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Acerca da TCT e sua aplicação em contextos de economias emergentes

2.3. CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS

2.3.2. Acerca da TCT e sua aplicação em contextos de economias emergentes

A abordagem economicista da TCT vem sendo aplicada ao complexo contexto da indústria do petróleo offshore em economias emergentes a despeito de questões de política e geopolítica que caracterizam o setor (HARVEY, 2003). Yergin (2010) conta a história do petróleo sob uma perspectiva geopolítica, mostrando como o reconhecimento do seu papel estratégico no mercado energético global influenciou guerras, suscitou transformações tecnológicas e desencadeou disputas econômicas e políticas.

Por quase um século e meio o petróleo vem trazendo à tona o melhor e o pior da nossa civilização. Vem se constituindo em privilégio e em ônus. A energia é a base da sociedade industrializada. E, entre todas as fontes de energia, o petróleo vem se mostrando a maior e mais problemática devido ao seu papel central, ao seu caráter estratégico, à sua distribuição geográfica, ao padrão recorrente de crise em seu fornecimento – e à inevitável e irresistível tentação de tomar posse de suas recompensas. Será extraordinário se chegarmos ao final deste século sem que a supremacia do petróleo seja testada ou desafiada novamente por crises políticas, tecnológicas, econômicas ou ambientais – quem sabe previstas ou até vindas de surpresa. Nada menos se pode esperar de um século que é tão profundamente moldado e afetado pelo petróleo. (YERGIN, 2010, p. 561).

De forma simplificada, os empreendimentos no setor se caracterizam por: (i) alto grau de incerteza (associadas, por exemplo, aos riscos de reservatório e ao preço do petróleo); (ii) alta complexidade tecnológica; (iii) alta especificidade dos ativos; (iv) alta escala dos investimentos; e (v) contratos complexos e de longo prazo envolvendo um grande número de atores. Tais características atribuem uma complexidade única à indústria do petróleo que torna praticamente inviável que os termos e especificações estabelecidos previamente no contrato sejam capazes de cobrir a toda e qualquer situação que possa ser vivenciada durante a sua execução, de modo que os custos de transação ex post são elevados (OLSEN, et al., 2005; CANIËLS et al., 2012). Embora tais características configurem esta indústria como um campo fértil para o estudo das interações entre as governanças contratual e relacional, há uma escassez de estudos empíricos relacionados na literatura internacional (CAO; LUMINEAU, 2015), e, principalmente, nacional.

O contexto brasileiro, assim como o de outras economias emergentes, é caracterizado por um ambiente institucional relativamente ‘instável’, no qual a velocidade de mudanças políticas, econômicas e institucionais é ‘alta’, e por fatores industriais e de mercado subdesenvolvidos (WRIGHT et al., 2005). Ao mesmo tempo, o Brasil possui traços culturais

e sociais que dificultam a análise crítica sobre as influências das instituições formais e informais nas estratégias corporativas e na governança dos relacionamentos interorganizacionais (CHU; WOOD JR., 2008; ZANINI; MIGUELES, 2009).

Peng et al. (2008) defendem a adoção da institution-based view para analisar as estratégias empresariais na área de negócios internacionais, especialmente em contextos envolvendo economias emergentes. Os autores ignoram aquelas ‘amarras ocidentalistas’ (FARIA et al. 2014) e argumentam que questões institucionais e sociopolíticas têm sido ignoradas por perspectivas dominantes na literatura de GE, como a industry-based view e a

resource-based view. Isso é parcialmente justificado por essas perspectivas terem sido criadas

nos EUA, onde foi institucionalizada pela “revolução neoliberal” (HARVEY, 2003) a ideia de existência de um contexto institucional relativamente estável e baseado no mercado livre. Entretanto, estudos recentes (GHOSHAL, 2005; GHOSHAL; MORAN, 1996) têm demonstrado que, em economias emergentes, as instituições formais e informais, comumente tomadas como as “regras do jogo” (NORTH, 1990), moldam significativamente a estratégia e o desempenho das firmas. Não surpreendentemente, tais estudos produzidos principalmente nos EUA não reconhecem que as limitações institucionais observadas no mundo em desenvolvimento – em especial nos países classificados como ‘economias emergentes’ – resultam de processos e mecanismos de dominação impostos pelo capitalismo histórico ocidentalista (FARIA et al., 2014; BERTERO et al., 2013).

Partindo do pressuposto de que as estratégicas empresariais são resultado das interações das organizações com o seu ambiente institucional, principalmente em economias emergentes, Peng et al. (2008) sugerem que as pesquisas na área de GE acerca das estratégias e desempenho das firmas devem utilizar a institution-based view em complemento às

industry- and resource-based views, formando o que eles denominam de tripé da estratégia.

Especificamente no que concerne à governança corporativa, os autores argumentam que estruturas de governança baseadas na natureza anglo-americana podem levar a resultados irrelevantes, contraproducentes e até desastrosos em economias emergentes, de modo que:

[…] it seems imperative that researchers pay more attention to the institutional antecedents and consequences of corporate governance in emerging economies, instead of simply applying the Anglo-American assumption of dispersed ownership and control, which does not coincide with the empirical realities in much of the world, especially in emerging economies. (PENG et al., 2008, p. 928).

