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5.1 APRENDIZADO

5.1.1 Acesso a informações sobre ações do passado

Um meio propício ao aprendizado sobre o comportamento dos indivíduos envolvidos em um dilema social é o estabelecimento de contato pessoal, com a oportunidade de observação de expressões faciais, pelo modo como algo foi dito, pela forma de interação com o grupo (POTEETE; OSTROM; JANSSEN, 2011 [2010]; ANSELL; GASH, 2008: OSTROM, 1998), dentre outros. A assiduidade dos indivíduos, por exemplo, é um fator de fácil observação entre os membros de grupos intermediários (OLSON, 1999 [1965]), como nos casos estudados. A possibilidade de ver e ser visto pode influenciar na decisão do voluntário da rede prisional a prosseguir na ação cooperada ou optar pela deserção.

Na perspectiva dos dirigentes, verificou-se que a perceptibilidade quanto à ausência de um membro ocorre, de forma unânime, nos estabelecimentos prisionais em funcionamento (Grupos 1 e 2), de acordo com a Tabela15. Nas ocasiões em que ocorrem reuniões, periódicas ou esparsas, os indivíduos têm a oportunidade de conhecimento da reputação alheia. Decerto, quanto maior a frequência dos eventos que possibilitem o contato face a face dos envolvidos, aumentam as chances de (re)conhecimento dos pares predispostos a cooperar porque eles acumulam informações sobre as ações passadas individuais.

Tabela 15 – Percepção e Atenção por Ausência de Voluntários

Fonte: Elaboração própria, 2014. Características

Percepção da Ausência Valor % Valor % Valor %

Nada Frequente - - - - 4 33% Pouco Frequente - - - - Frequente - - 4 29% 4 33% Muito Frequente 2 67% 2 14% 2 17% Totalmente Frequente 1 33% 8 57% 2 17% Sem Resposta - - - - 2 - Total 3 100% 14 100% 14 100%

Contato Após Ausência Valor % Valor % Valor %

Nada Frequente - - 1 7% 3 25% Pouco Frequente - - 1 7% 1 8% Frequente 1 33% 4 29% 6 50% Muito Frequente - - 2 14% - - Totalmente Frequente 2 67% 6 43% 2 17% Sem Resposta - - - - 2 - Total 3 100% 14 100% 14 100% APACs Grupo 1 APACs Grupo 2 APACs Grupo 3

Os dirigentes do Grupo 1 (100%) e do Grupo 2 (86%) deixaram claro que é estabelecido contato com os voluntários que não comparecem aos encontros. Nas entrevistas, os respondentes esclareceram que a motivação é mais por preocupação com a ausência do que por qualquer outra razão. Infere-se que em caso de absentismo, a iniciativa de contato com o membro faltoso é um recurso que pode ter significado positivo àqueles que compareceram ao encontro presencial. Os membros voluntários estão cientes que faltas consecutivas, sem prévia justificativa, podem implicar em advertência e, em situações extremas, posterior desligamento do voluntário. Quando os dirigentes percebem a ausência dos membros, eles admitem que, implicitamente, observam os que cumprem suas funções na rede prisional apaqueana. A reputação negativa do voluntário ausente reiteradas vezes tende a ser socializada com o grupo.

Por outro lado, ao se dar conta que sua ausência foi percebida, pode haver empenho do indivíduo a fim de evitar uma estigmatização coletiva. A consciência de que sua atuação é observada pode levar a mudanças no comportamento, para adequação aos padrões, e também, causa satisfação àquele voluntário que é cumpridor das normas. Este último, ao ter sua importância no grupo reconhecida tende a se sentir estimado no papel que desempenha, como ilustra o exemplo com reconhecimento da reputação positiva:

APAC 15 (G2): No início, eu fui convidado a participar de uma apresentação do Método da APAC e nessa apresentação é... eu fui convidado a fazer parte como voluntário. E, como voluntário da APAC, logo em seguida, como eu demostrei muito interesse, eu fui convidado a ser voluntário-padrinho de um recuperando que não tinha familiar.

As repetidas oportunidades de convivência contribuem para que os indivíduos possam rotular uns aos outros, por exemplo, como membros muito, pouco ou comprometidos a contento com a causa apaqueana. Essas informações são úteis, pois subsidiam as parcerias entre os subgrupos, reforçam a decisão de continuar ou não atuando de forma colaborativa, influenciam na votação dos candidatos a presidente da rede prisional. Em caso de eleição dos dirigentes, os candidatos devem ser membros voluntários da rede prisional apaqueana e possuir disponibilidade para assumir, sem remuneração, o mandato de dois anos. Nas prisões apaqueanas ainda não implantadas (Grupo 3), o convite a assumir o cargo costuma ser feito, inicialmente, pelo Juiz da Comarca, como relataram os respondentes.

