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3.4 TIPO DE ANÁLISE

4.1.2 Histórico de conflito ou omissão

Em um dilema social no sistema prisional, no caso de omissão ou deserção dos atores envolvidos, o possível aumento dos índices de criminalidade na localidade é uma consequência esperada e as perspectivas de ‘soluções’, de modo geral, são delegadas a uma Autoridade (Força Policial, por exemplo) e também providenciadas, de modo mais imediato, no âmbito individual

(uso de sistemas de segurança, como grades, alarmes, cercas elétricas para proteção ao patrimônio etc). Não obstante, há uma minoria mobilizada e disposta a participar da resposta a este problema social coletivo porque possuem interesse na obtenção de um bem comum (OSTROM, 2008, 1998; OLSON, 1999 [1965]) que traga uma provável redução do custo social ao seu município.

Contudo, uma resposta ‘satisfatória’ ao dilema social no sistema prisional estudado não se dá de maneira individualizada porque, neste caso, a partilha dos custos é indispensável para que seja possível o usufruto de um bem coletivo (ORENSTEIN, 1993). Tais tentativas de formação de redes interorganizacionais são assumidas por atores dispostos a lidar com essa partilha de custos, ainda que assimétricos, em algumas situações específicas (a serem descritas posteriormente). Neste contexto de enfrentamentos entre os atores que visam a implantação ou manutenção das organizações prisionais apaqueanas, a pesquisa empírica apresentou exemplos de omissões e de conflitos enfrentados pelos respondentes. A seguir, dois exemplos de omissões:

APAC 7 (G2): Eu pertencia à Pastoral Carcerária e fazia um trabalho na Cadeia... O pároco que trabalhava comigo morreu e o povo começou a afastar...

APAC 26 (G3): E tem horas que a gente fica sozinho pensando “Gente, que perspectiva eu vou ter, o Prefeito que está aqui, os Vereadores que podem nos apoiar, acabam não fazendo [nada pela APAC] e eu vou fazer?”... isso que desanima...

Averigou-se que a omissão de participação no arranjo organizacional contemplou, em determinados relatos, a carência de membros da Pastoral Carcerária, APAC 7 (G2), a apatia de pessoas da comunidade, APACs 7 e 8 (G2), a morosidade na resposta do Estado, APAC 18 (G3) e a resistência do Prefeito, APAC 7 (G2) e APAC 26 (G3) e de Vereadores, APAC 26 (G3) de atuarem no sistema prisional. Essas respostas não foram exaustivas e não contemplam todas as APACs entrevistadas porque, em muitos casos, o foco das entrevistas voltou-se à cooperação e não aos conflitos e às omissões encontradas no início da rede interorganizacional.

Complementarmente, no que concerne aos embates identificados nos relatos dos respondentes, os achados de campo mostraram que os mesmos ocorrem entre atores variados envolvidos na rede interorganizacional. Em geral, a queixa de dificuldades em conquistar a empatia da comunidade, conseguir novos voluntários e estabelecer laços com a Sociedade Civil estava presente no discurso de catorze dos respondentes. Ou seja, 45% da amostra pesquisada afirmou que já houve objeções, fontes de conflito (ANSELL; GASH, 2008; OLSON, 1999

[1965]), ao buscarem adeptos ou simpatizantes ao trabalho voluntário no sistema prisional, como denotam os relatos:

APAC 6 (G2): [...] a APAC é maravilha? É, mas quando você passa por fuga tem toda uma tensão. [...] aí quando se tem fuga a própria comunidade bombardeia...

APAC 8 (G2): [...] na época [que começamos a APAC] as pessoas criticavam demais. Quando a gente ia fazer pedido de doação as pessoas diziam que iam doar sim, [que para os presos] doariam veneno [...].

