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2- MOVIMENTOS SOCIOTERRITORIAIS E A LUTA POR TERRA E ÁGUA NO

2.3 Movimentos socioterritoriais: CPT e MST no Sertão de Alagoas

A materialização dos movimentos socioterritoriais pode ser observada pela constituição de organizações ligadas à luta pela terra. A Comissão Pastoral da Terra – CPT, juntamente com Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra – MST, protagonizaram as lutas pelo acesso à terra. Esses movimentos têm ligação direta com os camponeses, em busca da tão sonhada redistribuição fundiária, rumo à reforma agrária.

Foi sob período ditatorial que o setor progressista da igreja católica criou um espaço onde os trabalhadores pudessem se organizar e discutir os seus problemas: as Comunidades Eclesiais de Base - CEB’s, que a partir do começo dos anos 1970 se firmaram no cenário nacional como um importante foco de resistência à ditadura militar e de reorganização das populações do campo. Este trabalho foi ainda mais potencializado a partir de 1975, com o surgimento da CPT.

A CPT tem seu surgimento na década de 1975, em Goiânia (GO), durante o Encontro Pastoral da Amazônia (LIMA, 2013), momento de expansão do capitalismo no campo, onde o Estado brasileiro dava prioridade às políticas de incentivo à agroindústria. Essa organização foi criada e tinha o reconhecimento da Congregação Nacional dos Bispo do Brasil (CNBB)

(FERREIRA, 2004). A ação pastoral tinha como propósito o vínculo da fé com um compromisso por justiça social. Os trabalhadores rurais contavam com o apoio para a formação de várias frentes. Conforme Ferreira (2004, p. 138):

Seu envolvimento com os trabalhadores rurais pode ser observado em várias frentes: formação político-religiosa; assessoria jurídica; mediação no conflito com o Estado (constituindo-se em várias ocasiões como participe nesse, em oposição aos governos); e ainda como responsável por divulgar e implantar projetos de desenvolvimento econômico, a partir de constantes debates com teóricos do meio científico e dos meios populares.

Essa organização objetiva dar um suporte aos trabalhadores rurais, pois eles mesmos têm que ser protagonistas de sua própria história. A CPT se destaca pela defesa do direito dos trabalhadores em busca do acesso à terra, podemos observar esses trabalhadores como posseiros e sem-terra, porém para se alcançar o acesso à terra, a luta, sobretudo, tem que se dar pela quebra do latifúndio. Por isso a CPT se envolve diretamente nas ações de ocupação de terra, empreendidas em nome da reforma agrária.

Seus agentes, imbuídos de símbolos religiosos como o do Êxodo e da Terra Prometida, lutam pela reforma agrária, por políticas agrícolas e pela formação de partidos políticos e sindicatos combativos, mas sua proposta não se esgota com os reclames políticos e econômicos, ao contrário, o que se objetiva é englobar os diversos aspectos da vida social, principalmente o religioso (FERREIRA, 2004, p. 139).

A CPT atravessou dois momentos em sua trajetória, o primeiro que visava à construção do reino de Deus – 1975, objetivando a luta pela construção de uma sociedade socialista; e um segundo momento que vem desde a década de 1990 até os dias atuais, visando uma relação mais harmoniosa entre os homens e o meio ambiente, “agroecologia” (FERREIRA, 2004). É partindo da preocupação com o meio ambiente que a CPT inseriu ao escopo de suas reivindicações a questão da água, onde entrou firmemente em defesa da humanidade e dos demais seres vivos contra a tentativa de privatização da água.

