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População usuária: entre as estratégias de sobrevivência e a luta pela

3 SERVIÇO SOCIAL E TERRITÓRIO USADO: PRODUÇÃO DO ESPAÇO E

3.4 CRAS e CREAS: desafios à efetivação dos direitos socioassistenciais

3.4.2 População usuária: entre as estratégias de sobrevivência e a luta pela

proteção social

Faz-se oportuno registrar que, decorrentemente do modelo de produção concentrador de renda e riqueza historicamente adotado pelo País, se presenciam o agravamento e a ampliação da questão social de forma muito acelerada, especialmente nos grandes centros urbanos, ou, como é o caso em específico, nos Municípios de Laguna e Florianópolis, que desenvolvem o turismo de massa. A população que se encontra em situação de pobreza, desemprego ou com falta de renda é levada a desenvolver diferentes estratégias em busca de renda. Nessa busca desesperada pela sobrevivência, parcelas de trabalhadores cada vez maiores veem na situação do trabalho informal sua condição permanente. No período considerado de “alta temporada” do turismo, especialmente entre os meses de novembro e março, os profissionais deparam-se com uma realidade social que se agrava imensamente.

Acaba gerando um grande número de trabalho informal [...]. Muitos não têm trabalho, daqui a pouco, vão lá, trabalha no verão, num restaurante. A informalidade é muito grande, além dessas, outras demandas que vão surgindo em virtude disso (LL 142).

Em virtude do defeso que eles ganham da pesca, eles não assinam a carteira (LL 143).

Para não perder esse defeso que é no período da desova, que eles não podem pescar. E isso vai aumentando a informalidade (LL 144).

No Carnaval, eu vi, tava lá mãe, filho, pai, tava tudo lá com carrinho vendendo cerveja e, daí, com o saco do lado pra guardar as latinha, então, eles fazem assim no verão (LL 159).

Muitas vezes, eles se fixam em um ponto e mandam as crianças oferecerem, distribuírem, então, eles ficam vendendo e já pedem pras crianças irem recolherem as latas (LL 160).

Por certo, tal contexto social integra as particularidades das expressões da questão social decorrente dos ajustes econômico-político neoliberais. Nesses termos, o agravamento do desenvolvimento do trabalho informal que envolve a população empobrecida ocorre, especialmente, quando acaba sendo associado a outras atividades que expõem crianças e adolescentes a situações de vulnerabilidade e riscos social e pessoal. Observam-se, nesse contexto contraditório de produção do turismo de massa, a produção social da exploração sexual de crianças, jovens e adultos; trabalho infantil; drogadição; população de rua, dentre outros.

No verão, eles colocam muita barraquinha, vendem cerveja, então, eles são tudo como autônomo e aí [...] têm famílias que botam as crianças pra trabalhar (LL 157). Existe um ponto que o CRAS, pelo o que eu percebo [...], que a prostituição infantil acaba aumentando muito na temporada, em virtude de eventos que são feitos no município (LL 161).

[...] é um evento que existe no município. Eu acho que esses eventos, essas promoções, carnaval, ela acaba fortalecendo, em muitos momentos, a exploração sexual (LL 166).

Porque o que a gente percebe, as famílias, elas não denunciam muito as situações de violência pelo menos na região que a gente, que eu atuo (LL 173).

A nossa grande preocupação no CREAS [...] é em relação ao turismo sexual, que, na Cidade de [...], a gente não tem um número. A violência doméstica é a que mais ocorre, mas a violência sexual tem uma incidência bem grande no município de [...], bem grande mesmo. (LF 267).

A questão da exploração sexual. Desce muitas adolescentezinhas, masculinos também, pra aquela rua em determinado horário, e tem essa situação de tráfego e essas coisas (LF 370).

Diante da realidade exposta, importa destacar que a PNAS prevê, em suas normatizações, que a rede de proteção socioassistencial seja organizada de forma intersetorial com as demais políticas sociais, a fim de garantir o atendimento integrado à população que se encontra em situação de vulnerabilidade e/ou risco pessoal e social, estabelecendo o território como base de sua organização. Contudo verifica-se que, para além da inexistência da articulação intersetorial, a rede de proteção socioassistencial se apresenta de forma incompleta e precária, por não contar com o conjunto de serviços previstos, bem como pelas condições (in)existentes para seu funcionamento. Por certo, reafirma-se aqui que, sem recursos humanos qualificados e munidos das condições de trabalhos necessárias, não há direito social

assegurado. Nessa perspectiva, quando questionadas sobre o CRAS e o CREAS frente às situações de vulnerabilidade e violação de direitos decorrentes da “alta temporada” do turismo, as manifestações deixam explícita a precariedade da gestão do trabalho.

E por que que acontece isso? Porque, geralmente final de novembro, início de dezembro, os serviços que seriam de Ação Continuada interrompem suas atividades de convivência em virtude da contratação dos profissionais que são vinculados à Educação (LL 186).

E, aí, eles saem em dezembro e voltam em abril, março, fevereiro, depende o ano (LL 189).

