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Acessibilidade: a difícil tradução para efetivação dos direitos

3 SERVIÇO SOCIAL E TERRITÓRIO USADO: PRODUÇÃO DO ESPAÇO E

3.4 CRAS e CREAS: desafios à efetivação dos direitos socioassistenciais

3.4.1 Acessibilidade: a difícil tradução para efetivação dos direitos

Certamente, a garantia do acesso aos serviços socioassistenciais assegurados pela Política de Assistência Social configura um dos principais desafios socioterritoriais enfrentado pela população. Como se pôde observar anteriormente, o fato de residir no campo não constitui dificuldade para que os trabalhadores que residem nas áreas rurais se desloquem até os frigoríficos sediados em municípios-pólos da região oeste, para vender sua força de trabalho, uma vez que esse deslocamento é garantido pelas empresas agroindustriais. Entretanto a mesma condição não é assegurada à mesma população, quando se trata de acessar os serviços sociais básicos existentes no âmbito municipal. Nesse sentido, a pesquisa revela a inexistência de transporte coletivo rural (público e privado) na maioria absoluta dos municípios de pequeno porte, resultando em graves problemas de acessibilidade ao conjunto

dos serviços públicos. A inexistência de transporte coletivo acaba por produzir múltiplas situações que interferem diretamente na condição de cidadania da referida população. Os relatos dos profissionais expressam a segregação socioespacial da população usuária, a qual se encontra isolada em comunidades localizadas a 30, 40, 50km no interior do município. O único transporte coletivo existente é o transporte escolar, sendo que a lei determina a exclusividade do uso deste para o transporte dos alunos. Nesses termos, avalia-se que, mesmo envolvendo um grande contingente de população que vive nessas condições e sendo o transporte coletivo uma necessidade básica essencial para haver o direito de acesso aos serviços públicos, o transporte rural sempre esteve ausente das iniciativas públicas no Brasil (VASCONCELLOS, 1997).

Diante de tal realidade, os profissionais passam a desenvolver diferentes estratégias, a fim de superar, mesmo que superficialmente e/ou transgredindo o “legalmente instituído”, os constrangimentos vivenciados pela população. Nesse sentido, destacam-se: o uso de programas das emissoras de rádio de municípios vizinhos, considerando que não são todos os municípios que possuem emissora de rádio; o envio de “bilhetes” através dos motoristas do transporte escolar; o estabelecimento de “acordos informais” com o transporte coletivo da educação, para se garantir o deslocamento de usuários que necessitam acessar algum serviço socioassistencial pré-agendado. Quanto às contradições geradas a partir da inexistência de transporte à população, quando da realização da Conferência Municipal de Assistência Social, foi exposta a situação extrema da necessidade da suspensão de dia letivo dos alunos para haver a possibilidade de se garantir o transporte coletivo para os usuários se deslocarem até o local da realização da Conferência.

As ocupações urbanas irregulares sem nenhuma infraestrutura que se vão formando por famílias que abandonam o campo e se instalam nas periferias da cidade, muitas vezes também são justificadas pela possibilidade de ser ter maior acessibilidade aos serviços de saúde, educação, assistência social. Certamente, tais relatos denunciam a precariedade e a restrição quanto à acessibilidade aos serviços públicos básicos, confirmando a afirmativa de Santos de que você é mais ou menos cidadão dependendo de onde você mora. Nas palavras do autor,

É impossível imaginar uma cidadania concreta que prescinda do componente territorial. Vimos, já, que o valor do indivíduo depende do lugar em que está e que, desse modo, a igualdade dos cidadãos supõe, para todos, uma acessibilidade semelhante aos bens e serviços, sem os quais a vida não será vivida com aquele mínimo de dignidade que se impõe. Isso significa que o arranjo territorial desses bens e serviços de que, de forma hierárquica, os lugares sejam pontos de apoio, levando em conta a densidade demográfica e econômica da área e sua fluidez (SANTOS, 2007b, p. 144).