Investir tempo e recursos em indivíduos que cometeram infrações e foram condenados pela Justiça não costuma mobilizar a sociedade, mesmo com os riscos crescentes de aumento dos índices de violência, com prejuízos não-seletivos à população local. Lidar com resistência de atores do ambiente externo das organizações que atuam no sistema prisional é um processo enfrentado, cotidianamente, pelos voluntários. Mas, os conflitos de interesses podem emergir também no ambiente interno das APACs, quando os atores envolvidos diretamente no trabalho filantrópico não chegam a um consenso quanto à forma de atuação dos membros dirigentes (eleitos pelos voluntários). São aqui citados dois casos:

APAC 2 (G1): [...] eu tava fazendo um trabalho até bacana [como Presidente da APAC], sabe, mas é coisa de... de... que tem sempre com voluntariado, né, aquela coisa de... de... política, de inveja, aquelas coisas todas... e acabou que eu perdi essa eleição [...] e me afastei não por ter perdido a eleição, mas porque eu não me vi mais em condição de atuar considerando o tipo de... de... as pessoas que estavam... enfim, não combinavam com meu jeito de trabalho. APAC 7 (G2): Esse outro [que era o antigo Presidente] atrapalhou a APAC, bagunçou a APAC, porque ele se sentia dono de tudo. Começou a fazer reuniões até com traficantes lá dentro... E eu via que eu estava impossibilitado de fazer as coisas [...]. Ele cortou relacionamento com a gente, porque ele não queria que eu soubesse das coisas erradas que estavam acontecendo lá dentro. E eu sabia, porque eu frequentava lá de manhã, de tarde, de noite, nunca deixei [de frequentar a APAC].

Ficam evidentes choques entre os valores dos entrevistados e os grupos que assumiram os cargos dirigentes, eleitos pelos próprios voluntários da época. Ao longo das duas entrevistas sobre as organizações destacadas, foram verificadas diferenças nas posturas dos voluntários ao final do mandato dos mesmos como Presidente da APAC. No primeiro exemplo, na APAC 2 (G1), a pesquisadora constatou que o voluntário se deparou com um trade-off entre continuar a partilha dos custos dos trabalhos no sistema prisional e manter distância da rede interorganizacional pelas divergências ideológicas em relação aos novos dirigentes. A opção do voluntário, que possuía quase uma década de trabalho voluntário naquele momento, foi pela

deserção. O afastamento foi deliberado pelo próprio voluntário, por crenças nos seus ideais referentes ao trabalho no modelo apaqueano.

No segundo caso, na APAC 7 (G2), verificou-se que a percepção do voluntário quanto às divergências ideológicas e de atuação na APAC entre ele e o Presidente eleito foram detectadas ao longo do tempo, no decorrer dos trabalhos deste último. O conflito, nesta situação, foi mais explícito e evidente aos pares que faziam parte da APAC mencionada à época. Neste contexto, o voluntário, que estava envolvido com a instituição desde a sua concepção, também se deparou com um trade-off entre continuar a partilha dos custos dos trabalhos no sistema prisional e manter distância da rede interorganizacional pelas divergências ideológicas em relação aos novos dirigentes. A opção do voluntário foi permanecer na equipe de trabalho e buscar meios legais (através do Ministério Público e da FBAC) de, comprovados o desrespeito às regras de funcionamento da rede interorganizacional, destituir o dirigente do cargo.

Há diferenças entre esses dois exemplos mencionados que merecem considerações por parte da pesquisadora. A partir do que foi relatado nos mesmos, não se pode concluir, de maneira simplista, que a predisposição à cooperação é maior pelo voluntário da APAC 7 (G2) porque outros aspectos contextuais precisam ser levantados.

Inicialmente, em relação aos motivos de divergência ideológica, cabe a consideração de que na APAC 2 (G1) a mudança em relação às regras do Método APAC não eram comprometedoras a ponto de fragilizar a maioria das relações da rede interorganizacional. Isto significa que, se haviam incoerências presentes na gestão recém-eleita, conforme sinalizado pelo entrevistado, essas não arranhavam a imagem institucional e não interferiram a ponto de ameaçar a manutenção dos trabalhos da referida APAC. Esta, inclusive, permanece atualmente com a aplicação total do Método APAC (Grupo 1). Além disso, apenas abordando o aspecto qualitativo, o grupo de voluntários na época era considerado de tamanho ‘satisfatório’, ou seja, com pessoas disponíveis para arcar com os trabalhos necessários em caso de saída de um membro da rede. Os prejuízos da saída do voluntário, do ponto de vista básico de andamento das atividades, não seriam muito altos (OLSON, 1999 [1965]).