É que, legalmente, pro município, ele não tem como manter o vínculo por um período maior, porque geram outras questões trabalhistas (LL 192).

É bem na alta temporada que estão todos vulneráveis, que estão todos aflorados: ah, é praia!; é a aquela loucura, é turista, é vamos vender! Vamos ganhar em quatro meses o que a gente não ganha em oito, em seis. E o setor, o programa pára, pára por falta de profissional (LL 194).

As administrações não entenderam que é um serviço continuado, aquela parada do mês de janeiro e fevereiro, quando troca profissional ou, senão, o profissional está de férias. Sai dois profissionais ao mesmo tempo. Ah, separa os grupos nesse período. [...] Essa pausa no trabalho não pode, tem todo um processo de construção do grupo (293 OC).

Diante do exposto, não há como desvincular as particularidades das situações descritas do contexto estrutural relativo à programática neoliberal que produziu o Estado gerencial com respostas e condições restritivas de responder ao crescente agravamento da questão social. Consequentemente, as ações residuais, pontuais e descontínuas compõem o quadro persistente e profundamente enraizado, especialmente na Política de Assistência Social. Com isso, reafirma-se a urgência de se potencializarem os avanços recentes no sentido de se avançar na implementação da política de gestão do trabalho no SUAS, construindo novos patamares institucionais para a efetivação dos direitos socais previstos. Entretanto não se trata de processos somente regulatórios de negociação e pactuação institucional entre os entes federados, antes disso, devem-se configurar processos políticos que envolvam a organização coletiva dos trabalhadores sociais juntamente com os usuários, pois, em última instância, o que está em questão é a efetivação de direitos sociais desses segmentos da classe trabalhadora.

Outra dimensão que adensa as exigências de produção de novas estratégias e respostas técnico-operativas dos profissionais encontra-se associada ao aumento da dependência química de drogas ilícitas, atingindo, indistintamente, crianças, jovens e adultos, conformando situações extremamente desafiadoras a serem trabalhadas a partir do CRAS e do CREAS. Esse contexto, que é mundial e local, encontra-se no cotidiano vivenciado, cada vez mais de

perto, pelos profissionais a partir da localização dos CRASs junto à população usuária. As relações sociais conflituosas, estabelecidas a partir da influência do mercado de drogas, aparece da seguinte forma:

A gente de uma comunidade não entra em outra pela questão da violência (LF 101). A gente trabalha num ambiente de vulnerabilidade, e, em muitos locais, a questão do tráfico de drogas é um elemento muito forte, então, assim, eu não vou fazer nada, nenhuma atividade mista, nem nada dentro do que não é legal (LF 159).

Em estudo sobre o assunto, Feffermann (2006) caracteriza o tráfico de drogas enquanto um fenômeno extremamente complexo, polêmico e que se produz junto com a história da humanidade. Entretanto, diferentemente dos tempos primeiros da humanidade, quando fazia parte de atividades religiosas, terapêuticas e alimentares, a droga ganha outra dimensão social, política e econômica, quando passa a constituir-se em comércio altamente lucrativo e organizado globalmente. Constata-se que, na década de 70 do século XX, o comércio de drogas expandiu-se e passou a agregar, em sua cadeia produtiva, o processo de industrialização da droga. Importa destacar que a geopolítica do tráfico de drogas se estrutura a partir dos mesmos padrões de desenvolvimento desigual e combinado estabelecidos pelos países ricos. Nessa perspectiva, afirma-se a existência de profundas diferenças e contradições entre os países ricos e consumidores e os países pobres e produtores, onde ambos “[...] passam a integrar a dinâmica imposta pela procura de países consumidores, em escala compatível com as leis de um mercado em franca expansão” (FEFFERMANN, 2006, p. 25).

Nesse contexto mundial, Feffermann complementa que o referido comércio movimenta, anualmente, cerca de 400 bilhões de dólares, correspondendo a 8% do comércio mundial. Faz-se oportuno registrar que a fronteira entre o legal e o ilegal, ou entre o oficial e o clandestino, se torna uma linha muito tênue. Desse modo, da mesma forma que o capital globalizado desconhece fronteiras entre países, o comércio de drogas extrapola a linha divisória entre o legal e o ilegal, utilizando-se de ambos para arquitetar suas produção e reprodução globalmente. Frente à dimensão econômica global que envolve a questão das drogas, certamente, exigem-se do Estado políticas articuladas e consistentes, caso contrário, ganharão força projetos de lei propondo redução da idade penal, que direcionam a repressão do Estado justamente sobre o segmento social mais fraco, frágil social e economicamente, permitindo a reprodução do “sistema”. Portanto, o cuidado dos trabalhadores sociais envolvidos no atendimento público a essa população deve estar atento no sentido de não reforçar a perspectiva de responsabilização do indivíduo e de suas famílias, eximindo o Estado de suas responsabilidades.

3.4.3 Protagonismo popular no SUAS: a necessária apropriação do espaço