Observando o surgimento da CPT em Alagoas Figueira (2019) et al apud Lima (2013) pontua que:

Lima (2013) aponta 1987 como o ano do surgimento da CPT, em Alagoas. Nesse ano teria ocorrido a transição do trabalho da Pastoral Rural, ligada diretamente à Igreja Católica. Segundo ele, a Pastoral Rural era dirigida para os católicos rurais comprometidos em formar movimentos religiosos restritos como a Animação dos Cristãos no Meio Rural (ACR). Todavia, a Pastoral Rural em Alagoas havia desenvolvido, durante a década de 1980, uma relação com o Movimento de Educação Rural (MER) que atuava na Zona da Mata alagoana e se propunha revolucionário. Lima (2013) insinua uma ligação que esse contato entre a Pastoral Rural com o MER teria contribuído para o surgimento da CPT-AL e na sua atuação se propôs a contribuir para o aparecimento de movimentos autônomos dos camponeses como o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) e o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) (FIGUEIRA, 2019. p. 267 apud LIMA, 2013).

Em Alagoas a CPT iniciou sua atuação junto aos assalariados do corte de cana, os trabalhos se desenvolveram na Zona da Mata Norte (LIMA, 2013). Assim se deram os trabalhos da CPT em Alagoas, e ainda conforme Lima (2013, p. 368):

Assim, nesta região, os assalariados do corte de cana e os “posseiros” foram os primeiros grupos acompanhados. Para os assalariados o importante era a garantia dos direitos trabalhistas e as posições sindicais, e para os posseiros, a legalização da terra. Atualmente, para que se note o salto dado no tempo, a CPT encontra-se organizada em equipes que acompanham e organizam os assentados e acampados. A comissão não ficou circunscrita à Zona da Mata, ampliando o território de ações e indo para o Agreste, o Sertão e o Litoral.

Cosme (2019) ainda pontua que: “[...] o surgimento da CPT/AL a partir do Arquivo Eclesiástico de Alagoas, fortalece essa linha historiográfica, quando destaca a atuação da Pastoral Rural no Sertão alagoano (nos municípios de Inhapi, Água Branca e Delmiro Gouveia), no ano de 1995 [...]” (COSME, 2019, p. 219). Desta maneira a CPT chega ao sertão alagoano e tem exercido seus trabalhos de base, orientando e organizando trabalhadores rurais em busca da reforma agrária.

Como anteriormente mencionado, é a partir das contribuições da CPT que se origina outro movimento de camponeses - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra – (MST). Agora analisaremos brevemente sua gênese, e como se deu seu processo de territorialização em Alagoas.

O MST teve sua gestação e nascimento no período de 1979-1985, onde se consolidou e se territorializou de 1985 até nossos dias (FERNANDES, 2000). A busca sobre o entendimento da formação do MST nos leva à compreensão de que o movimento tem como

principais instrumento de luta pelo acesso à terra, as ocupações. Segundo Fernandes (2000, p. 19): é “impossível compreender a sua formação, sem entender a ocupação da terra. O MST nasceu da ocupação da terra e a produz nos processos de espacialização e territorialização da luta pela terra”.

Ainda em concordância com o autor:

O sentido da formação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra está na sua espacialização e territorialização, porque traz o significado da resistência por meio da sua recriação. Nessas duas décadas, no desenvolvimento desses processos, os sem-terra se organizaram em vinte e duas unidades da federação e construíram uma estrutura organizativa multidimensionada em suas instâncias representativas e nas formas de organização das atividades. Dessa forma, ampliaram a luta pela terra em luta por outros direitos: educação, política agrícola, saúde etc., construindo as condições para conquista-los (FERNANDES, 2000, p. 19).

É partindo dessas ocupações, como forma de se territorializarem, que o movimento constrói as condições históricas para a formação do campesinato. O desafio da expansão em sua estrutura de territorialização, os levam a buscar novas condições para superar sua realidade.

A ocupação se torna um elemento basilar no que tange à espacialização e à territorialização do movimento. “Essa ação e sua reprodução materializam a existência do Movimento, iniciando a construção de sua forma de organização, dimensionando-a”. (FERNANDES, 2000, p. 19). É por fruto dessa espacialização que o MST tem seu início em Alagoas.

