• Nenhum resultado encontrado

4 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

4.3 A grafia do acento nos dados de escrita controlada: o ditado de imagens e as hipóteses infantis

4.3.1 Dados de escrita

4.3.1.3 Grafia na sílaba inadequada

No grupo de dados classificados como grafia na sílaba inadequada foram incluídas as palavras em que o acento foi grafado, porém em sílaba diferente da tônica. Os dados em que o acento foi grafado dessa forma somam apenas seis47 ocorrências, sendo que em duas delas houve também a troca do tipo de acento. Na tabela 26 constam os exemplos das grafias produzidas desse modo pelas crianças:

Tabela 26 – Exemplos de ocorrências de grafia do acento na sílaba inadequada

Exemplo Ocorrências

‘tenís’ para ‘tênis’ 01

‘sófa’ para ‘sofá’ 01

‘virús’ para ‘vírus’ 02 ‘autômovel’ para ‘automóvel’ 01

‘tunéu’ para ‘túnel’ 01

total 06

Fonte: Elaboração própria

Esses dados, ainda que em pouca quantidade, remetem àqueles encontrados em Ney (2012) e àqueles extraídos dos textos espontâneos, nos quais as crianças

47 Uma criança, do quinto ano, grafou ‘lapís’, porém seu traçado do ‘pingo do i’ se assemelha a um acento agudo. Durante a entrevista, não deixou claro se havia acentuado ou não, ora dizia que sim, ora negava. Optou-se, após análise de todas as palavras escritas no ditado e de suas respostas na entrevista, por considerar os tracinhos grafados como pingos do i, e não acentos, classificando os casos em questão como omissões.

também grafaram o acento, porém em sílabas diferentes das tônicas. Assim como mencionado, a explicação mais plausível para esse tipo de grafia consiste na possibilidade de a criança estar acessando seu léxico ortográfico ao escrever, entretanto, sem apoio no seu conhecimento acerca do funcionamento do acento ortográfico, lança mão da memória visual ao grafar um diacrítico que ela sabe que tem, porém o coloca em outra sílaba. Uma segunda interpretação sugere que as crianças podem ter dificuldade em identificar a sílaba tônica, grafando o acento de modo inadequado. Tais proposições encontram respaldo nas justificativas apresentadas para as referidas trocas:

‘tenís’ – Observa-se que o tipo de acento também foi alterado, até porque a

ortografia do português não prevê a incidência do acento circunflexo sobre a vogal ‘i’. Este dado foi produzido por uma criança do terceiro ano, a qual afirma, com convicção, que a sílaba mais forte é a última, que o acento deve ser grafado sobre o ‘i’ e que a forma ‘tênis’, expressa no cartão-gabarito, está errada. Sua dificuldade em perceber a sílaba tônica pode ser subsidiada pelos resultados do teste de sensibilidade ao acento prosódico, já que este sujeito obteve o desempenho mais baixo entre todas as crianças, com 25 acertos.

‘sófa’– inicialmente, a palavra foi acentuada corretamente. Depois, ainda

durante a escrita, a criança apagou e grafou o acento sobre a vogal ‘o’, revelando insegurança ao acentuar. Durante a leitura, pronunciou de modo adequado, na forma oxítona. Quando questionada sobre a sua grafia, revelou o desconhecimento sobre a função do diacrítico, como expresso no trecho a seguir:

- Eu troquei o acento nas...letras

Tu trocou o acento...e por que será?

- Porque eu achei que era ao contrário

Tu achou que era? Então, lê o teu:

- so-fá. Tá igual...

Tá igual?

- É, só muda a escrita, que eu troquei

Só muda a escrita?

- É

Tá, então tu colocou acento na palavra por quê? Quando tu escreveu a palavra, tu botou acento por quê? O que tu queria indicar com este acento?

- Não sei...

Não? Porque primeiro tu botou ali né? [sofá]

Depois tu apagou com a borracha e botou lá [sófa]. Por quê? Por que tu resolveu trocar?

- Porque eu achei que tava errado.

Tu achou que tava errado? E esse aqui, esse sofá com acento no a, tu acha que tá certo ou o teu sofá tu acha que tá certo?

- O dela [cartão-gabarito]

O dela? Por quê?

- Porque ela botou no lugar certo o acento.

Por que tu acha que esse é o lugar certo, e não o teu?

- Porque é igual o som quando a gente diz fa fe fi fo fu, fica igual...mas o acento eu não sei pra que serve...ali

Hum, então aqui nessa palavra tu não sabe pra que serve?

- Não

‘virús’ – há duas ocorrências dessa troca, ambas produzidas por crianças do

quinto ano, sendo que uma delas é a mesma que grafou ‘sófa’:

- Hum, tá igual, só mudei o acento de lugar, que nem sofá...

As motivações de grafia apresentadas pela segunda criança evidenciam o modo como a informação gráfica disponível pode agir durante o processo de escrita dos aprendizes:

Essa menina botou acento no i. Tu colocou o acento no u. Qual das duas formas tu acha que é a forma adequada de escrever vírus?

- Vírus...v...vi...

Tu achas que o acento tem que ser aonde?

- No i

No i? E tu colocou no u. Por que tu colocou no u?

- É a mesma coisa que eu falei do príncipe e do búfalo. Pra mim era vírus porque eu me lembrava que era, tipo...eu não sei por que eu boto ao contrário. Eu lembro, só que eu boto outra coisa...na prova eu acho que já fiz isso também.

A referência feita às palavras ‘príncipe’ e ‘búfalo’ consistem no fato de que ela já havia visto estas palavras com acento, porém não encontra lógica na necessidade de se acentuar, pois não sabe como o acento pode “diferenciar a palavra”, na expressão dela, querendo referir-se à mudança no timbre.

‘autômovel’ – produzido por um sujeito do quinto ano, sua justificativa baseia-

se na similaridade sonora da sílaba ‘to’ à palavra ‘vovô’. Quando faz a leitura, parece segmentar a palavra em duas partes: auto-móvel, produzindo a sílaba ‘to’ um pouco mais proeminente e com uma pausa antes de ‘móvel’. Ao ser questionado sobre a forma escrita no cartão-gabarito, afirma que a sua própria grafia é a correta.

‘tunéu’ – É possível que a criança tenha encontrado dificuldade em perceber o

formato prosódico de ‘túnel’, pois, ao ser questionada, revelou que grafou o acento na última sílaba porque pensou que era [tu’nɛw]. É possível que a palavra-alvo tenha sido confundida com ‘tonel’, item lexical também existente na língua e produzido na fala com alçamento da pretônica. Um dado que pode complementar a análise da grafia e sua respectiva justificativa é o desempenho da criança no TP: 28 acertos, sendo a segunda criança com o número mais baixo de acertos.

Em se comparando com os numerosos casos de omissão do acento, os casos de troca acima descritos, embora caracterizem erros ortográficos, atestam que ao menos o diacrítico foi grafado, ou seja, as crianças já atentaram à necessidade de grafia do acento, porém desconhecem o seu modo de funcionamento no sistema ortográfico e/ou têm dificuldades para identificar as sílabas tônicas das palavras.