Por outro lado, especialmente fora dos EUA, a SET e a RET costumam ser usadas para explicar os efeitos da confiança e das normas relacionais, respectivamente. Nos estudos que visam a explicar os efeitos da governança relacional no seu conceito amplo, que abrange tanto confiança quanto normas relacionais, a SET e a RET são empregadas conjuntamente. Algumas escolas costumam adotar o termo “relational contracting” como um guarda-chuva que abarca essas duas teorias (CARSON et al., 2006). As teorias relacionais criticam os pressupostos da TCT por serem a-contextualizados e subvalorizarem os aspectos sociais (GRANOVETTER, 1985; UZZI, 1997). Essas teorias postulam que a confiança entre as organizações resulta do histórico de interações favoráveis e de relacionamentos de longo prazo. Assim, à medida que interações bem-sucedidas vão se repetindo, a confiança vai sendo reforçada, o que faz com que os atores ajam de forma confiável. Essa visão é oposta à da TCT, que tem o oportunismo como elemento central.

A principal proposição da TCT é que a estrutura de governança adequada deve ser empregada para coibir o oportunismo causado pelas incertezas e especificidade de ativos e, com isso, minimizar os custos de transação. De acordo com essa teoria, uma governança contratual bem-estabelecida pode constituir um mecanismo eficaz de controle dos riscos associados à transação (supostamente introduzidos por fornecedores), a partir da definição dos papéis e responsabilidades de cada parte, tanto em ambientes estáveis quanto em ambientes de mudança – a teoria menospreza a influência de dimensões contextuais sobre a estrutura de governança.

Por outro lado, a TCT reconhece que a eficácia dos contratos é restringida por duas características fundamentais dos agentes: a racionalidade limitada e o (próprio) oportunismo. Tais características – supostamente não aplicáveis ao ‘principal’ nessas relações – impedem a redação de contratos completos ex ante, o que torna praticamente inevitável que contratos complexos não envolvam ajustes e adaptações durante a sua execução e, consequentemente, que parte importante dos custos de transação seja incorrida ex post. Tendo em vista que a necessidade de alterações contratuais abre espaço para ações oportunistas, os mecanismos de governança relacional, baseados em confiança, surgem então como salvaguarda alternativa aos contratos complexos e à integração vertical (DYER; SINGH, 1998; GRANOVETTER, 1985; UZZI, 1997). Ainda assim, sob a ótica economicista da TCT, a governança relacional tem natureza econômica, e a confiança tem natureza calculista (WILLIAMSON, 1985, 1993).

Ghoshal e Moran (1996) criticam a concepção da TCT de que a organização é apenas uma mera substituta para a estruturação de transações eficazes quando o mercado falha, tendo a função de redutora dos custos de transação. Esta visão negligencia que as organizações possuem vantagens únicas para governar certos tipos de atividades econômicas através de uma lógica que é muito diferente do mercado. Os questionamentos dos autores se concentram principalmente em dois pressupostos fundamentais da TCT: (i) a natureza humana calcada no oportunismo; e (ii) a imputação de eficiência às estruturas de governança como requisito para o sucesso em um ambiente onde as regras do jogo são predefinidas.

De acordo com a TCT, as organizações existem por causa das suas habilidades superiores para atenuarem o oportunismo humano através do exercício de controles hierárquicos que não são acessíveis ao mercado. Contudo, Ghoshal e Moran (1996) argumentam que os controles hierárquicos não necessariamente eliminam as manifestações de comportamento oportunista dentro das estruturas de governança, causando, muitas vezes, o efeito contrário. Ademais, as firmas que adotam esta prescrição de dependência exclusiva ou primária de controles racionais, baseada na perspectiva de eficiência estática da TCT, podem sacrificar seu desempenho econômico no longo prazo em troca de ganhos insustentáveis no curto prazo. A busca pela eficiência estática compromete a capacidade da organização de gerar inovações e de se adaptar às modificações no ambiente (GHOSHAL; MORAN, 1996; NOTEBOOM, 1992).

Preocupados com as implicações normativas da TCT, Ghoshal e Moran (1996) argumentam que o foco excessivo da teoria no comportamento oportunista e na criação de salvaguardas para minimizar a exposição de uma parte ao oportunismo da outra pode levar os gerentes a concentrarem seus esforços no controle do oportunismo, em detrimento da sua principal tarefa que é conduzir os negócios. Os autores sugerem ainda que os adeptos da TCT devem reconhecer o valor das relações sociais nas organizações contemporâneas e realizar modificações incrementais na sua base teórica, incorporando variáveis como a confiança [como complemento aos contratos]. Esta posição é compartilhada por Granovetter (1985), para quem a TCT, por ignorar o contexto das ações humanas, apresenta uma visão subsocializada da motivação humana e uma visão supersocializada do controle institucional.

Granovetter (1985) e Hodgson (1998) apresentam objeções ao individualismo metodológico da TCT, que toma o comportamento individual de forma exógena às instituições e organizações. Na visão dos autores, esse comportamento é parcialmente

produzido, reforçado e transmitido pelas instituições, de modo que a relação indivíduo- estrutura não pode ser integralmente compreendida examinando-se unilateralmente o indivíduo. Granovetter (1985) propõe o conceito de “embeddedness” para explicar que toda ação do indivíduo, inclusive a econômica, está imersa em uma rede de relacionamentos sociais, a qual influencia essa ação e seus resultados. Trata-se de um conceito intermediário entre duas posições extremas: uma que defende a primazia das ações econômicas sobre as relações sociais, e outra que toma as relações sociais como determinantes das ações econômicas.

Nooteboom (1992) reforça a crítica de Ghoshal e Moran (1996) ao caráter estático da TCT. O autor defende que as empresas modernas precisam se atentar cada vez mais para a eficiência dinâmica, para que seja possível explorar as transações por meio da inovação [tanto tecnológica quanto organizacional]. Tendo em vista que a inovação é dependente do conhecimento e do aprendizado, a mudança do caráter estático para o dinâmico requer o entendimento dos processos de desenvolvimento e obtenção de conhecimento.