• Nenhum resultado encontrado

Movimentos socioterritoriais e luta por reforma agrária: o desafio dos acampamentos São Francisco - CPT e Maria Eleonora - MST na busca por terra e água no alto sertão alagoano

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Movimentos socioterritoriais e luta por reforma agrária: o desafio dos acampamentos São Francisco - CPT e Maria Eleonora - MST na busca por terra e água no alto sertão alagoano"

Copied!
67
0
0

Texto

(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CAMPUS DO SERTÃO LICENCIATURA EM GEOGRAFIA. EDUARDO NEÓRIO LIMA. MOVIMENTOS SOCIOTERRITORIAIS E LUTA POR REFORMA AGRÁRIA: O desafio dos acampamentos São Francisco – CPT e Maria Eleonora – MST na busca por terra e água no Alto Sertão alagoano. Delmiro Gouveia, 2020.

(2) EDUARDO NEÓRIO LIMA. MOVIMENTOS SOCIOTERRITORIAIS E LUTA POR REFORMA AGRÁRIA: O desafio dos acampamentos São Francisco – CPT e Maria Eleonora – MST na busca por terra e água no Alto Sertão alagoano. Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado ao curso de Licenciatura em Geografia da Universidade Federal de Alagoas – Campus do Sertão, como requisito para obtenção de graduação em Licenciatura em Geografia . Orientador: Prof. Dr. Lucas Gama Lima. Delmiro Gouveia, 2020.

(3) Catalogação na fonte Universidade Federal de Alagoas Biblioteca do Campus Sertão Sede Delmiro Gouveia Bibliotecária responsável: Renata Oliveira de Souza CRB-4/2209 C331m Lima, Eduardo Neório Movimentos socioterritoriais e luta por reforma agrária: o desafio dos acampamentos São Francisco – CPT e Maria Eleonora – MST na busca por terra e água no alto sertão alagoano / Eduardo Neório Lima. - 2020. 67 f. : il. Orientação: Prof. Dr. Lucas Gama Lima. Monografia (Licenciatura em Geografia) – Universidade Federal de Alagoas. Curso de Geografia. Delmiro Gouveia, 2020.. 1. Reforma agrária. 2. Movimentos socioterritoriais. 3. Território. 4. Alto sertão – Alagoas. I. Lima, Lucas Gama. II. Universidade Federal de Alagoas. III. Título. CDU: 911.37.

(4)

(5) A Deus, minha família, a meus amigos... a todos os trabalhadores e trabalhadoras... e todas as pessoas envolvidas para a realização deste trabalho..

(6) AGRADECIMENTOS. Primeiramente agradecer a Deus por ter me dado condições físicas, psicológicas, e ter concedido graça na vida. A minha mãe e irmãos, por ter sido minha base e sempre acreditarem no meu potencial. A meus amigos que de forma direta ou indireta estiveram ao meu lado, incentivando e mostrando caminhos a se seguir. A todos os professores que compõem o curso de Licenciatura em Geografia do Campus do Sertão. Ao OBELLUTE e GEPAR, onde aprendi e pude dar início a minhas produções acadêmicas. Ao meu orientador Prof. Dr. Lucas Gama Lima, por estar ao meu lado e ter sido responsável por me iniciar nas produções acadêmicas. A banca examinadora que dividiram comigo esse momento tão importante e esperado: Prof.ª Dr.ª Suana Medeiros Silva e o Prof. Dr. Eltern Campina Vale. A todos os trabalhadores e trabalhadoras do campo, pois estes são minha fonte de inspiração para a realização desse trabalho. E meus sinceros agradecimentos a todas as pessoas que fizeram parte dessa jornada no curso de Geografia..

(7) RESUMO. A questão agrária brasileira é marcada pela alta concentração de terras nas mãos de poucas pessoas.. Esse. quadro. é. evidenciado. desde. o processo de. colonização até. a. contemporaneidade. A bandeira da reforma agrária é uma das principais reivindicações dos movimentos socioterritoriais em busca de soluções para essa questão. Mesmo com o avanço do capital no campo, o campesinato se recria e as lutas no campo demostram sua resistência. Este trabalho tem como objetivo geral analisar a luta por terra e água dos movimentos socioterritoriais do Alto Sertão alagoano, a partir do contexto dos acampamentos São Francisco – CPT, em Pariconha – AL, e Maria Eleonora – MST, em Delmiro Gouveia – AL. Para que fosse possível a realização da presente investigação, foram realizados trabalhos de campo nos dois acampamentos e entrevistas com lideranças e famílias dos movimentos. O trabalho foi organizado a partir de uma revisão bibliográfica sobre a questão agrária e a contrarreforma agrária no Brasil, além de uma reflexão sobre o conceito de movimentos socioterritoriais, em que foi veiculado o contexto do surgimento da CPT e do MST no Alto Sertão alagoano.. Palavras-chave: questão agrária; movimentos socioterritoriais; contrarreforma agrária..

(8) ABSTRACT. The agrarian question in brazil is marked by a high degree of concentration of land in the hands of a small number of people. This is evident from the process of colonization to the presente. The flagship of the land reform is one of the main ways of dealing with the movements of socioterritoriais in search of a solution to this issue. Even with the development of the capital and in the coutryside, and the peasantry is recreated, and the struggles on the field, demonstrating the strength of the people, a peasant. This work has the general objective of review: the struggle for land, water and the movement socioterritoriais in the semi-arid region of Alagoas, from the contexto of the camps, the São Francisco – CPT, in Pariconha – AL, end Maria Eleonora – MST, in the Delmiro Gouveia – AL. To make it possible for the construction of the work was carried out in the field and in the two camps, and interviews with community leaders and families of the movement. The work was organized starting from a review of the literature on the agrarian question and the contrarreforma land in Brazil, as a reflection on the concept of motion socioterritoriais, in which it has been presented in the contexto of the emergence of the CPT and the MST in the semi-arid region of Alagoas.. Key words: agrarian question; the movements socioterritoriais; contrarreforma land..

(9) LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 01 - Localização do acampamento São Francisco – CPT.............................................46 Figura 02 - Casas do acampamento São Francisco – CPT.......................................................50 Figura 03 - Produções agrícolas do acampamento São Francisco – CPT.................................52 Figura 04 - Localização do acampamento Maria Eleonora – MST..........................................53 Figura 05 - Produção agrícola do acampamento Maria Eleonora – MST................................57.

(10) LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS. CEB’s. Comunidades Eclesiais de Base. CNBB. Congregação Nacional dos Bispos do Brasil. CODEVASF. Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba. CPT. Comissão Pastoral da Terra. INCRA. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. ITERAL. Instituto de Terras e Reforma Agrária de Alagoas. MRAM. Modelo de Reforma Agrária de Mercado. MST. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. PCB. Partido Comunista do Brasil. PIN. Programa de Integração Regional. PNDA. Plano Nacional de Defensivos Agrícolas. POLAMAZÔNIA. Programa de Polos Agropecuários e Agrominerais na Amazônia. POLONORDESTE. Programas de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste. PROTERRA. Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste. PT. Partido dos Trabalhadores. SEMARH. Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos. SUPRA. Superintendência Regional de Políticas Agrárias.

(11) SUMÁRIO. INTRODUÇÃO .....................................................................................................................12 1- QUESTÃO AGRÁRIA E CONTRARREFORMA AGRÁRIA NO BRASIL..............14 1.1- Notas sobre a formação territorial brasileira.....................................................................14 1.2- Fim de trabalho escravo e a Lei de terras..........................................................................18 1.3- Campesinato e seu desdobramento no Brasil....................................................................22 1.4- Reforma e Contrarreforma agrária.....................................................................................27 1.4.1- As lutas por terra e por reforma agrária no Brasil..........................................................30 1.4.2- As políticas de reforma agrária ao longo do século XX.................................................32 2- MOVIMENTOS SOCIOTERRITORIAIS E A LUTA POR TERRA E ÁGUA NO ALTO. SERTÃO. DE. ALAGOAS. ...................................................................................................................................................36 2.1 Trabalhando o conceito de Movimentos Socioterritoriais..................................................36 2.2 Processo de ocupação do sertão alagoano..........................................................................38 2.3 Movimentos socioterritoriais: CPT e MST no Sertão de Alagoas......................................41 2.4 Acampamento São Francisco – CPT .................................................................................46 2.5 Acampamento Maria Eleonora – MST ..............................................................................53 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................59 REFERÊNCIAS .....................................................................................................................61 APÊNDICES............................................................................................................................65.

