terra [...].” Assim ocorreu o processo de ocupação do acampamento São Francisco, como seu início se deu em 2018, os acampados ainda estão aguardando a resposta do governo, esperando a titulação da terra.

O entrevistado 1 relata que umas das maiores dificuldades hoje encontradas para a conquista da terra é o Governo federal.

[...]esse governo que está ai agora, o Bolsonaro que tá derrubando tudo, destruindo tudo, a luta de quarenta e tantos anos ele que acabar em um ano de mandato já né. Mas o que está acontecendo aqui esse governo corrupto, esse filho dele. Mas ele, a preocupação dele é só de acabar com os movimentos, acabar com a classe pobre né. (ENTREVISTADO 1, novembro de 2019).

É notória a tensão que o governo Bolsonaro causou nos movimentos socioterritoriais, a preocupação dos camponeses para com o atual governo federal é evidente.

Na luta por reforma agrária, o acampamento São Francisco ainda está na busca por uma estrutura que garanta mais conforto ao seus acampados. Como ainda estão no processo da conquista, os acampados ainda vivem sob barracas de lona. Dessa forma, na busca por instalar uma rede elétrica no acampamento, eles necessitam passar pela transição dos barracos de lona para casa de alvenaria. O entrevistado 1 menciona que: “[...] não chega energia porque os barracos são de lonas. Acima de 10 casas a empresa coloca energia, mas não pode ser barraco, tem que ser de tijolo” (entrevista concedida em novembro de 2019). É possível observar na Figura 2, as imagens das barracas de lona e construções improvisadas, realizada pelos acampados.

Figura 02: casas do acampamento São Francisco – CPT. Por: Eduardo Neório Lima. Dezembro de 2019.

Percebemos que o acampamento, mesmo sem o título da terra, já está iniciando o processo de transição dos barracos de lona para as casas de alvenaria. Porém, essa transição ocorre de forma lenta, pois, os custos de uma casa de alvenaria ainda são bastantes elevados.

A reforma agrária é mais que o acesso a terra. Dentro dessa perspectiva, a busca do acampamento São Francisco por melhorias estruturais é necessária. O acampamento tem quase dois anos e suas condições ainda são precárias. Não basta a falta de energia, o acesso precário pelo Canal à água também é motivo de preocupação.

No final de 2019 o Governo de Alagoas, por meio da Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos – SEMARH, iniciou uma campanha para a regularização do uso da água nos municípios que margeiam o Canal do Sertão. Desta maneira, outorgas de água foram concedidas, visando regularizar cerca de 300 famílias. Aqui está outra pauta de luta do acampamento São Francisco. O acampamento ainda está na busca pela conquista da terra, isso acarreta uma invisibilidade dos agricultores por parte do Governo, sendo assim, os camponeses acampados ficam de fora dos programas de incentivo e melhoria de produção. Essa regularização da SEMARH sobre o uso da água é preocupante, pois, o assentamento está fazendo uso da água de forma autônoma, e por ainda não possuírem o título da terra, esses camponeses estão sujeitos a perder a liberdade de fazer uso da água do Canal do Sertão para irrigação de suas plantações. O entrevistado 2 relata que:

[...] nosso uso da água é do Canal mesmo. Nunca passou ninguém a respeito disso não. A gente trabalha assim, com essa rocinha assim, e é tudo a nossos custo. Se relano daqui, aculá, e compra um caninho hoje, compra outro amanhã, vende e o que sobra vai lá e compra outra barrinha de cano. Quando sobra a gente compra, e quando não sobra a gente vai se virando com o que tem. Nunca tivemos assistência [...] (entrevista realizada em dezembro de 2019).

Além da luta pelo acesso à água, os camponeses também têm que arrumar maneiras para que a água do Canal do Sertão, que passa ao lado do acampamento, chegue as plantações. Invisibilizados pelo governo estadual, a assistência técnica igualmente não chega ao acampamento, segundo relatos do entrevistado 2 nenhum órgão de assistência passou por lá. Todo uso da água e produção agrícola é feita de forma independente.

Lutando e resistindo, o acampamento São Francisco tem se organizado e arrumado meios para a realização de suas produções agrícolas. Mesmo não possuindo a outorga da água, e sem energia, o acampamento tem conseguido fazer uso da água do Canal do Sertão através do bombeamento feito por motor movido por combustível, adquirido com recursos próprios. Desta maneira os camponeses têm produzido e conseguido se utilizar de uma agricultura irrigada, conforme pode ser observada na figura 3.

Figura 03: produções agrícolas do acampamento São Francisco – CPT. Por: Eduardo Neório Lima. Dezembro

de 2019

O acampamento tem produzido de forma diversificada, baseada em uma produção orgânica, respeitando o meio ambiente. Dentre os gêneros estão: banana, abacaxi, macaxeira, feijão de corda, verduras, hortaliças, todas eles divididos em lotes, onde cada família acampada produz seus próprios produtos. É importante enfatizar que toda a produção é escoada no mercado interno, em especial na feira de Água Branca – AL e Pariconha – AL.

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