Diante de tal construção, resta explicitar a insuficiência da decisão de implantação do Centro de Referência de Assistência Social nas sedes dos municípios de Pequeno Porte I e II para se efetivar o acesso aos serviços socioassistenciais de proteção básica. Tal constatação deve-se tanto à inexistência de transporte coletivo para a população quanto à falta de transporte para a equipe do CRAS realizar o atendimento de forma descentralizada. Assim, o que se verifica é o acesso facilitado aos serviços de proteção básica à população que reside na área urbana, nas comunidades mais próximas ao centro. O questionamento que se põe é em que medida os direitos socioassistenciais já referidos no capítulo anterior estão sendo garantidos à população usuária? Os usuários conhecem o conteúdo de seus direitos? E os profissionais conhecem? Certamente, há um longo caminho a ser percorrido para que os direitos expressos sejam efetivados, particularmente em relação aos apontados a seguir:

- Direito de equidade rural-urbana na proteção social não contributiva: Direito, do cidadão e da cidadã, de acesso às proteções básica e especial da política de assistência social, operadas de modo articulado para garantir completude de atenção, nos meios rural e urbano.

- Direito à igualdade do cidadão e cidadã de acesso à rede socioassistencial: Direito à igualdade e completude de acesso nas atenções da rede socioassistencial, direta e conveniada, sem discriminação ou tutela, com oportunidades para a construção da autonomia pessoal dentro das possibilidades e limites de cada um. - Direito do usuário à acessibilidade, qualidade e continuidade: Direito, do usuário e usuária, da rede socioassistencial, à escuta, ao acolhimento e de ser protagonista na construção de respostas dignas, claras e elucidativas, ofertadas por serviços de ação continuada, localizados próximos à sua moradia, operados por profissionais qualificados, capacitados e permanentes, em espaços com infra- estrutura adequada e acessibilidade, que garantam atendimento privativo, inclusive, para os usuários com deficiência e idosos (COUTO, 2007, grifos do autor).

Do mesmo modo, quando questionados de como se realiza o atendimento social às famílias beneficiárias do Programa Bolsa-Família residentes nas comunidades mais afastadas do centro, respondem que, em sua maioria absoluta, não acontece. Aqui se identificam de imediato dois fatores que atuam diretamente na restrição do acesso aos serviços da Política de Assistência Social à população rural. Por um lado, conforme já relatado, a dificuldade enfrentada pela população quanto à inexistência de transporte coletivo público e privado, por outro lado, a falta de condições de trabalho adequadas, especialmente o transporte para se viabilizar o deslocamento da equipe do CRAS no atendimento de forma descentralizada/itinerante. Assim, observa-se o distanciamento existente entre o direito previsto e o direito que se efetiva diante da realidade relatada. Oportunamente, expõe-se que, nas orientações técnicas de implementação do CRAS, se encontra a seguinte diretiva:

O CRAS materializa a presença do Estado no território, possibilitando a democratização do acesso aos direitos socioassistenciais e contribuindo para o

fortalecimento da cidadania. Ao eleger a territorialização como eixo estruturante do SUAS, reconhece-se que a mobilização das forças no território e a integração de políticas públicas podem potencializar iniciativas e induzir processos de desenvolvimento social. A integração de políticas, por sua vez, é potencializada pela clareza de objetivos e pela definição de diretrizes governamentais (BRASIL, 2006, p. 13).

Vale ressaltar que a retratação das fragilidades, das dificuldades e dos impedimentos advindos das diferentes dimensões que condicionam a abrangência, a qualidade e o nível de acessibilidade à rede dos direitos do SUAS deve servir especialmente para consolidar os avanços realizados até o momento, mas, acima de tudo, demonstrar os desafios a serem enfrentados com estratégias amplas e adequadas às realidades socioterritoriais, garantindo, assim, novos patamares de efetivação dos direitos sociais previstos pelo SUAS.