(12) 12. INTRODUÇÃO. A questão agrária brasileira é uma problemática que há muito tempo vem sendo discutida. A formação territorial do Brasil tem como marca fundante a distribuição desigual das terras, processo que se iniciou com a colonização e que se estende até a presente data. Em face desse quadro fundiário desigual, a formação territorial brasileira também se confunde com as lutas e os conflitos no campo. Posteriormente, movimentos socioterritoriais fizeram frente e levantaram a bandeira da reforma agrária para que houvesse justiça ao povo camponês. No Alto Sertão alagoano, a CPT e o MST são a materialização desses movimentos socioterritoriais e a prova da resistência dos camponeses frente ao avanço do capital no campo. Apesar das diferenças em relação ao Leste alagoano, o Sertão de Alagoas também é marcado por sua má distribuição de terras (sobretudo, pela existência de latifúndios e predominância de minifúndios), apropriação privada da água pelos coronéis e ataques aos camponeses e povos tradicionais (LIMA et al, 2018). Essa marca característica do Alto Sertão alagoano foi a motivação para a construção desse trabalho, com a finalidade de evidenciar e dar visibilidade à questão agraria no Sertão de Alagoas. A referida pesquisa tem como objetivo geral analisar a luta por terra e água dos movimentos socioterritoriais do Alto Sertão alagoano a partir do contexto dos acampamentos São Francisco – CPT, em Pariconha – AL, e o acampamento Maria Eleonora – MST, em Delmiro Gouveia – AL. O trabalho está organizado a partir da problemática encontrada sobre a questão agrária e os seus desdobramentos no Alto Sertão alagoano. O acampamento São Francisco – CPT é fruto da luta de camponeses alagoanos. Seu processo de ocupação teve início em abril de 2018. A terra ocupada possui 15 hectares e atualmente comporta 23 famílias acampadas. Já o acampamento Maria Eleonora – MST é fruto da luta de camponeses alagoanos que teve seu início em 2007. A terra ocupada possui 72 hectares e atualmente comporta 45 famílias acampadas. Os dois acampamentos estão localizados as margens do Canal do Sertão. O acampamento São Francisco – CPT tem aproximadamente dois anos de existência. Por ainda ser recente, os camponeses ainda estão em organização para construir estruturas que garantam um maior conforto para as famílias acampadas. Os mesmos estão na busca pela conquista da terra para se tornarem assentados, lutando pela reforma agrária. A água é outro.

(13) 13. elemento de busca por reforma agrária, pois o Canal do Sertão passa por dentro das terras ocupadas. Salientamos que a possível legalização do uso das águas do Canal os deixará mais refém do Estado, tendo em vista que os camponeses não possuem o título das terras, motivo pelo qual não podem usufruir do acesso à água do Canal. O acampamento Maria Eleonora – MST reivindica a conquista da terra há a mais de 12 anos. Os camponeses acampados vivem recentemente momentos de tensão na busca pela terra. Eles têm recebido liminares de despejo. O proprietário da terra, incansavelmente, tem ido até a justiça em busca da desapropriação dos acampados, resultando em vários desconfortos ao acampamento. A água também é bandeira de luta do acampamento. Não diferente do acampamento São Francisco – CPT, eles também enfrentam a problemática do uso da água, pois as outorgas que estão sendo liberadas não estão contemplando os acampamentos, justamente por não terem o título da terra. O presente estudo resulta de uma revisão bibliográfica aliada à pesquisa de campo. Os dados e as informações primárias decorreram de questionário semiestruturado, aplicado junto aos acampados e suas lideranças. Ao total três camponeses de cada acampamento foram entrevistados entre os meses de novembro e dezembro de 2019 e janeiro de 2020. Os dados secundários foram extraídos de órgãos oficiais como INCRA e IBGE. O trabalho se vale de autores da Geografia e de outros ramos das ciências humanas que foram fundamentais para o aporte teórico. O trabalho foi estruturado em dois capítulos. No primeiro capítulo, intitulado “Questão agrária e contrarreforma agrária no Brasil”, buscamos realizar a discussão acerca da formação territorial do Brasil, apontando como o fim do trabalho escravo e a Lei de Terras favoreceram para a concretização da propriedade privada da terra. Discutiremos o conceito de campesinato e o modo de vida campesino, a questão agrária brasileira e a origem do campesinato no Brasil. E abordaremos a questão da reforma agrária e a contrarreforma agrária ao longo do século XX. No segundo e último capítulo, intitulado “Movimentos socioterritoriais e a luta por terra e água no alto Sertão de Alagoas”, trataremos a respeito dos movimentos socioterritoriais, fazendo uma breve abordagem da utilização do conceito. Analisaremos o processo de ocupação do Sertão alagoano e o surgimento dos movimentos socioterritoriais: CPT e MST, no estado. Por fim, a partir da pesquisa empírica, abordaremos os desafios dos acampamentos São Francisco – CPT e Maria Eleonora – MST na busca por terra e água no Alto Sertão de Alagoas..

(14) 14. 1 – QUESTÃO AGRÁRIA E CONTRARREFORMA AGRÁRIA NO BRASIL Buscaremos tratar sobre a rica discussão acerca da invasão colonial sobre as terras dos povos originários, bem como se deram as lutas para o enfrentamento a usurpação dessas terras. No primeiro momento faremos uma abordagem de como as terras dos povos originários vieram sendo ocupadas, buscando teóricos que abordam a temática, discutindo e analisando como foi a gênese do processo de ocupação territorial no Brasil. Seguindo a discussão, observaremos como essa divisão se estruturou no decorrer do tempo, e como o fim da escravidão e a Lei de Terras de 1850 tiveram relação intrínseca na estratégia de exclusão do camponês no campo, normatizando a questão agrária no Brasil. Faremos uma breve abordagem do conceito de camponês e posteriormente veremos como se deu a origem do campesinato no Brasil ao longo da formação territorial brasileira, observaremos os primórdios das ligas camponesas e de como as mesmas se originam em busca de uma reforma agrária, por fim, faremos uma análise de como o Estado tem atuado em favor da contrarreforma agraria no Brasil.. 1.1 – Notas sobre a formação territorial brasileira O processo de colonização da Abya Yala1 teve sua origem impulsionada pelo interesse europeu de expansão de suas atividades econômicas, aguçada pelo capitalismo comercial, o que os levou a buscar novos produtos e novas áreas a serem exploradas. A invasão ocorreu no século XVI, em 1500. Pensar o processo histórico de formação territorial no Brasil nos faz refletir sobre o Tratado de Tordesilhas (1494)2. Esse acordo visava a uma divisão das terras descobertas para a exploração, onde havia uma negociação entre Espanha e Portugal, em um acordo que delimitou o domínio para a exploração (MORAES, 2011). Os europeus ao chegarem no continente não encontraram terras ociosas, nas terras da Abya Yala existiam povos tradicionais que mantinham línguas, hábitos alimentares e 1. Abya Yala, na língua do povo Kuna, significa Terra madura, Terra Viva ou Terra em florescimento e é sinônimo de América. Abya Yala vem sendo usado como uma autodesignação dos povos originários do continente como contraponto a América, objetivando construir um sentimento de unidade e pertencimento. Abya Yala configura-se, portanto, como parte de um processo de construção político-identitário relevante de descolonização do pensamento e que tem caracterizado o novo ciclo do movimento dos povos originários. (Disponível em: http://www.iela.ufsc.br/povos-origin%C3%A1rios/abya-yala). 2 O meridiano traçado a 370 léguas (1.770 Km) a oeste das Ilhas de Cabo Verde, as terras a leste deste meridiano pertenceriam a Portugal, a oeste, à Espanha. O meridiano de 46° 37’ de longitude oeste e com o nome “Tordesilhas” é o marco divisor da descoberta do Brasil. No início, uma área de 2,5 milhões de Km² aproximadamente para o Brasil (MOTA, 1973)..

