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3 SERVIÇO SOCIAL E TERRITÓRIO USADO: PRODUÇÃO DO ESPAÇO E

3.2 Configurações urbanas: concentração e adensamento do capital e da questão

3.2.2. Urbanização desigual e a segregação socioespacial

O direcionamento político-mercantil da produção social do espaço urbano, com ênfase para a indústria do turismo, promove o processo constante de adensamento e reorganização espacial. A unidade contraditória que move tal processo expressa a disputa, de um lado, pelo mercado imobiliário, que busca o domínio do espaço a ser remodelado, fragmentado e, posteriormente, comercializado. Por outro lado, localizam-se processos de ocupação e uso de parcelas do espaço de forma “ilegal”, realizada pela população que se encontra impedida de consumi-lo através do mercado “legal”. Desse modo, o espaço urbano, sob a lógica do mercado, caracteriza-se especialmente pela homogeneização do espaço-mercadoria. Assim, o desenvolvimento desigual da sociedade divide o território usado entre o legal e o ilegal, produzindo discrepâncias profundas quanto à infraestrutura, ao acesso ao trabalho, à renda, aos serviços públicos, enfim, à cidade. Nessa direção, os profissionais identificam a dinâmica populacional de ocupação e uso da cidade, impressa a partir da realidade social que move a população trabalhadora em busca de um lugar melhor para viver e trabalhar.

A beleza natural que é o chamariz das pessoas do interior em busca de emprego, de qualidade de vida, oportunidades, por ser uma cidade turística, como se falou, e essa busca do emprego, da saída do interior pra melhoria de vida (LF 30).

Nos atendimentos, a gente vê, eles mesmos colocam que, em Florianópolis, mesmo que não consigam emprego, ele consegue no semáforo, pedir dinheiro, panfletar, lavar o carro, então, assim, por ser uma cidade também que tem muito turista, o acesso é fácil de conseguir dinheiro, tem essa imagem que fica que, em Florianópolis, pode vim, mesmo que não consiga emprego, ele sobrevive. Ele fica um mês na rua, daqui a pouco, ela já invade um local, já constrói, em um dia, uma noite, ele constrói uma casinha e vai ficando aí, traz a família, e isso acontece muito aqui (LF 91).

Quando a Auto da Caieira começou a ser habitada, a população era considerada os lajeanos, vinham de Lajes. Hoje, no meu atendimento, eu percebo que vem o pessoal do Nordeste, é do Ceará, é da Bahia. Nas minhas kitchenettes, já não é mais o público de Santa Catarina, como eu via há 5,10 anos [...]. Hoje não, é um pessoal totalmente que vem do Nordeste, pro trabalho informal, verão, aí acaba verificando que aqui as condições de trabalho, comparadas ao nordeste, são bem melhores, e acabam ficando e traz o resto da família (LF 67).

Eles foram aterrando em direção à Lagoa e invadiram o que seria, pelo projeto do município, uma praça, um ambiente de lazer pra aquelas famílias. Assim que aconteceu, famílias sem moradia invadiram o terreno pra conseguir ter o seu espaço pra habitação, e aí, claro, de maneira toda irregular, sem estrutura nenhuma (LL 87).

Os referidos processos de segregação espacial, por certo, não se constituem em expressão particular de um determinado lugar do Brasil, antes disso, trata-se de um traço genético fundante do processo de produção do espaço sob a hegemonia do capital. Note-se

que os processos de segregação socioespacial sofridos especialmente pelas populações caboclas, explicitados, anteriormente, nos estudos de Renk, se encontram reafirmados pelos profissionais de Serviço Social vinculados aos CRASs do Município de Chapecó, sendo que os mesmos apontam o preconceito da sociedade sobre a população empobrecida que vive no Bairro São Pedro.

Têm pessoas da comunidade lá que mudam, pegam o endereço de outras, outros parentes, pra não dizer que é do São Pedro, porque, se ele disser que é do São Pedro, é discriminado, não vai arrumar trabalho. Tem estigma (OCH 133).

Criminalidade, droga, prostituição, tudo. [...] construído pela própria sociedade que acaba denominando. Porque, na verdade, o São Pedro, ele tem isso, é uma região inteira. Tu escuta no rádio lá em São Carlos, o pessoal lá do Bairro São Pedro de Chapecó... daí só falta dizer: Só podia ser mesmo de lá! (OCH 138, grifos nossos).

Ante ao exposto, evidencia-se que segregação socioespacial entre os pobres e o restante da sociedade se aprofunda, produzindo verdadeiros abismos no cotidiano da vida dessas populações “incluídas perversamente” na “cidade-mercadoria”. Por certo, a história materializada através do espaço torna-se, “[...] ela própria, estrutura em formas. E tais formas, como formas-conteúdo, influenciam o curso da história, pois elas participam da dialética global da sociedade” (SANTOS, 2008d, p. 189). Nesses termos, verifica-se que o território enquanto produção social permanece sendo construído num movimento contraditório, encharcado de lutas e resistências que se estabelecem a partir da cultura dos povos, da história herdada, dos interesses diversos. Em análise sobre o espaço enquanto estrutura da sociedade, Santos (2008d) defende a existência da “inércia dinâmica” do espaço, sendo que essa assegura não somente a tendência de reproduzir a ordem global, mas também de se impor, diante à ordem global, enquanto mediação indispensável, podendo, assim, imprimir a alteração do objetivo inicial, ou mesmo desencadear uma orientação particular. De modo especial, essa afirmativa aponta possibilidades concretas de atuação do Serviço Social na perspectiva do estabelecimento de alianças com as populações que se encontram historicamente expropriadas do direito à terra urbanizada. Nessa direção, afirma-se que o espaço se constitui em estrutura dinâmica da sociedade, em outras palavras,

