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Capítulo 3 – A Comissão Administrativa da Câmara Municipal do Funchal

3.1 A tomada de posse e a primeira reunião da Comissão Administrativa

3.1.2 As Comissões de Moradores

A participação voluntária da população na solução dos seus problemas locais, através da criação de CM foi uma das grandes conquistas do 25 de abril de 1974. O maior crescimento destas CM deu-se durante o PREC51, quando “o movimento popular criado ou desencadeado depois do 25 de Abril constituiu umas das características mais específicas da revolução portuguesa” (Santos, 1998: 59). O Funchal foi uma das cidades onde esta atitude voluntária da população se verificou, correspondendo ao apelo de Virgílio Pereira, quando na sua tomada de posse e na entrevista dada ao DN pediu a participação dos munícipes na solução dos problemas que assolavam a cidade52. Como referiu o próprio, “as comissões de moradores acabaram por fazer um trabalho importante no concelho do Funchal, dinamizavam as pessoas no sentido de colaborarem

51 O PREC, ficou celebrizado como o “Verão Quente de 1975”,sendo assim conhecido devido à sucessão de situações que se verificaram no país e à “onda revolucionária”, marcado pelas nacionalizações, a fuga de muitas pessoas para o estrangeiro (com maior enfoque dos principais empresários da altura), a fuga de capitais, a tomada de terras e propriedades por parte dos camponeses, os saneamentos, a instalação de comissões de trabalhadores nas empresas, muitas em “auto-gestão” e também, o resultado de: “Em 11 de Março de 1975 uma nova tentativa de golpe de direita teve como consequência a aceleração do processo revolucionário, com a vitória do sector mais radical do MFA, procedendo-se então à criação do Concelho da Revolução, que substituiu a JSN e na sua primeira reunião decretou a nacionalização da banca e dos seguros, a que se seguiram os grandes grupos económicos, cujos chefes foram presos ou se puseram em fuga” (Carneiro, Roberto, (Dir) (1997), Activa Multimédia- Enciclopédia de Consulta- Geografia e

História de Portugal, Vol. 7.º, (s. l.), Lexicultural, Actividades Editoriais, Lda., p. 242).

52 Em artigo de opinião publicado no DN do Funchal, com o título, “O que faz falta é dar poder à malta”, Vicente Jorge Silva, referia: “A iniciativa popular, a capacidade de auto-organização dos trabalhadores na empresa, no bairro, no campo, à escala das cidades, das regiões, a criação de um novo poder verdadeiramente democrático – porque exercido a partir da base e em torno de problemas concretos (…) representa (tem representado) o impulso decisivo que permitiu fazer avançar, de forma irreversível, o processo revolucionário”. O País vivia uma onda “revolucionária” sem precedentes e no caso da Madeira, segundo este, “é certo que na encruzilhada em que vive o arquipélago, só a capacidade e a iniciativa criadora do povo trabalhador podem fazer com que uma verdadeira catástrofe de terríveis consequências não venha a acontecer”, afirmando, ”a Madeira é das regiões do País que permaneceu mais marginalizada no processo revolucionário, impulsionada sobretudo depois da derrota do golpe fascista -Spinolista se 11 de Março”, salientando, ainda, para o facto de “aqui as forças reacionárias mantêm ainda posições muito sólidas” (Diário de Notícias, Funchal, 20 de abril de 1975, p. 3.).

na execução de obras necessárias” (Pereira, 2011: 71). Neste concelho constituíram-se várias CM, as quais, na altura da sua constituição, para além dos moradores dos sítios, participavam também elementos das Forças Armadas. Antecedendo a formação e eleição dos órgãos que iriam presidir às referidas CM, geralmente era emitido um comunicado por uma “Pró-comissão de moradores da freguesia”, a indicar o dia, a hora e o local onde se realizaria o encontro53.

O apoio dado por estas CM consistiu, muitas vezes, na ajuda aos trabalhadores da CMF, construindo muros de suporte e alargando caminhos com o objetivo de melhorar as acessibilidades das pessoas até às suas casas. No que concerne à constituição das CM, Raquel Varela, ressalva o facto de estas nascerem “quase de imediato como estruturas de decisão local, atuando como um poder paralelo face às câmaras municipais, em recomposição”, sendo a maioria destas comissões, “largamente ocupadas por quadros afetos ao PCP e ao MDP/CDE”, isto porque, nesta altura, eram os partidos que possuíam melhores estruturas organizativas, e segundo esta, “o PCP aliás vai resistir durante todo o processo a eleições autárquicas”, atendendo à sua enorme influência junto destas comissões (Varela, 2014: 251 e 252).