(15) 15. tradições religiosas distintas, constituindo uma enorme diversidade cultural. De acordo com Stedile:. Os portugueses que aqui chegaram e invadiram nosso território, em 1500, o fizeram financiado pelo nascente capitalismo comercial europeu, e se apoderaram do território por sua supremacia econômica e militar, impondo leis e vontades políticas da monarquia portuguesa. No processo da invasão, como a História registra, adotaram duas táticas de dominação: cooptação e repressão. E, assim, conseguiram dominar todo o território e submetes os povos que aqui viviam ao seu modo de produção, às suas leis e à cultura (STEDILE, 2005. p. 19).. Vivenciava-se nesse período uma fase do capitalismo comercial/mercantil, que tinha a necessidade da realização de grandes navegações, em busca de metais preciosos. Com a invasão dos europeus, e a égide do capitalismo mercantil, a apropriação dos bens da natureza caracterizava o período histórico já dominante na Europa (STEDILE, 2005). No Brasil a busca pelos metais preciosos no primeiro momento não foi possível, não se encontrou esses metais e nem uma população já desenvolvida, onde existisse ferro, ouro etc., a vida material era pobre e todo atrativo encontrado estava na exuberante natureza. Dessa maneira, Moraes (2011, p.58) ressalta que: “Muito mais central para os objetivos almejados é a constatação de Luís Felipe Barreto: o Brasil é uma zona de esquecimento do Quinhentismo português”. Ainda de acordo com Moraes (2011, p. 58). Na verdade, esse novo território não oferecia atrativos imediatos visíveis para o conquistador lusitano. Não havia os estoques metálicos entesourados, como a América hispânica. Também não havia os lucrativos produtos e a animada rede de comércio encontrada no Índico. As populações com que se defrontaram os portugueses – independente das polêmicas acerca de sua densidade – eram demasiado rudes em face mesmo dos africanos com quem eles entabulavam relações. A vida material existente era pobre, todo atrativo das novas terras repousando na exuberante natureza e na desconhecida hinterlândia.. Apesar de o Brasil não possuir as características necessárias que eles procuravam, não deixou de ser ocupado. Em 1506, as terras brasileiras voltam a ser invadidas e ocupadas pelos europeus. Segundo Moraes (2011, p. 58 – 59):. Se por um lado não havia atrativos para uma rápida ocupação, por outro o domínio do maior número de possessões era intrínseco a lógica imperial. Qualquer terra descoberta deveria ser incorporada, pois seu controle abria a possibilidade para o conhecimento e exploração futuros..

(16) 16. A ocupação portuguesa das terras que hoje compõem o território brasileiro restringiase a uma parte da faixa litorânea, onde primeiramente se desenvolveu intensa exploração do pau-brasil, madeira abundante nessa região e muito valorizada no mercado europeu, tudo que era encontrado virava mercadoria (STEDILE, 2005). Com um vasto território, a Coroa portuguesa precisava desenvolver mecanismos que viessem garantir sua ocupação no Brasil. Desse modo, 12 capitanias hereditárias foram formadas como estratégia de uma saída viável e barata para apressar a instalação do que seria o Brasil. Moraes (2011, p. 62) explica que:. O intuito geopolítico da implantação do sistema de capitanias no Brasil (como tantas outras práticas aqui exercidas também trazido da experiência da colonização das ilhas atlânticas) transparece claramente na relação estabelecida entre o rei e o donatário, onde este é definido como o ocupante da terra por graça real, terra que nesse sentido não sai do domínio do soberano.. Com a concessão das terras para os donatários (vale lembrar que os donatários tinham apenas a posse das terras, sendo elas ainda pertencentes à Coroa), ele, por sua vez, concedia a terra aos agricultores, para suas produções agrícolas. As capitanias não podem ser confundidas com um feudo, pois as mesmas resultavam de um cordo entre o rei o os donatários, e assim as mesmas tinham um regime para-estatal (MORAES, 2011). Moraes (2011, p. 63) ainda pontua que:. Para o donatário a efetivação da mercê recebida passava necessariamente pela criação de uma estrutura produtiva em sua possessão. Nas condições reinantes, a implantação de lavouras de gêneros tropicais se impunha como modelo geral de instalação. Novamente era a experiência insular que balizava o caminho, apontando a grande lucratividade do plantio da cana-de-açúcar.. Nesse período as terras ainda não eram mercadorias, o que havia era uma concessão de uso da terra para os donatários, essas terras eram proibidas de serem vendidas, onde sua sucessão era passada para os herdeiros, os fazendeiros capitalistas. Stédile (2005) ao tratar sobre a questão agrária no período de 1500 a 1850 afirma que:. Em relação à propriedade da terra, a forma adotada pelos europeus foi a do monopólio da propriedade de todo o território pela monarquia, pela Coroa. Assim, o.

(17) 17. fato de a propriedade de todo o território ter sido exclusiva da Coroa, não havendo propriedade privada, determina que a propriedade da terra não era capitalista. Porém, para implantar o modelo agroexportador e estimular os capitalistas a investirem seu capital na produção das mercadorias necessárias para a exportação, a Coroa optou pela “concessão de uso” com direito à herança. Então, utilizando diversos critérios políticos e sociológicos, a Coroa entrega, a capitalistascolonizadores que dispunham de capital, enormes extensões de terra – que eram medidas em léguas, em geral delimitadas por grandes acidentes geográficos. Assim, os capitalistas-colonizadores eram estimulados a investir seu capital no Brasil para a produção de alguma mercadoria para a exportação, com a Coroa garantindo a posse de imensas extensões de terra para tal finalidade. O critério fundamental para a seleção dos eleitos pela “concessão de uso” de terras era – muito além do que simples favores a fidalgos próximos – a disponibilidade de capital e o compromisso de produzir na colônia mercadorias a serem exportadas para ao mercado europeu (Ibid, p. 21-22).. A forma como a terra foi apropriada pelos europeus ocorreu através do monopólio, onde todo o território pertencia à monarquia. Assim, se explica como a Coroa tinha o uso exclusivo da terra, isso determinava que a propriedade da terra não era capitalista e nem privada. Com a efetivação das capitanias hereditárias, onde os donatários começaram a fazer uso da terra para uma lucratividade no mercado externo, começou a se desenvolver as grandes plantações baseadas no monocultivo. Essas plantações caracterizaram um modelo de produção que no país foi nomeado de, plantation.. O que caracterizava a plantation? É a forma de organizar a produção agrícola em grandes fazendas e áreas contínua, com a prática monocultura, ou seja, com a plantação de um único produto, destinado à exportação, seja de cana-de-açúcar, cacau, o algodão, gado etc., com o emprego de mão de obra escrava. (STEDILE, 2005, p. 21). A divisão territorial passa por outro processo que repartia as capitanias hereditárias, essas divisões foram as sesmarias, a distribuição tinha o objetivo de cultivar as terras virgens cedidas pela Coroa aos seus beneficiários. A origem das sesmarias esteve relacionada com as terras comunais existentes no reino português e com a forma de distribuição delas entre os habitantes das comunidades rurais. O objetivo de entrega das sesmarias era lavrar terrenos incultos. No caso da América com a colonização portuguesa, as sesmarias, além de pretender criar as condições para o cultivo das novas terras conquistadas, buscavam ainda povoar o novo território. As sesmarias tinham uso em procedimentos legais legados pela tradição, essa norma jurídica constituiu-se como o principal meio de promoção da colonização para um melhor aproveitamento do vasto território (GARCIA, 1958)..