Quando se consideram os processos econômicos e sociais, o espaço é, em realidade, uma dimensão dos mecanismos de transformação, da prática dos grupos sociais, de suas relações; ele contribui a produzir, reproduzir, transformar os modos de produção. O espaço é, assim, uma dimensão ativa no devir das sociedades (VIEILLE apud SANTOS, 2008d, p. 186)

Significa dizer que as desigualdades socioterritoriais com as quais se deparam os trabalhadores sociais são expressões concretas das relações sociais de classe, estabelecidas no

curso do processo de produção e reprodução social do espaço. Uma dimensão a ser considerada nesse ponto em específico refere-se ao fato de que, quanto maior a produção da segregação espacial, se intensificam também os desafios da luta pela sobrevivência, pois se constata a concentração, em determinados “espaços encapsulados”, de populações desprovidas de condições humanas básicas, a exemplo da terra, do trabalho, da moradia, da escola, da saúde, etc. Tal exemplo materializa-se no relato que segue:

Como eles não tinham uma política habitacional ou o que quer que seja, estas pessoas não tinham emprego, não tinham no que trabalhar, não tinham do que viver, aí eles eram colocados em cima de um caminhão, dentro de um ônibus, enfim, e trazidos pra esse local. Montavam uma barraquinha de lona ali e começavam a produzir aquela terra (OM 95).

Com isso, afirma-se que a produção desigual do espaço sob a hegemonia do capital materializa e reproduz as diversas expressões da questão social. Os recursos postos a disposição dos homens para garantia do seu processo de reprodução social diferem substancialmente a partir do lugar que ocupam no processo de produção e do capital que dispõem. Portanto, mais uma vez, expõe-se a centralidade da ação profissional em decifrar criticamente a totalidade social junto com os sujeitos que se “abrigam e usam” esses territórios, possibilitando recriar estratégias de resistência a partir do local.

Do mesmo modo, não é numa primeira aproximação que se revela a unidade contraditória existente entre a multiplicação dos espaços reservados ao turismo e a quase- -inexistência de espaços de lazer oferecidos enquanto serviço público gratuito. Entretanto, nos parâmetros de numa sociedade hegemonizada pela lógica do mercado, o lazer enquanto um direito social básico é extremamente restrito ou praticamente inexistente para as populações empobrecidas que vivem geralmente em espaços de difícil acesso e com precária infraestrutura. Nos relatos dos profissionais, fica evidenciado o contraste de uma cidade turística, onde “se vende” espaços de lazer, por um lado, e, por outro, inexistem espaços de lazer enquanto serviço público a ser oferecido à população usuária das políticas públicas.

Eu tenho percebido, pelo menos na minha região, que falta um espaço de convivência desse grupo de pessoas, uma área de lazer mesmo, uma praça (LF 43). Com relação à área de lazer, isso é uma realidade [...], a ausência de áreas de lazer é uma constante [...], se tu for ver hoje em alguma comunidade, qualquer comunidade, é muito raro ter praças, ou ter algum espaço de convivência a nível coletivo. Tu vai ver o adolescente, criança soltando pipa, e isso é uma coisa característica aqui da nossa região, no meio da rua, ou, então, em cima da laje, ou, então, no telhado do vizinho. (LF 45).

Em 99% das comunidades, são comunidades de morro, então, também não existem áreas nenhuma de lazer [...] é a realidade deles. Realmente, as crianças que não estão inseridas em projetos e políticas públicas, elas estão realmente na rua, no contra turno da escola. Elas estão na rua misturadas com tudo que a comunidade está sujeita, com a violência, com tudo. (LF 50).

E mesmo aquele que está em serviço de convivência, em fortalecimento de vínculos, [...] ele não tem espaço. Se for fazer uma pesquisa hoje, as ONGs não têm espaço. Ela se desloca para outra areazinha [...]. Mas leva a criança, vamos dizer, 15 minutos andando até outro espaço, numa outra quadra, numa outra comunidade (LF 51).

Nessa vertente de raciocínio, resta evidenciada a carência de espaços de lazer, enquanto direito social integrante do direito à cidade, localizados no espaço onde a reprodução da vida acontece. O diferencial é que, nesses espaços ocupados pelos trabalhadores empobrecidos, o lazer não se caracteriza enquanto mercadoria, mas como serviço público básico gratuito a ser garantido à população. A atuação do Estado nesses territórios é expressa pela sua ausência, sendo que as implicações dessa ausência do Estado atuam de forma negativa no conjunto das políticas sociais impedidas e constrangidas de desenvolverem ações de caráter preventivo.

3.3 Serviço Social no SUAS: trabalho especializado com atuação