Sua história no estado se dá a partir da participação da Pastoral Rural que atuava em Alagoas, no I Congresso Nacional do MST, o congresso foi realizado no Paraná no mês de janeiro de 1985 (LIMA, 2013). A pastoral já exercia uma articulação entre os trabalhadores camponeses no estado, seja ela nos sindicatos, grupos de jovens, pescadores e associações em geral. A ida dos representantes da Pastoral Rural para o congresso foi de grande valia para a organização do MST no estado. Seus representantes, trazendo os temas abordados no congresso e objetivando fazer avançar a luta por reforma agrária, transmitiram para os demais membros a palavra de ordem do congresso: “Ocupação é a única solução!” (LIMA, 2013, p. 396).

É importante frisar que a gestação do MST no estado de Alagoas teve sua gênese com o Sindicato do Inhapi, que assume as discussões e propostas do Congresso do MST, e cria dentro da estrutura sindical uma coordenação exclusiva dos sem-terra. “Dentre os responsáveis por esta tarefa estavam Cazuza, Genivaldo, Zilma, Severino e Luiz Valério, o mesmo que fora representando a Pastoral” (LIMA, 2013, p. 396).

Analisando as formas adotadas pelo MST, levando as ocupações como a maneira mais combativa em luta por reforma agrária, Lima (2013) nos mostra como se deu a primeira ocupação em Alagoas:

Em 26 de janeiro de 1987 acontece a primeira ocupação do MST em Alagoas, com a participação de 76 famílias, que resistiram à tentativa de expulsão realizada pelo fazendeiro Miguel Grande, pois a Pastoral Rural e a Executiva do MST já acompanhavam a luta desses posseiros desde 1985 – tratava-se do conflito na fazenda Peba (LIMA, 2013, p. 396)

Esta ocupação se deu no município de Delmiro Gouveia - AL. Sendo assim, Delmiro se torna o berço das primeiras ocupações do MST no estado, sendo elas a do Peba e do Lameirão em 1987-88. O autor ainda trata sobre as primeiras conquistas do movimento no estado e pontua que:

Foi um período de intensa perseguição, ameaças e despejos, com destruição de casas por parte do fazendeiro e de pistoleiros da fazenda Peba. Mas isso não foi suficiente para que as famílias desistissem da luta e deixassem de obter conquistas e vitórias. O apoio e a solidariedade foram fundamentais para a forçar o governo a comprar a fazenda Peba e parte da fazenda Lameirão, além de entregar cestas básicas e sementes para o plantio, dando-se, assim, as primeiras conquistas do MST no Estado (LIMA, 2013, p. 397).

É com a finalidade de consolidação do MST no estado que a organização do movimento designa dirigentes da região Sul para Alagoas, como também Sergipe, para a ajuda de sua implantação. É a partir desses precedentes que o movimento se consolida em nosso estado, gestado no Alto Sertão alagoano.

Frisamos “no e a partir do Sertão alagoano”, haja vista ser consenso entre os diversos sujeitos(as) entrevistados(as) para este estudo, que participaram dos processos da primeira ocupação de terra em Alagoas, a convergência na afirmação de que foi a partir desse espaço que se irradiou a luta, posteriormente, especializando-se a resistência camponesa e a conquista de assentamentos rurais nas duas outras mesorregiões desse estado: o Agreste e o Leste.

Cosme (2019) ainda pontua que:

O campesinato em Alagoas, através das organizações e movimentos sociais do campo, passa a se articular desde o início da constituição do MST. Sem necessitar pedir licença a quem quer que fosse, o campesinato alagoano, dando mais um passo à frente, enquanto classe social, foi forjando suas estratégias rebeldes para a arena da luta de classes. A luta pela terra, que sempre esteve presente ao longo da formação territorial alagoana, agora se materializa na bandeira da reforma agrária com o nascimento do MST no estado (COSME, 2019, p. 226).

Fazendo essa breve exposição dos principais movimentos camponeses em nosso estado, e de como se deu suas territorializações, faremos uma análise da consolidação desses movimentos, materializada em dois assentamentos estudados nesse trabalho: o acampamento São Francisco – CPT; e o acampamento Maria Eleonora – MST.

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