(18) 18. Indígenas e negros trazidos do continente africano foram a principal mão-de-obra escrava para os trabalhos nas lavouras de cana-de-açúcar, os colonos que ao continente chegavam, utilizavam desses povos para a reprodução do capital. Os camponeses que habitavam o território brasileiro têm suas bases ancoradas nesses povos. Conforme (ORIGUÉLA E PEREIRA, 2017 apud PAULINO, 2012, p.5) no “período colonial o campesinato era um sujeito social precário, que circulava constantemente pelo território nacional e se reproduzia a partir da posse de terras que não estavam inseridas na lógica de apropriação das sesmarias”.. 1.2 – Fim do trabalho escravo e a Lei de terras A escravidão no Brasil tem seu início no século XVI, devido à expansão das lavouras de cana-de-açúcar, que se concentrou majoritariamente na faixa litorânea. A produção de açúcar foi a principal atividade econômica desse período e suas forças produtivas tinham que ser elevadas, tendo em vista a alta demanda por aquele produto em solo europeu. Os povos indígenas e negros formaram a mão de obra escrava do Brasil. Os indígenas, povos que aqui já habitavam, foram os primeiros a serem escravizados justamente por ser o único grupo disponível em grande quantidade para os portugueses, gradativamente essa mão de obra foi substituída pelos negros trazidos do continente africano. A transição ocorreu porque os indígenas não formaram uma mão de obra que suprisse as necessidades das lavouras, os mesmos não aceitaram a escravidão. Primeiro, havia uma questão cultural, pois os indígenas não estavam acostumados com uma rotina de trabalho que visasse à produção de excedentes, já que sua cultura de trabalho era a de subsistência. Além disso, há o fato de que o trabalho na lavoura, na visão dos grupos indígenas, era um trabalho realizado pelas mulheres (SCHWERTZ, 2018). Por serem conhecedores da mata, conseguiam adentrar e se manter mais afastados, longe das lavouras, e dificilmente eram encontrados. A substituição do indígena pelo africano está diretamente relacionada com a necessidade contínua por trabalhadores escravizados e com a diminuição da disponibilidade dos indígenas. Os negros tiveram que ser trazidos do continente africano que, por sua vez, já vinham em navios negreiros aprisionados e em péssimas condições de salubridade, em razão das quais muitos ainda morriam no percurso. A escravidão de indígenas foi totalmente substituída pela de africanos no século XVIII..

(19) 19. A escravidão brasileira atravessou uma crise. Alguns fatores, tanto internos quanto externos, vão proporcionar o fim da escravidão. Internamente, foi relevante a ação de grupos abolicionistas provenientes de diversas camadas da sociedade. Estes grupos favoráveis à abolição eram divididos entre os emancipacionistas, que visavam uma abolição lenta e gradual; e os abolicionistas que defendiam o fim imediato da relação do trabalho escravo. Para além da ação desses grupos, observa-se também a resistência dos próprios escravos, visto que os mesmos já não demonstravam passividade e resistiam das mais variadas formas à dominação (PRADO JR., 2008). Dentre os fatores externos, observou-se que desde que o rei D. João saiu de Portugal para o Brasil, com a proteção da esquadra inglesa, seu governo ficou dependente da Inglaterra e os comerciantes ingleses se tornaram um grupo influente e poderoso. Como o Brasil passava por problemas econômicos, começou a se preocupar em diminuir as importações e produzir aqui diversos produtos. Isso não interessava à Inglaterra, que estava em pleno desenvolvimento industrial e precisava de consumidores. Além disso, as colônias inglesas produziam açúcar, e o Brasil concorria com uma grande produção açucareira movida pela mão de obra escrava. Essa situação não agradava a Inglaterra que controlavam Portugal e, consequentemente, o Brasil por meio de tratados políticos. Para os ingleses, se houvessem poucos escravos no Brasil a produção de açúcar entraria em decadência, e se os trabalhadores recebessem pelo seu trabalho, mais pessoas teriam dinheiro para comprar as mercadorias produzidas pelas máquinas inglesas. Logo, a decisão da Inglaterra de se opor ao tráfico de escravos foi mais causa de interesses econômicos de que por qualquer outro motivo (PRADO JR., 2008). Com essas pressões sendo exercidas, o Brasil passa por um processo de decadência da escravidão e do tráfico de negros. Isso reflete em severas críticas nos diferentes setores da opinião pública. Com a Independência do Brasil, no ano de 1822, a Inglaterra transferiu suas atenções de Portugal para o Brasil e notificou que a independência seria reconhecida somente se o tráfico negreiro fosse extinto. E assim surgiu uma série de leis que eram feitas, para efeito de concordância com os ingleses, mas não eram cumpridas. A sociedade brasileira não aceitava o término da escravidão, porque a estrutura política e econômica do Brasil dependia dos escravos. Caio Prado Júnior afirma que:. É que realmente a escravidão constituía ainda a mola mestra da vida do país. Nela repousam todas as suas atividades econômicas; e não havia aparentemente substituto possível. Efetivamente, é preciso reconhecer que as condições da época ainda não.

(20) 20. estavam maduras para a abolição imediata do trabalho servil. A posição escravista reforçar-se-á aliás depois da independência, com a ascensão ao poder e a direção política do novo Estado, da classe mais diretamente interessada na conservação do regime: os proprietários rurais que se tornam sob o império a força política e socialmente dominadora. (PRADO JR., 2008, p. 143). Além desses setores sociais existentes à época, a população negra no Brasil já era grande, cerca de um terço da população era negra e mesmo com essa quantidade de negros no país, os mesmos não conseguiam se organizar para um enfrentamento à escravidão e serem protagonistas na transição do trabalho servil para o trabalho livre. Eles terão apenas uma tímida participação. Conforme (PRADO JR., 2008, p. 142):. Acompanharão por vezes a luta, participarão debilmente de alguns movimentos, despertando aliás com isso grande terror nas demais camadas da população. Mas não assumirão por via de regra uma posição definida, nem sua ação terá uma continuidade e envergadura. Isso se deve sobretudo ao tráfico africano, que despejando continuamente no país (e nessa época em grandes proporções) novas e novas levas de africanos de baixo nível cultural, ignorantes ainda de língua e inteiramente desambientados, neutralizavam a ação dos escravos já radicados no país e por isso mais capazes de atitudes políticas coerente. É preciso levar em conta também a divisão reinante entre grupos de escravos oriundos de nações africanas distintas e muitas vezes hostis umas às outras; coisa de que a administração pública e os senhores sempre cuidaram muito, procurando impedir a formação de aglomerações homogêneas.. Mesmo com essa fragilidade na participação efetiva dos negros em favor da sua liberdade, a presença dessa grande massa de escravos era capaz de causar momentos de grande agitação e convulsão social, esses abalos vão refletindo sobre os vários setores da opinião pública e a escravidão vai rapidamente perdendo sua base moral (PRADO JR., 2008). Com a Inglaterra vivendo uma ascensão industrial e se vendo na necessidade de abolir a escravidão e com isso o trabalho livre entrar em vigor, a Inglaterra, no ano de 1845, se utilizou da Lei Aberdeen3, em que o tráfico podia ser proibido pela força, enviando seus navios para a costa brasileira. Desrespeitando as águas territoriais do Brasil, os navios ingleses capturavam e afundavam os navios negreiros. Mesmo com esta ação inglesa, o tráfico se manteve. A maneira encontrada para o cumprimento da abolição do tráfico no país foi a ameaça, feita pelos ingleses, de envio de navios de guerra aos portos brasileiros. Prado Júnior 3. Foi um ato do Parlamento do Reino Unido, promulgado em 8 de agosto de 1845, que autorizava os britânicos a prender qualquer navio suspeito de transportar escravos no Oceânico Atlântico..

