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2 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

2.1 Acento e prosódia

2.1.2 Acento gráfico

De acordo com o dicionário Houaiss, o termo “diacrítico’’ é conceituado como “sinal gráfico que se acrescenta a uma letra para conferir-lhe novo valor fonético e/ou fonológico”. Na definição de Luft (2012, p.79):

Diacríticos são sinais a que se atribuem às letras ou a grupos de letras um valor fonológico particular. Os diacríticos usados em português são: o acento agudo, o grave e o circunflexo, til, hífen, cedilha e o trema (empregado apenas em derivados de nomes próprios estrangeiros).

Os diacríticos são, portanto, sinais gráficos diferentes das letras, em geral utilizados para indicar sons diferentes daqueles representados pelas letras simples do alfabeto. Estes podem ser usados acima (å), abaixo (ę) ou através das letras (ɫ) e, dependendo da ortografia de cada língua, assumem funções diferentes. Entre as línguas que utilizam o alfabeto latino11, as eslavas são as que mais apresentam casos

de letras com diferentes diacríticos. No quadro 03 estão exemplificados alguns destes sinais:

acento grave ` cedilha ¸

acento agudo ´ gancho ̉

acento circunflexo

^ gancho polaco

̜

acento mácron ̄ anel ̊

acento bráquia ̆ til ~

caron ̌ trema ¨

Quadro 03 – Exemplos de sinais diacríticos Fonte: Coulmas (1999)

Considerando o fato de que os sinais diacríticos representam informações relativas a alterações ou distinções de ordem fonética ou fonológica, sua manutenção nos sistemas ortográficos deve ser preservada, uma vez que estes sinais facilitam a leitura e a compreensão das palavras, principalmente aos aprendizes da leitura e da escrita. As origens históricas e a evolução das ortografias são responsáveis pela

11 O alfabeto latino, empregado na escrita do português, tem origem indo-européia, e é considerado o alfabeto mais utilizado no mundo. (BAGNO, 2011)

manutenção e utilização dos diacríticos em cada língua. Enquanto o tcheco, por exemplo, utiliza vários diacríticos (ě, č, d’, ň, ř, ů, ť, ý, š) o inglês não utiliza nenhum (BAGNO, 2011). Do ponto de vista estético, as escritas mais “poluídas visualmente” poderiam sugerir a ideia de que as ortografias que utilizam vários diacríticos fossem mais opacas, ao passo que as escritas sem estes sinais fossem mais transparentes, o que de fato não ocorre12.

Na ortografia do português brasileiro, os diacríticos utilizados são o til, a cedilha e os acentos grave, agudo e circunflexo. O til, que não é considerado um acento gráfico, é utilizado para indicar nasalização, podendo ser grafado sobre as letras ‘a’ ou ‘o’: mãe, coração, tobogã, compõe, emoções, balões.

A cedilha é acrescentada à letra ‘c’ para indicar o fonema /s/. Em outras línguas ela é usada em letras diferentes: ģ, ķ, ļ, ņ (indica palatalização destas consoantes, em letão), em romeno, o ‘t’ cedilhado (Ţ, ţ) representa /ts/, enquanto a letra ş indica o fonema /ʃ/. No português, o ‘c’ cedilhado ocorre somente no interior das palavras e diante de ‘a’, ‘o’ e ‘u’: ‘açúcar’, ‘cabeça’, ‘caroço’. A manutenção do ‘c’ cedilhado na ortografia do português é importante porque pode resguardar sua origem etimológica.

Segundo Luft (1991, p.275, grifos do autor), “o acento grave é exclusivo no a para indicar que vale por dois”. O fenômeno da crase é resultante da contração de duas vogais iguais ou semelhantes. Desse modo, na nossa ortografia, o acento grave agrega estritamente uma informação gramatical, marcando a crase - fusão da preposição ‘a’ ao artigo ‘a’-, sem configurar alterações fonéticas ou fonológicas: ‘à’, ‘àquela’, ‘àquilo’, por exemplo. Luft (op.cit.) ressalta, também, a função desambiguadora do acento grave: ‘pintar à mão’ x ‘pintar a mão’, ‘recebeu à pedrada’ x ‘recebeu a pedrada’.

Os acentos gráficos, agudo e circunflexo, objetos de análise neste trabalho, apresentam, na ortografia do português, a função de marcadores de tonicidade.

O acento agudo é predominante, podendo ser grafado sobre todas as letras que correspondem às vogais (a,e,i,o,u). Já o circunflexo ocorre com menor frequência,

12 Tomando-se como exemplo a oposição entre as ortografias do inglês e do finlandês, em que a primeira é considerada mais opaca e a segunda, mais transparente, verifica-se que não é o uso de diacríticos que torna a escrita mais distante dos sons da língua, pois o finlandês, cuja escrita “poluída” emprega de forma recorrente o trema nas letras ‘a’ (ä, para representar o fonema /ɛ/) e ‘o’ (ö, indicando o fonema /õ/), apresenta conversões regulares entre fonemas e grafemas, o que caracteriza um sistema ortográfico regular tanto na escrita quanto na leitura. Já o inglês, embora apresente uma ortografia “limpa” em relação ao uso de diacríticos, é considerada “opaca, irregular e inconsistente”. (SOARES, 2016, p.104-105)

sendo grafado somente na vogais ‘a’, ‘e’ e ‘o’. De acordo com Luft (1991, p.275): “O acento comum é o agudo [...] O acento circunflexo se usa em e e o fechados e no a nasal [...] Na terminação -em, -ens, entretanto, usamos o acento agudo”.

A diferença entre os acentos, agudo e circunflexo, se dá somente pela indicação de timbre: aberto para o agudo, fechado para o circunflexo. Como não há alternância de timbre para /i/ e /u/, nestas vogais somente o acento agudo é utilizado. Para melhor visualização, seguem alguns exemplos de palavras acentuadas graficamente:

Grafema/Vogal

proparoxítonas paroxítonas oxítonas

agudo circunflexo agudo circunflexo agudo circunflexo ‘a’ - /a/; /aN/ ábaco lâmpada caráter câncer maracujá ---

‘e’ - /ɛ/; /e/ cérebro gênero fértil tênis candomblé buquê

‘i’ - /i/ físico --- níquel --- --- ---

‘o’ - /o/; /ɔ/ prótese cômodo pólen cônsul cipó maiô

‘u’ - /u/ túmulo --- açúcar --- --- ---

Quadro 04 – Exemplos de palavras acentuadas graficamente classificadas por tonicidade, tipo de acento e qualidade da vogal

Fonte: Elaboração própria

Conforme apresentado na seção anterior, nosso sistema de acentuação gráfica refere-se à marcação de tonicidade, sendo, por conseguinte, relacionado ao funcionamento do acento prosódico, uma vez que a necessidade de grafar o acento só existe quando há uma exceção à tendência natural da língua. O acento gráfico também é utilizado quando há um pé degenerado, como nos monossílabos tônicos, ‘pé’, ‘já’, ‘pó’ e ‘mês’ por exemplo. Desse modo, pode-se afirmar que, diante da estrutura prosódica da língua, observa-se que, subjacente à grafia do acento, existe uma motivação que a justifica, isto é, uma relação entre o acento gráfico e o acento prosódico que acaba por revelar a relação ortografia-fonologia. Essa relação pode ser observada nos exemplos em (13), onde o acento gráfico altera o formato prosódico:

(13) sopa® (so.pa) ® ( * .) ® paroxítona sofá ® (so.fá) ® (. *) ® oxítona

fabrica ® (fa.bri.ca) ® ( . * .) ® paroxítona