A contínua observação do comportamento dos voluntários fornece elementos para a escolha dos representantes da prisão apaqueana. Sobre as características esperadas nas lideranças da rede interorganizacional do sistema prisional não houve o delineamento de um perfil específico pelos respondentes. Percebeu-se que o compromisso com o modelo apaqueano

ou o engajamento com causas sociais, a habilidade de trabalho em equipe e a capacidade de envolver outrem foram aspectos valorizados nas entrevistas. A seguir, fragmentos de relatos dos respondentes:

APAC 2 (G1): [...] tem que ter paciência, muito discernimento, você tem que ler muito, você tem que estudar muito, você tem que ter uma fé muito grande, são essas as características que eu acho importante... E ser desprendido de tudo, de vaidade, sabe, principalmente de vaidade [...] se você tá querendo seguir os passos de Jesus, como é que você vai ser vaidoso? Como é que você não vai ser humilde? Como é que você vai ser egoísta, entendeu? Então, são características particulares que vão fazer ali um líder bacana...

APAC 8 (G2): A gente ainda não tem a pessoa ainda. A gente pede muito a Deus que ele encaminhe a pessoa certa pra assumir, né? Porque também, dependendo do Presidente, ele consegue tanto levantar a instituição, como destruir, afastar os voluntários...

APAC 23 (G3): A verdade é que na minha cidade eu sou uma pessoa que tenho projetos sociais, meus, particulares. E eu participo muito da igreja, sou católico, e participo muito dos eventos da igreja e isso me trouxe um grau de conhecimento na cidade bem grande e eu fui convidado pelo Juiz e Promotor, que são os responsáveis pelo projeto da APAC na cidade, e quando houve a troca da Diretoria eles me convidaram para que eu fosse o Presidente.

Os respondentes foram convidados a realizar uma breve auto-avaliação do seu estilo de liderança, com base na classificação de Noordehaven (1994). A priori, a expectativa era que predominassem líderes democráticos ao invés de autocráticos. Isto é, com estilos de liderança pautados na divisão de tarefas e na tomada de decisão levando em conta os interesses do grupo de trabalho, que parecem mais condizentes à proposta de cooperação interorganizacional nas redes prisionais estudadas.

Os achados ratificaram as previsões iniciais da pesquisadora apenas no Grupo 1, que possui atualmente líderes que se definem como flexíveis (100%), ou seja, realizam suas escolhas considerando a opinião da equipe. É possível que, pela maior longevidade das unidades penais do Grupo 1 e pelas funções claramente definidas de cada membro da equipe, os gestores se sintam seguros ao envolver o grupo na tomada de decisão. As repetidas oportunidades de convivência fortaleceram os laços de confiança entre os membros da equipe e, por isso, há elevada expectativa de que todos se envolvam na partilha dos custos para obtenção dos serviços prisionais.

Nas APACs do Grupo 2, em contraposição ao Grupo 1, o resultado foi bastante heterogêneo. Os dirigentes pesquisados se autodefiniram como líderes sistêmico (36%), flexível (29%), decisivo (21%), integrativo (7%) e hierárquico (7%). Prevaleceram os líderes

sistêmicos, que ainda que tentem compatibilizar interesses organizacionais e da equipe, assume uma postura centralizadora. Os líderes flexíveis caracterizam-se pela postura democrática, socializando as questões a serem resolvidas com os membros da equipe (NOORDEHAVEN, 1990). De forma semelhante, os gestores que adotam o estilo decisivo costumam partilhar responsabilidades com a equipe.

No Grupo 3, ainda não implantado, predominaram indivíduos que se intitularam como líderes integrativos (36%), decisivos (29%) e flexíveis (21%). Nas demais respostas obtidas, a menor ocorrência coube ao estilo de liderança hierárquico (7%), com características mais autoritárias. Os respondentes que se intitularam integrativos preocupam-se em conciliar os interesses organizacionais e individuais ao tomarem suas decisões. Por fim, a resposta menos esperada refere-se ao tipo de liderança hierárquica, pelo caráter centralizador do gestor (NOORDEHAVEN, 1990).

Curiosamente, nas unidades penais com uso parcial dos elementos do Método APAC (Grupo 2) ou em fase de implantação (Grupo 3) os gestores reconhecem que centralizam as decisões. Isto pode acontecer, por exemplo, em decorrência da necessidade de assumir responsabilidades sem uma equipe estruturada para apoio ao dirigente. Mesmo que os resultados sobre os estilos de liderança aqui apresentados não sejam aprofundados ou conclusivos, eles apontam para um possível perfil, autodeclarado, dos dirigentes em exercício que, futuramente, pode ser mais investigado.

O que se almejou inicialmente no decorrer das entrevistas, e que foi de limitado alcance por envolver apenas os gestores da rede interorganizacional, foi a presença de facilitative

leadership (ANSELL; GASH, 2008), ou seja, lideranças carismáticas, capazes de agregar

voluntários em torno de objetivos comuns em situações dilemáticas. Situações nas quais os custos de transação (COASE, 1937) sejam assumidos por poucos membros e os resultados sejam de usufruto coletivo, quando da provisão dos serviços prisionais apaqueanos (benefícios líquidos). Para este fim, é importante que haja o compartilhamento de valores entre os indivíduos engajados em torno de uma causa comum, como consta a seguir.