(21) 21. (2008, p. 145) pontua que: “Aproveitando a ascendência que então gozava com o soberano, a diplomacia britânica empenhar-se-á a fundo em obter a extinção do comércio escravo.” Com a proibição efetiva do tráfico negreiro, Prado Jr. (2008, p. 144) ainda afirma que: “de forma geral, é exato afirmar-se que a população escrava, sem o reforço permanente do tráfico, vai sempre em declínio. Já era essa aliás a opinião corrente na época; e ela se verificará efetivamente depois de 1850, quando é extinta a importação de africanos.” No que se diz respeito a escravidão, a campanha abolicionista aos poucos começou a ganhar terreno. Jornalistas, políticos e escritores uniram-se na luta para a liberação dos escravos. Até mesmo alguns fazendeiros moveram-se a favor do movimento abolicionista, visto que a única forma de obter escravos era comprar cativos do Nordeste, em face da decadência dos senhores de engenho, e o que se pagava por um escravo daria para pagar dez anos de salário a um trabalhador livre (PRADO JR., 2008). Além de o escravo, na maioria das vezes, não aguentar mais que dez anos de trabalho. Com o fim do tráfico negreiro, os escravos que restaram no país eram mandados para as regiões onde houvesse uma lavoura lucrativa. Portanto, a região Sudeste, onde o café estava em expansão, era o lugar mais interessante. Desse modo, havia um tráfico interno, transferindo os escravos de uma região para outra. Mas, a população de escravos foi diminuindo gradualmente e os donos continuavam a maltratá-la (PRADO JR., 2008). É importante frisar e dar ênfase a esses fatos porque eles nos chamam atenção para o que estava sendo tramado por trás de todos esses acontecimentos. A Coroa, ao se ver encurralada pela pressão que a Inglaterra exercia pela abolição do tráfico negreiro, teve que tomar providencias para ainda poder manter o controle e a dominação sobre os escravos. Vale se atentar às datas históricas dos fatos ocorridos. Em 1850 foi quando o Brasil se viu na obrigação de ter que acabar com o tráfico negreiro, porém a escravidão só viria ser “oficialmente abolida” com a Lei Áurea em 1888 (documento que representou a libertação dos escravos, mas não assegurou a sua incorporação como cidadão pleno à sociedade brasileira). Tendo em vista que já se existia um interesse das oligarquias escravocratas e uma grande corrente na sociedade para o fim da escravidão, era fato notório que o fim do tráfico negreiro constituía apenas o primeiro passo para posteriormente vir a abolição da escravidão. Com o fim da escravidão os negros estariam livres, observa-se a transição do trabalho escravo para o trabalho livre. Mas, o que fazer com os escravos? Como já era iminente o fim da escravidão, adotou-se uma estratégia: no mesmo ano foi criada a Lei de Terras, Lei nº 601, de.

(22) 22. 1850, que constituiu num marco jurídico de preparação para a crise da escravidão que já se alastrava pelo país. Stedile ao tratar sobre a Lei de Terras pontua que:. O que caracterizava a Lei nº 601, de 1850?* Sua característica principal é, pela primeira vez, implantar no Brasil a propriedade privada da terra. Ou seja, a lei proporciona fundamento jurídico à transformação da terra – que é um bem da natureza e, portanto, não tem valor, do ponto de vista da economia política – em mercadoria, em objeto de negócio, passando, portanto, a ter preço. A lei normatizou, então, a propriedade privada da terra. Uma segunda característica estabelecia que qualquer cidadão brasileiro poderia se transformar em proprietário privado de terras. Poderia transformar sua concessão de uso em propriedade privada, com direito à venda e a compra. Mas, para isso, deveria comprar, portanto, pagar determinado valor a Coroa (STEDILE, 2005, p. 22-23).. Dadas as condições da mencionada lei, era fato que os ex-escravos não teriam condições de saírem dos engenhos para exercerem seu papel de cidadão como trabalhadores livre. As terras, na vigência dessa lei, teriam que ser compradas, a propriedade da terra já tinha sido estabelecida, os ex-escravos por não possuírem nenhum bem ou recurso para efetivar a compra da terra, se viam em uma situação de encurralamento, tendo que retornar as grandes lavouras (PRADO JR., 2008). A Lei de Terras foi o grande marco no Brasil para a questão agrária, pois, a partir da data de sua promulgação, foi efetivada a normatização da grande propriedade de terra, ou seja, regulamentou-se a questão fundiária em nosso país. Em concordância com Stedile (2005, p. 23): A Lei nº 601 de 1850, foi então o batistério do latifúndio no Brasil. Ela regulamentou e consolidou o modelo da grande propriedade rural, que é a base legal, até os dias atuais, para a estrutura injusta da propriedade de terras no Brasil.. 1.3 – Campesinato e seu desdobramento no Brasil O entendimento sobre o camponês exige que nos debrucemos nas reflexões epistemológicas sobre o campesinato. Observa-se que uma economia camponesa se diferencia das demais categorias de trabalho, difere do sistema capitalista de produção, pois sua economia se faz pelo trabalho familiar, não existe a busca pela mais-valia, e os mesmos são detentores dos seus meios de produção..

(23) 23. Devemos observar que o campesinato é uma classe que vive em uma sociedade capitalista, porém em constante contradição e conflito com essa (OLIVEIRA, 2007). Mesmo vivendo em meio a uma modernização agrícola que o exige ainda mais um papel de resistência e luta, o povo camponês precisa continuar resistindo e criando possibilidades para sua reprodução. Com o avanço do capital no campo a classe campesina começou a apresentar algumas alterações em seu modo de reprodução. Com isso, paradigmas surgiram e teóricos que abordam a temática suscitaram duas grandes teses, onde uma entende que o campesinato, com o avanço do capital, iria se desintegrar, e outra, que apontava a recriação do campesinato em face do avanço do capital. Almeida (2006, p. 69) relaciona três autores, Kautsky 4, Lenin5 e Chayanov6, que expõem o debate sobre o campesinato:. [...] os estudos de Kautsky e Lenin se desenvolveram no sentido da oposição à teoria da reprodução do trabalho familiar camponês, fundamentados na concepção de que o desenvolvimento capitalista não poderia comportar outras classes além da burguesia e do proletariado e que, portanto, a descamponização era uma consequência necessária e inevitável para que o capitalismo pudesse se desenvolver via mercado e divisão de trabalho, abrindo caminho para a revolução socialista.. Diferente de Kautsky e Lenin, Chayanov desenvolve outra tese. Almeida (2006, p. 71) ainda pontua que:. Chayanov procura desvendar o cálculo camponês, alicerçado na teoria do balanço trabalho-consumo, a fim de apreender a racionalidade camponesa e diferenciá-la do comportamento capitalista. Propunha, assim, a convivência e, portanto, a permanência camponesa de forma insular à lógica capitalista de reprodução e homogeneização das relações sociais rumo à acumulação.. Para uma melhor compreensão sobre a discussão da classe campesina, faz-se necessário adentrar nos fundamentos dos autores aqui abordados, entender como esse avanço no modo de produção capitalista tem afetado a vida camponesa, analisando e vendo como esse desdobramento tem se dado na atualidade do debate sobre a questão agrária no Brasil. 4. Karl Kautsky: Economista, historiador e social-democrata alemão, nascido em Praga, em 16 de outubro de 1854. Um dos dirigentes da social-democrada alemã e da II Internacional. 5 Vladimir Lenin: Revolucionário comunista, político e teórico político russo, foi chefe de governo da República Russa de 1917 a 1918, da República Socialista Federativa Soviética da Rússia de 1918 a 1922 e da União Soviética de 1922 a 1924. 6 Alexander Vasilievich Chayanov: Teórico russo, economista agrário pesquisador do trabalho camponês..