Por outro lado, na APAC 7 (G2), o contraste ideológico foi abrupto e notório pelos envolvidos na rede e proporcionou um confronto de valores que não se restringiu ao voluntário que havia sido substituído no cargo de liderança. A infração cometida pelo dirigente que estava no comando da APAC 7 (G2), ao oferecer tratamento diferenciado para alguns condenados, feria os interesses coletivos e comprometia o funcionamento do sistema apaqueano que, naquele momento, como continua hoje, possuía a aplicação parcial dos doze elementos do Método

APAC (Grupo 2). No entanto, o grupo de voluntários era considerado ‘muito pequeno’ (OLSON, 1999 [1965]) e esse fator pode ter sido um dos aspectos decisivos na opção do voluntário continuar como membro da equipe de trabalho. Além disso, os prejuízos da saída do voluntário seriam, no contexto mencionado, bastante elevados, culminando com o risco encerramento de atividades do estabelecimento penal.

As (possíveis) repercussões diferenciadas da saída dos voluntários nas APACs 2 (G1) e 7 (G2) podem ter contribuído para que, no primeiro caso, o abandono do trabalho no sistema prisional tenha acontecido de imediato. A atitude de cooperação, no segundo caso, ocorreu a partir de um conflito intraorganizacional, por isso a pesquisadora optou por apresentá-lo nesta seção. Estes conflitos no ambiente interno das APACs foram detectados ao longo das entrevistas e merecem, futuramente, maior investigação para análise das saídas favoráveis (ou não) encontradas pelos atores dos dilemas sociais. Até o momento, sem ser possível generalizar esses resultados, observou-se que das dezessete unidades prisionais com Centro de Reintegração Social em funcionamento (Grupos 1 e 2), cinco delas (30%) já estiveram sob risco iminente de suspensão das atividades (fechamento), mediante intervenção das autoridades competentes.

Das catorze APACs investigadas, que ainda não possuem Centro de Reintegração Social em funcionamento (Grupo 3), o quadro atual consiste em: três estão no processo de construção do CRS; outras quatro estão promovendo reuniões entre os voluntários e visitando os presos de Presídios, Cadeias ou Penitenciárias para não ficarem afastados da causa social, enquanto não há definição quanto ao CRS; e as sete restantes não possuem previsão de obtenção do CRS e não estão se reunindo com regularidade. Há, portanto, um contexto desfavorável à cooperação segundo os entrevistados que ainda não conseguiram estabelecer vínculos com parceiros fundamentais (OSTROM, 1998) neste processo inicial das atividades, como demonstram as palavras seguintes:

APAC 30 (G3): [...] travou na questão política, né? A Prefeitura doou um terreno pra gente, pra fazer o edifício da APAC, só que depois o Ministério Público constatou que essa área estaria numa Área de Proteção Ambiental [APA], né? Então, a partir daí, o próprio Ministério Público travou. O pessoal entrou... Juízes contra a edificação do prédio e, até então, isso já tem uns cinco anos que tá parado, entendeu?

Maiores informações seriam necessárias para se chegar a uma conclusão a respeito da doação inicial de terreno inadequado por parte da Prefeitura e da argumentação para o embargo das autoridades, no caso em tela. Desperta desconfiança, no entanto, este tipo de ‘apoio’,

criando um ambiente de tensão entre os pares (ANSELL; GASH, 2008). O que se percebeu nos discursos obtidos foi o anseio pela implantação do Centro de Reintegração Social por parte das APACs (Grupo 3) e as reiteradas menções às dificuldades para se estabelecer parceria com instâncias do Poder Público (Estado/Prefeitura), do Poder Judiciário e da Sociedade Civil.

A próxima seção, neste sentido, traz mais informações sobre as relações com atores relevantes ao Sistema Normativo que podem levar à decisão de implantação das APACs. Ou o contrário, indeterminarem, pela dificuldade de anuência entre os pares, o início dos trabalhos nas redes interorganizacionais.