De acordo com José Manuel Pureza, as CM, “apesar das suas trajectórias eventualmente confusas, foram no seu tempo, uma expressão descoberta, descoberta muitas vezes pueril, das potencialidades de organização da sociedade civil” (Pureza, 2002: 111). Estas “trajectórias” e a forma de como as pessoas reagiram evidenciam as enormes potencialidades do povo e das suas organizações de base, imprimindo uma dinâmica e um trabalho voluntário e de entre ajuda que em muito contribuiu para a solução dos problemas locais.

A formação de comissões de moradores, de forma espontânea e auto-organizada, é um aspecto, inédito em Portugal, que deve inserir-se no contexto da ruptura com o corporativismo no poder local. Estas comissões viriam a ter consagração constitucional em 1976, e eram animadas pelas formações políticas de esquerda e extrema-esquerda, que foram muitas vezes determinantes no assalto democrático a inúmeras juntas de freguesia, visando realizar iniciativas de serviço às comunidades locais, proceder ao

53 Antes da realização das reuniões com os moradores dos sítios, eram elaborados panfletos com vista à sua convocação. Nestes constava a ordem de trabalhos, apelos à sua participação e divulgação, como por exemplo: “homens e mulheres, rapazes e raparigas, não faltem a esta reunião para elegerem os seus representantes, porque as obras surgem da dedicação, do sacrifício e da vontade produtiva”. Frisava-se ainda que ”qualquer morador dos dois sítios pode ser eleito para a comissão, independentemente do sexo ou das habilitações literárias que possua”, por fim solicitava-se a divulgação por todos os moradores dos sítios: “até que, com sacrifício, tenhas que bater porta em porta, serás recompensado” (ABM, DRAPL, 1977, Proc. D - 1/107, de 27-10-1975 – Anexo II).

esclarecimento político das populações, fomentar a criação de cooperativas, discutir planos de urbanização, entre outras. (Ferreira, 2007: 87)

No Funchal, assistiu-se a esta “forma espontânea e auto-organizada” e à dinâmica de como as pessoas nas suas localidades reagiram, em especial nas zonas altas, à criação das CM, resultado dos muitos anos a que foram votadas ao abandono e ao isolamento. O povo, nessa altura, estava empenhado em resolver os seus problemas tais como: ”a falta de acessos, a insuficiente distribuição de água potável, a melhoria e aumento do parque habitacional, a construção de escolas, a rede de distribuição elétrica e iluminação pública”, não esquecendo os cuidados de saúde que não existiam e foram também das suas prioridades (Pereira, 2011: 76).

Esta participação voluntária dos cidadãos e a dinâmica imprimida por estes, segundo Cesar de Oliveira, estabeleceram “um outro aspecto, inédito em Portugal e que deve insurgir-se no contexto da ruptura com o corporativismo no poder local, foi a formação, de forma expontânea e auto-organizada, de comissões de moradores” (Oliveira, 1996: 353). No Funchal, à intervenção destas comissões juntou-se a ação e determinação de Virgílio Pereira, o empenho dos vereadores e dos poucos técnicos que na altura a Câmara possuía, tendo-se revelado essencial na superação das necessidades básicas da população.

Procurou-se atender à extrema pobreza e miséria em que se encontravam muitos dos munícipes, executando obras segundo as possibilidades financeiras da Câmara e aproveitando a colaboração dos moradores, conforme oferta por eles feita aquando as visitas que a CA efetuou a todos os locais. Na sessão camarária de 6 de novembro de 1975, foi deliberado executar uma série de obras, tais como: o melhoramento da vereda do Canto do Muro, Cabeço Império, Bairro da Alegria (lado Leste e Oeste), os caminhos, do Pasto, Laranjal, Água de Mel, Casa Branca. Iniciou-se a cobertura da levada dos Piornais, proteção de muros a blocos, calcetamento do beco ao sítio Santana e levantamentos de degraus e desvios, Galeão, São Roque54.

Após o 25 de novembro de 1975, o país e o arquipélago começam a viver um novo ciclo político, no entanto, os problemas e as dificuldades sociais teimavam em persistir. A Câmara perante a necessidade de resolver as problemáticas diagnosticadas tende a manter uma política de proximidade no relacionamento com os munícipes. Na

reunião realizada no dia 25 de março de 1976, foi presente um abaixo-assinado dos moradores da Travessa do Pomar, pedindo que lhes fossem fornecidos materiais para procederem a melhoramentos e alargamento da respetiva travessa, “comprometendo-se ceder o respectivo terreno e mão-de-obra”. Face ao exposto, a Câmara decidiu apoiar esta pretensão devendo, no entanto, “a fiscalização verificar assiduamente a aplicação dos materiais”55.