(24) 24. A unidade campesina, segundo Chayanov (1981), é uma unidade que foge ao modo de produção capitalista, pois as categorias preço e capital ainda se encontram fora do seu sistema conceitual.. Mesmo se, dentre todos os sistemas econômicos possíveis que não possuem essa categoria, escolhemos um no qual a troca e o crédito (e com eles as categorias preço e capital) estejam presentes (por exemplo, o sistema de unidades de trabalho familiar camponesa e artesanal, unidades economicamente por processos monetários e de trocas), verificaremos que a estrutura de tal economia ainda se encontra fora dos sistemas conceituais de uma ciência econômica adaptada à sociedade capitalista. (CHAYANOV, 1981, p. 137). Almeida (2006) argumenta que Chayanov para explicar a reprodução campesina se utilizou da Teoria da Diferenciação demográfica, as observações feitas mostram que a produção campesina se contrai ou se amplia de acordo com a necessidade do número de consumidores e não de trabalhadores, este é um ponto central para sua interpretação. A análise de Lenin sobre o avanço do capital, em especial na Rússia, observa que o campesinato formaria três classes, uma burguesia rural, uma classe média camponesa, que seria uma camada de transição e o campesinato pobre, esta última formaria um proletariado rural. Posteriormente, Lenin passa a enxergar o campesinato por outra ótica, a ideia da desintegração do campesinato é dissolvida e o mesmo passa a considerar a resistência do campesinato, ocorrendo até modificações nos programas de seu partido, Shanin (2005, p. 7) explica que:. [...] a própria abordagem de Lênin sobre o campesinato passou por uma mudança consistente, embora lenta. Já por volta de 1907, ele declarava ter claro exagero em suas primeiras conclusões sobre a natureza capitalista da agricultura russa, no período de hegemonia de Plekhanov na Social-Democracia russa. Lênin foi além (embora mais implicitamente) na aceitação da permanência de traços camponeses. Esta mudança subjaz e explica as modificações dos programas do partido em 1917, 1921 e foi mais firmemente expressa nos últimos momentos de vida de Lênin. Com efeito, o simples fato de o “programa agrário” de seu partido ter sido cancelado já significava que a análise de 1896-1898, diretamente relacionada a ele, não podia ser sustentada. O livro, porém, jamais foi reescrito. Foi canonizado junto com o autor.. Observando a exposição dos teóricos, bem como o modo de reprodução campesina, percebe-se que a ideia de desintegração do campesinato é incompatível a essa lógica. O objetivo da reprodução campesina parte de uma lógica onde a garantia de sua manutenção seja seu elemento principal, isso os torna diferentes dos capitalistas rurais. Essa ideia vai de.

(25) 25. encontro com a tese da proletarização do camponês e põe em evidência a possibilidade da reprodução campesina. O campesinato, segundo Shanin (2005), é uma classe que mesmo com esse avanço do capital, não perderá sua essência, porém trará uma nova dinâmica de produção e reprodução, na qual o mesmo se recriará de modo distinto. Para Almeida (2006, p.74) “Chayanov esclarece que a família camponesa visa unicamente à maneira mais fácil de satisfazer as suas necessidades em consonância com o gasto da força de trabalho”. Entende-se que enquanto o capitalista investe o tempo todo em função de obter receitas maiores, os camponeses visam unicamente o bem-estar econômico familiar. Kautsky expõe que a expansão do capitalismo no campo contribuirá para uma desintegração campesina.. Mas à medida que progride a evolução econômica e política, as necessidades pecuniárias do pequeno camponês aumentam. O Estado e a comuna cada vez mais avançam sobre a sua bolsa. Quanto mais se vê compelido a ganhar dinheiro, tanto mais deve dedicar-se a um trabalho acessório, em detrimento de sua agricultura. O salariato leva a mulher empregada na indústria a negligenciar, mas não a abandonar inteiramente os cuidados domésticos. O mesmo acontece com o pequeno camponês assalariado ou que trabalha em sua casa para um capitalista. A sua exploração agrícola se torna cada vez mais irracional. Ela se torna, pouco a pouco, excessiva para ele, que se vê forçado a restringi-la (KAUTSKY, 1980. p. 101).. No que se refere ao debate entre os estudos de Chayanov e Kautsky, Almeida (2006, p. 81) expõe:. [...] as ideias do pai-patrão, do sobretrabalho, da autoexploração, da ociosidade, da migração pendular, consideradas por Chayanov como estratégias de reprodução, são, para Kautsky, formas bárbaras de sobrevivências a retardar o desenvolvimento do capitalismo centrado no avanço das forças produtivas como o caminho necessário na busca do acirramento das contradições.. O camponês possui um modo de vida ligado a sua reprodução familiar, visando seu bem estar, portanto, de acordo com Chayanov, essa é uma unidade que foge ao modo de produção capitalista, essa ideia quebra a tese de Kautsky, onde o campesinato não iria sobreviver ao avanço do capital no campo, bem como seria incapaz de lidar com a modernização da agricultura. Entendendo o conceito de camponês, tendo como base autores clássicos que aqui foram abordados, faremos uma análise de como essa classe surgiu em nosso país..

(26) 26. Como abordado anteriormente, afirmamos que o campesinato brasileiro tem estreita relação com o período de colonização. Os povos que foram dominados em nosso território, indígenas e negros, formam a classe campesina do Brasil. Manuel Correia de Andrade (2004) ao observar como esses sujeitos campesinos viviam no período colonial pontua que:. Estes agricultores, que seriam o gérmen de um campesinato no Nordeste, compreendiam os lavradores de cana, os que moíam nos engenhos, mediante um percentual na produção, e os foreiros que viviam em áreas mais distantes da sede do engenho, cultivando lavouras de subsistência, sobretudo a mandioca, para o sustento familiar e para a venda, pagando ao proprietário da terra o uso do “sítio”, seja com dias de trabalho, seja com aluguel em dinheiro, chamados geralmente de foro. (ANDRADE, 2004. p. 69). No período colonial, em meio a um modelo agroexportador, existia um campesinato colonial que Andrade (2004) chamou de gérmen do campesinato. O mesmo ainda chama atenção para as atividades agrícolas camponesas desenvolvidas por escravos fugidos dos cativeiros que, se organizaram em quilombos, elaborando roças para suprir as necessidades da população concentrada. Atenta também para os imigrantes de agricultores europeus que se localizaram no Sudeste e Sul do país com a fundação de colônias suíças e alemãs, inicialmente. Ainda vale se atentar aos escritos de Andrade (2004) no que diz respeito às diferenças entre os imigrantes que vinham ser proprietários e os que vinham para serem utilizados nos cafezais, bem como suprir a mão de obra escrava. Embora com características diferentes, todos contribuíram para a formação do campesinato brasileiro. Como apresentado anteriormente, a Lei de Terras nº 601 de 1850 foi o batistério do latifúndio brasileiro Stedile (2005). Com a regulamentação fundiária, a classe campesina foi privada do acesso às terras, ficando de mão atadas, tendo que trabalhar nas grandes lavouras. Em 1888, com o fim da escravidão, por meio da Lei Áurea, muitos trabalhadores passaram a migrar para as cidades, pois eram impedidos de se reproduzirem enquanto camponeses, devido à vigência da Lei de Terras. Ao se dirigirem para as cidades, foram impedidos pela mesma lei de ocuparem os melhores terrenos, a única saída era ocupar os morros e manguezais que não tinha interesse pelos capitalistas, sendo assim, Stedile (2005, p. 24) conclui que: “tiveram início as favelas. A lei de terras é a mãe das favelas nas cidades brasileiras”. O campesinato brasileiro tem sua formação com base no conflito, expropriação, luta e resistência. O campo brasileiro foi palco desses conflitos. Desde o período colonial já se.

