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Capítulo 3 – A Comissão Administrativa da Câmara Municipal do Funchal

3.1 A tomada de posse e a primeira reunião da Comissão Administrativa

3.1.6 Acessibilidades

Antes da Revolução do 25 de abril de 1974, muitas pessoas, em especial as mais pobres e vulneráveis da sociedade, viviam completamente abandonadas e votadas à sua sorte. Nas zonas onde habitavam, apenas tinham o regedor da freguesia, a quem se dirigir e que pouco ou nada podia resolver, dado estar limitado na sua ação. Este dependia do presidente da Câmara e, mesmo expondo os problemas que as pessoas lhe transmitiam, a probabilidade de poderem vir a ser resolvidos era praticamente nula.

A maior parte da população funchalense habitava as zonas altas. No entanto, os acessos a essas localidades eram dificultados pelo facto de, não existirem estradas ou caminhos condignos, que facilitassem a mobilidade dos seus habitantes. Competia às câmaras a construção, reparação e conservação de estradas e caminhos, bem como, a abertura de novas ruas e praças nas povoações. Era também da sua incumbência, proceder à pavimentação das ruas das povoações, adequando-as ao trânsito automóvel quando necessário90. Cabia às autarquias, criar as condições para melhorar as acessibilidades dos munícipes, no entanto, a falta de recursos financeiros obrigava ao constante adiar de soluções.

Muito estava por fazer, aquando do “movimento dos capitães” de abril. A Câmara, em boa parte, dependia da “boa vontade” dos senhores que, “comodamente instalados na vida, faziam todos os possíveis por manter uma situação de privilégios estabelecidos e cuidadosamente distribuídos”. Prolongava-se o arrastamento dos problemas dos funchalenses, dependiam dos subservientes do regime, os quais, ”constituíam uma espécie de casta que, apoiada em determinadas famílias e amigos, aproveitavam a seu bel-prazer os recursos disponíveis". A vida era “madrasta” para aqueles que viviam e habitavam quase na serra, nas zonas altas e mesmo na ”baixa do

90 Diário do Governo, I Série – Número 303, de 31 de Dezembro de 1940, Suplemento, Ministério do Interior, Direcção Geral de Administração política e Civil, Decreto-Lei n.º 31 095 – Código Administrativo e Estatutos dos Distritos Autónomos das Ilhas Adjacentes, Capítulo III - Da Câmara Municipal-Secção II – Art.º 46.º, n.ºs, 1, 2, 3 e 4.

Funchal” e seus subúrbios. Muitos viviam em barracas e furnas, calcorreando à procura de “caminhos de saída para a vida madrasta que era a sua”. Para se deslocarem para os seus trabalhos, “desciam dos arredores e invadiam a cidade, para só regressarem à noite. E esta caminhada diária, para a maioria delas, era feita a pé” (Cruz, 2008: 265 e 266).

Grande parte da população vivia em condições difíceis, não possuindo estradas para poder chegar às suas casas. Os acessos eram feitos através de veredas, de caboucos, de “caminhos de cabras” e em muitos casos através de levadas, muitas delas à beira de abismos, que ao mínimo descuido poderiam pôr em perigo a segurança das populações91.

Poucos dias após tomar posse, a CA da CMF, em reunião efetuada no dia 31 de outubro de 1974, decidiu pedir comparticipação para a pavimentação asfáltica das ruas da Mãe dos Homens e da Rochinha; mandar organizar o processo para idêntico pedido referente à construção da nova Ponte de Pau; adjudicar a empreitada de construção do mainel junto à Ribeira de Santa Luzia, no troço compreendido entre as Pontes do Bazar do Povo e Bom Jesus92. A CA pretendeu, com estas medidas, melhorar e facilitar os acessos e ao mesmo tempo tornar mais fluente o tráfego da cidade.

No princípio do ano de 1975, na sessão camarária, de 16 de janeiro, adjudicou- se, à firma João Augusto de Sousa (Filhos) Lda., a empreitada de construção de uma nova ponte que substituiria a Ponte de Pau93. Em 23 do mesmo mês, a edilidade decidiu

contratar, a partir de fevereiro e por um período de três meses, “dez pedreiros, seis calceteiros, quatro carpinteiros, dois pintores e vinte trabalhadores indiferenciados”, para execução de serviços eventuais de reparações de vias públicas e bairros municipais94.

Através do Ministério do Equipamento Social e do Ambiente, foi concedido às câmaras municipais dos concelhos madeirenses uma comparticipação para a “execução de trabalhos de conservação permanente da rede rodoviária municipal”. A CMF

91 Virgílio Pereira, referindo-se à sua experiência enquanto voluntário dos Bombeiros Voluntários Madeirenses e ao facto de num dia em que auxiliou “a fazer de maqueiro, em conjunto com outro camarada bombeiro”, foram a uma zona montanhosa até onde a ambulância podia ir e “fomos bem ao cimo pegar uma senhora sexagenária, pesada, tolhida por um A.V.C. Entretanto começou a chuviscar”, contando que “Ao descer a íngreme vereda, o homem da frente escorregou e caíu e com ele tombou a maca que arrastou o bombeiro da retaguarda. A senhora, essa rolou para um «poio» de batatas…Mas chegámos ao Hospital” (Pereira, 2007: 10 e 11).

92 Diário de Notícias, Funchal, 3 de novembro de 1974, p. 3. 93 Diário de Notícias, Funchal, 23 de janeiro de 1975, p. 5. 94 Diário de Notícias, Funchal, 25 de janeiro de 1975, p. 1.

recebeu, para o efeito, 152 100$0095. A CA, reunida no dia 1 de Julho de 1976, tomou

conhecimento de um abaixo-assinado dos moradores do sítio de Água de mel, solicitando a pavimentação da vereda do sítio da Água de Mel com ligação à estrada da circunvalação ao caminho do Olival. Tendo em consideração as reivindicações dos moradores, a edilidade decidiu prestar a assistência técnica pretendida e que se realizasse a “terraplanagem com máquinas da CMF, aproveitando-se simultaneamente a mão-de-obra e outras ajudas prometidas pelos moradores das zonas”96.

Procurando ajudar as câmaras madeirenses nos encargos com a execução de trabalhos de conservação permanente da rede rodoviária municipal, a Junta Autónoma de Estradas, em setembro de 1976, comparticipou as câmaras do Distrito do Funchal, cabendo à CMF, a importância de 334 100$0097. Tal era a “agudeza das necessidades” das pessoas que foram tomadas muitas vezes “soluções precárias e tecnicamente inaceitáveis” (Pereira, 2011: 77). Devido à falta de dotação orçamental, somente com estes apoios das instituições nacionais, através dos subsídios disponibilizados, a CA da CMF, conseguiu, melhorar algumas condições de acessibilidade e a rede viária do concelho.

O primeiro Governo Constitucional, formado pelo PS, após ter ganho as eleições de 25 de abril de 1976, para a Assembleia da República, exercia as suas funções, tendo como primeiro-ministro, Mário Soares. No entanto, as autarquias continuavam a viver na subsidiodependência do governo central. Ainda não se vislumbravam passos no sentido do cumprimento do artigo 240.º da CRP que estabeleceu, no seu ponto um: “As autarquias locais têm património e finanças próprios”. Tudo continuou na mesma, prolongando-se a sua agonia financeira até 1979, ano em que é promulgado a lei 1/79, lei das finanças locais, em 2 de janeiro. Esta lei estabeleceu a tão desejada autonomia financeira das autarquias.