(27) 27. existia um modelo fundiário presente, plantation, e uma posse da terra que estava ligada ao direito de herança. No Brasil império, com a Coroa legalizando a propriedade da terra, e por fim, a Lei Áurea entrando em vigor, revoltas populares (que já tinham suas bases nos movimentos contra a escravidão) e movimentos de luta pela terra e direito aos camponeses, entram em ascensão dando origem a associações, ligas, bem como organização da classe camponesa.. 1.4 – Reforma e Contrarreforma agrária A reforma agrária é um projeto criado para reparar os danos de uma má distribuição de terras, distribuição essa que teve seu início desigual desde as capitanias hereditárias no período colonial. Ela surge como uma forma de reparar os danos e proporcionar uma redistribuição de terras justa entre os camponeses. No século XX a reforma agrária apareceu nos países em desenvolvimento como uma forma política para frearem os movimentos revolucionários que tinha em seu objetivo a revolução socialista (OLIVEIRA, 2007). De acordo com Ariovaldo Umbelino de Oliveira (2007, p. 68).. A reforma agrária constitui-se, portanto, em um conjunto de ações governamentais realizada pelos países capitalistas visando modificar a estrutura fundiária de uma região ou de um país todo. Ela é feita através de mudanças na distribuição da propriedade e ou posse da terra e da renda com vista a assegurar melhorias nos ganhos sociais, políticos, culturais, técnicos, econômicos (crescimento da produção agrícola) e de reordenação do território. Este conjunto de atos do governo deriva de ações coordenadas, resultantes de um programa mais ou menos elaborado e que geralmente, exprime um conjunto de decisões governamentais ou a doutrina de um texto legal.. Um dos elementos históricos da concentração fundiária brasileira é a manutenção do rentismo fundiário, juntamente com a ausência de política de reforma agrária efetiva, superexploração do trabalho e trabalho degradante, grilagem de terras, degradação socioambiental e lutas de resistência dos trabalhadores (RAMOS FILHO, 2013). Observa-se que “nas últimas décadas foram incorporados novos elementos; como o agronegócio baseado na agricultura de precisão, sementes transgênicas, biotecnologias e, mais recentemente, a expansão da produção da agroenergia” (RAMOS FILHO, 2013, p. 83)..

(28) 28. Foi a partir da Segunda Grande que a modernização na agricultura se deu. Vendo uma grande oportunidade de investimento de capital, empresas começam a fazer investimentos para um “melhoramento” das sementes, onde a justificativa era aumentar a produtividade no campo, e com isso, sanar a fome no mundo. Empresas químicas que abasteciam a indústria bélica norte-americana passaram a investir na agricultura, produzindo e incentivando o uso de agrotóxicos, por meio dos quais herbicidas fungicidas, inseticidas e fertilizantes químicos começaram ser utilizados na tentativa de inibir fungos, insetos, ervas daninhas (ROSA, 1998). Este processo foi denominado de Revolução Verde, um modelo que está baseado numa agricultura químico-dependente (BOMBARDI, 2011). Na década de 1970, impulsionado pelo Plano Nacional de Defensivos Agrícolas (PNDA) esse modelo “modernizador” chega ao Brasil, onde sua introdução determinou esse uso com uma velocidade de forma desregulada (AUGUSTO, 2003). Esse é um fato que hoje está presente na agricultura brasileira e na contemporaneidade, atingindo a classe campesina. O século XX tem se caracterizado como a era da reforma agrária, diversos países, impulsionados por uma série de fatores de ordem demográfica, econômica, social e política, tiveram em suas políticas a reforma agrária. Para Cosme (2016) a reforma agrária não tem sido um instrumento que garanta uma redistribuição de terra justa. Segundo Ramos Filho (2013, p. 83):. A questão agrária é produto do desenvolvimento desigual, contraditório e combinado do capitalismo. Refere-se ao conjunto de problemas relacionados com o desenvolvimento da agropecuária e das lutas dos trabalhadores e está presente na totalidade das dinâmicas sociais (Fernandes, 2001; Ramos Filho e Fernandes, 2006). O desenvolvimento do capitalismo é desigual, porque no seu processo de expansão, ao mesmo tempo em que se reproduz ampliadamente criando a riqueza, gera, em proporções ainda maiores, a pobreza e a miséria: contraditório, porque ao mesmo tempo destrói o que lhe impede o desenvolvimento recria o que destruiu sobre novas bases para garantir sua reprodução ampliada; combinado, porque desenvolve os dois processos anteriores concomitantemente.. Observando o campo brasileiro desde o período colonial, as terras que foram ocupadas e exploradas pelos portugueses deixaram marcas profundas de desigualdade em sua distribuição. A expansão do capital no campo se materializa de forma contraditória, desigual e combinada (OLIVEIRA, 2007). Ariovaldo Umbelino de Oliveira, segundo Cosme (2013, p. 4):.

(29) 29. A reflexão deste autor tem grande influência nos estudos de uma relevante vertente da Geografia Agrária no Brasil, sendo o caminho trilhado por Ariovaldo Umbelino de Oliveira (2001a, 2001b, 2007). Este autor defende que o desenvolvimento capitalista no campo do país é por si contraditório, desigual e combinado, onde avança sujeitando a renda da terra ao capital. Para ele, a propriedade privada capitalista da terra funciona ora como reserva de valor, ora como reserva patrimonial.. A modernização do campo é parte do processo de expansão do capital. Esse crescimento desigual e combinado tem levado à monopolização no campo e/ou à desterritorialização dos camponeses. O processo de industrialização da agricultura tem posto em evidência a agroindústria (OLIVEIRA, 2007). O capital sujeita o trabalho que se dá no campo e tem se implantado desde a produção até a circulação.. Nesse caso, quando submete o camponês aos seus ditames, está sujeitando a renda da terra ao capital. Está convertendo a renda da terra embutida no produto produzido pelo camponês e sua família em capital. Está se apropriando da renda sem ser o proprietário da terra. Está produzindo o capital pela via não especificamente capitalista (OLIVEIRA, 2007, p. 32).. Como forma de reparação desses danos e discrepância da estrutura fundiária, a reforma agrária se faz necessária a garantir a democratização da terra. Ariovaldo Umbelino de Oliveira (2007) ressalta que para a implantação da reforma agrária se faz necessário duas políticas fundamentais, a política fundiária e a política agrícola. A política fundiária está relacionada a um conjunto de princípios que diferentes países definiram como aceitáveis ou justo para o processo de apropriação privada da terra. Desta maneira os países podem adotarem limites máximo, mínimo ou nenhum para o tamanho da propriedade.. Na política fundiária, está incluído também, o conjunto de legislação que estipulam os tributos incidentes sobre a propriedade privada da terra; as legislações especiais que regulam seus usos e jurisdições de exercício de poder, e programas de financiamentos para a aquisição de terra (OLIVEIRA, 2007, p.71).. A política agrícola se refere ao conjunto de ações do governo visando implantar nos assentamentos de reforma agrária a assistência social, técnica, de fomento e de estímulo à produção, comercialização, beneficiamento e industrialização dos produtos agropecuários. E.

(30) 30. nessas ações ainda estão inclusas educação e saúde públicas, assistência técnica, financeira, creditícia e de seguros, programas de garantia de preços mínimos e demais subsídios, eletrificação rural e outras obras de infraestrutura, construção de moradias e demais instalações necessárias (OLIVEIRA, 2007). Para Oliveira (2007), essas duas formas de política formam os pilares para a realização da reforma agrária.. 1.4.1 – As lutas por terra e por reforma agrária no Brasil O processo histórico de formação do campesinato no Brasil, processo esse que se deu atrelado ao sistema agrário/agrícola latifundista, exige a uma análise minuciosa dos conflitos no campo e de como essas lutas por terra se deram. Sendo assim, Martins (1986) se vale de suas análises para mostrar que os camponeses, nesse processo histórico, sempre foram excluídos dos pactos políticos, e isso é o fato que cercará o entendimento de sua ação política (MARTINS, 1986). Debruçando-nos sobre as leituras deste autor, percebemos que “antes, o fundamento da dominação e da exploração era o escravo; agora passa a ser a terra” (MARTINS, 1986, p. 63). Com o avanço do capital no campo, a terra passa a ser mercadoria, tida como forma de acumulação de capital. Partindo dessa compreensão, os camponeses, sujeitos que isolados dos pactos políticos e historicamente segregados do direito à terra, passaram a se organizar e fazer frente a concentração fundiária. Martins (1986) expõe que historicamente camponeses tem se articulado pelo direito a terra, a exemplo dessas lutas o autor menciona a Guerra de Canudos, Guerra de Contestado e o Cangaço, todas elas formando acontecimentos e revoltas dos camponeses em busca do seu território e o direito à terra. As guerrilhas também foram frente de revolução de camponeses em luta pela terra. “Desde 1946, 1500 famílias de posseiros, se organizavam em guerrilhas em resistência ao Estado para tomar as terras devolutas” (MARTINS, 1986, p. 73). Outra forma de organização entre camponeses surgiu logo após a democratização do país depois da ditadura do presidente Getúlio Vargas. O surgimento das Ligas Camponesas foi um dos primeiros movimentos sociais de camponeses no Brasil. O movimento tem sua gênese com o Partido Comunista Brasileiro – PCB em 1940. Em 1960 foram reorganizadas em uma outra estrutura, sem receber influência do PCB. Mesmo com essa mudança as Ligas ainda mantinham um forte discurso sobre a questão agrária brasileira. As Ligas tinham.

(31) 31. representações de vários grupos de trabalhadores do campo, sejam eles meeiros, pequenos proprietários, camponeses, todos ligados à pequena produção e comercialização de excedentes. Os conflitos no campo se deram em lutas pela terra e, posteriormente, se deram as lutas por reforma agrária. Nesse sentido, Fernandes (2014, p. 2) expõe que:. Portanto, é fundamental distinguir a luta pela terra da luta por reforma agrária. Primeiro, porque a luta pela terra sempre aconteceu, com ou sem projetos de reforma agrária. Segundo, porque a luta pela terra é feita pelos trabalhadores e na luta pela reforma agrária participam diferentes instituições.. As duas lutas para o autor são indissociáveis, porém uma acontece independente da outra, por isso, a análise da diferenciação dessas duas lutas se faz necessário para entendermos o debate sobre reforma agrária. Ainda segundo Fernandes (2014, p. 2): “a luta pela reforma agrária é uma luta mais ampla, que envolve toda a sociedade. A luta pela terra é mais específica, desenvolvida pelos sujeitos interessados. A luta pela reforma agrária contém a luta pela terra. A luta pela terra promove a luta por reforma agrária.” Ariovaldo Umbelino, segundo Cosme (2016), explica que: “no Brasil, o desenvolvimento contraditório do capital rentista, tanto expropria como abre possibilidades para os camponeses retornarem à terra, estes sujeitos também lutam para entrar e permanecer nela. Mesmo expulsos, eles resistem e continuam a marchar em busca da terra.” (COSME, 2016, p. 5). Essa luta por entrada e permanência no território tem se dado de maneira estratégica. Segundo (RAMOS FILHO, 2013, p. 88):. Os trabalhadores têm utilizado diversas ações de resistência aos processos de subordinação, expropriação e exclusão, tais como o trabalho de base, a ocupação de terras, a construção de acampamentos, a conquista de assentamentos, a realização de marchas bloqueio de rodovias, a destruição de canteiros de pesquisas de corporações transnacionais, a destruição de cultivos transgênicos etc. A ocupação de terras permanece, na atualidade, como a principal metodologia de luta e pressão popular, que envolve sujeitos do campo e das cidades, para conquistar os assentamentos de reforma agrária (RAMOS FILHO, 2013, p. 88).. É através dessas lutas que camponeses tem se movimentado e ido atrás de uma reforma agrária, fazendo pressão para que a redistribuição das terras continue na pauta política do Estado. Segundo Fernandes (2010) apud Cosme (2016, p. 6): “o acesso à terra é.

(32) 32. condição essencial para o campesinato, pois é nesta que os camponeses asseguram seu meio de existência, constroem sua identidade e reproduzem seu trabalho familiar”.. 1.4.2 – As políticas de reforma agrária ao longo do século XX No decorrer da luta por reforma agrária no Brasil, várias leis e planos foram desenvolvidos a fim de se concretizar a redefinição da propriedade das terras a exemplo do Estatuto da Terra de 1964, I Plano Nacional de Reforma Agrária de 1985, Constituição de 1988, Lei Agrária de 1993, e do II Plano Nacional de Reforma Agraria, em 2003. As constituições brasileiras (1946, 1969, 1988) sempre apresentaram fragilidades em suas diretrizes. Mesmo passando por reformulações, a constituição atual não prevê uma reforma agrária que supra as necessidades de uma redistribuição de terra justa para os trabalhadores rurais (STEDILE, 2013). A questão agrária é pauta que atravessa governos, pois face ao estágio de desenvolvimento capitalista em uma sociedade, possui dinâmicas sociais próprias, portanto, possui distintas temporalidades (RAMOS FILHO, 2013). Analisando essas temporalidades, observaremos a partir de agora como se deu a pauta da reforma agrária brasileira em seus diferentes governos. Em 1962 foi criada a Superintendência Regional de política Agrária – SUPRA, com o objetivo de promover a reforma agrária no Brasil. Porém, só no governo de João Goulart, em 13 de março de 1964, que o presidente por meio do Decreto 53.700/64, instituiu a desapropriação das terras em um raio de 10 quilômetros dos eixos das rodovias e ferrovias, terras da União, em obras de irrigação, drenagem e açudagem, o presidente reivindicava ao Congresso Nacional prioridade máxima à reforma agrária. João Goulart solicitou ao parlamento a supressão da palavra “prévia” e “dinheiro” no § 16, artigo 141 da Constituição Federal de 1946 (RAMOS FILHO, 2013). A Lei estabelecia o direito a propriedade, porém seria desapropriada por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro. Após o golpe militar em 1964, no início do primeiro mandato ditatorial, o governo de Castelo Branco aprovou no Congresso Nacional uma lei de reforma agrária que entrava em discordância com a proposta por Goulart. Mesmo tendo em seu conteúdo um teor progressista no campo, essa lei foi uma estratégia para tornar pouco perceptível o discurso da reforma agrária. A não aplicação da lei se deu devido às mesmas oligarquias que influenciaram o.

Referências

Documentos relacionados

This tissue equivalent phantom has a removable skull vertex that provides access to a rectangular brain cavity that receives interchangeable quality assurance

Do que foi possível observar neste trabalho, surge, assim, não só a necessidade, evidente, de alargar o corpus explorado, tornando-o quantitativa e qualitativamente

En ambos cuentos, “El espejo” y “Detectives”, existe una tensión narrativa que va más allá de los conflictos que presenta la trama y que se parece más a la sensación latente

Parece-nos irrefutável que, na esfera das relações sociais, nos encontramos diuturnamente diante de situações nas quais a dignidade de uma determinada pessoa (e até

No entanto, essa constatação ainda não é suficiente para que se caracterize a prática como ensino reflexivo, pois, para isso, é preciso a adoção de uma

Jahrhunderts: „Denn sozial gelesen, so kann man sich noch immer sehr lebhaft vorstellen, war dieser Roman, als ihn Graciliano Ramos 1938, in einem Land der krassen

Fatores como velocidade de variação de potencial, pH da solução do eletrólito suporte e concentração do analito presente em solução foram analisados em relação ao melhor sinal

59 O modelo de avaliação de fornecedores, foi muito apreciado pela forma simples e direta análise dos fornecedores, com base nos indicadores de desempenho que a empresa já coletava