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CAPÍTULO II – REFERENCIAL TEÓRICO

2.5 DIMENSÃO: Economia

2.5.3 Acesso a medicamentos inovadores: preço e patentes

Mesmo em um mercado majoritariamente privado como o Brasil, os gastos com medicamentos pelo setor público ainda são consideráveis, como visto na seção anterior. E assim como países com outros sistemas de aquisição de medicamentos, os preços tem, portanto, uma participação especial no equilíbrio deste controle orçamentário pelos órgãos públicos.

A regulação de preços de medicamentos no Brasil começou em dezembro de 2000, com a criação da Câmara de Medicamentos (CAMED). Essa Câmara foi substituída em 2003 pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), composta por cinco ministérios e presidida pelo Ministério da Saúde. A CMED está encarregada da definição das políticas de regulação de preços, que são implementadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), a qual exerce a função de secretaria executiva da Câmara. Entre as atividades que desenvolve a ANVISA, no âmbito de suas atribuições na CMED, está a realização de avaliações econômicas sobre novos medicamentos, a tomada de decisões sobre

os preços de entrada ao mercado de medicamentos e o monitoramento desse mercado (MIZIARA, 2013).

Antes de 2004, a patente era um requisito suficiente para que uma empresa pleiteasse um preço de medicamento considerado novo. Em 2004, com a aprovação da Resolução no 2 da CMED, a tomada de decisões sobre o preço dos novos medicamentos passou a ser baseada em evidências, ou seja, a partir da avaliação do valor terapêutico do novo produto em relação a vantagens terapêuticas comprovadas em relação aos medicamentos existentes para a mesma indicação terapêutica. Agora, caso tenha patente e seja comprovada essa vantagem, o medicamento analisado é classificado como pertencente a Categoria I, e é definido como teto para seu preço o menor preço praticado nos seguintes países: Austrália, Canadá, Espanha, Estados Unidos, França, Grécia, Itália, Nova Zelândia, Portugal e o país de origem do produto. Caso não seja comprovada essa vantagem terapêutica em relação aos medicamentos escolhidos para a comparação, o medicamento analisado é classificado como pertencente a Categoria II. Nesse caso, o custo do tratamento com o novo medicamento não pode ser superior ao custo do tratamento com o medicamento escolhido para comparação, já existente no Mercado nacional, e não pode ser superior ao menor preço nos países mencionados anteriormente (MALUF, 2011).

Esta medida parece impedir que os medicamentos me-too (novas entidades químicas, oriundas de pequenas mudanças estruturais na molécula – através de inovação incremental - ,que “não aportam nenhuma vantagem terapêutica adicional”) custem mais caros que os que já existentes no mercado, como acontecia antes de 2004. Isto é particularmente relevante quando uma empresa no Brasil desejar incorporar seu medicamento ao SUS, o que requer uma análise feita pela CONITEC (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS). Ainda que estudos farmacoeconômicos mostrem vantagens a longo prazo de uma nova opção terapêutica para a população e para o sistema de saúde brasileiro, a CONITEC, na prática, costuma adotar tecnologias mais baratas, o que gera críticas do setor (LARANJEIRA; PETRAMALE, 2013; PEREIRA; FIUZA, 2013).

A visão contrária aos medicamentos me-toos pode vir a inibir iniciativas de inovação por empresas brasileiras que, provavelmente, começariam o desenvolvimento de novas moléculas com inovações incrementais. Muitos autores e críticos também consideram que as inovações incrementais em moléculas são utilizadas pelas empresas farmacêuticas única e exclusivamente para estender ao máximo a exclusividade de mercado de suas inovações,

criando novas patentes para estender o ciclo de vida de seus produtos e atrasar a entrada de genéricos. Com isso, as empresas aumentam o portfólio de produtos e os lucros, muitas vezes de forma artificial e sem qualquer ganho terapêutico, conforme discutido anteriormente. As inovações incrementais são patenteáveis e, para Tidd (2008), a proteção legal de propriedade intelectual é considerada uma vantagem competitiva porque oferece algo que os outros não conseguem, a menos que paguem licença ou outra taxa. Os direitos de propriedade intelectual promovem uma concorrência dinâmica, incentivando as empresas a investirem no desenvolvimento ou na melhoria de produtos e processos (BERMUDEZ, 1995; TIDD; BESSANT; PAVITT, 2008).

Logo, há duas tendências interpretativas sobre o tema de Propriedade Intelectual (PI): a dos que pensam que maiores direitos de PI contribuirão para o estímulo à inovação de medicamentos, competição e desenvolvimento do país e daqueles que opinam que maiores direitos de PI restringem o acesso a bens básicos (BOLDRIN; OTHERS, 2009; GRABOWSKI, 2002; KESSELHEIM, 2010; MUNOS, 2009).

Nesse contexto, a quantificação do impacto que os direitos de PI terão sobre o acesso aos medicamentos e, em último caso, sobre a saúde das populações, tem sido objeto de preocupação e análise por parte dos pesquisadores individuais e de organizações nacionais e internacionais (AGHION; HOWITT; PRANTL, 2015; OPAS, 2009; QIAN, 2007).

Uma pesquisa realizada com empresas britânicas mostrou que a dependência entre a introdução de inovações e a proteção de patentes é de 60% no setor de P&D farmacêutico, comparado com 15% do setor químico e 5% da engenharia mecânica. Nos Estados Unidos uma pesquisa mostrou que, de 48 inovações de produtos, 90% das inovações farmacêuticas não teriam sido introduzidas no mercado caso não houvesse a proteção patentária (GRABOWSKI, 2002; MUNOS, 2009).

Outro fator que leva a indústria farmacêutica a querer proteger seus inventos através de patentes é que o custo para desenvolver uma nova droga é muitas vezes maior que o custo de se copiar as moléculas químicas e suas formulações, que podem ser realizadas por empresas até mesmo de pequeno porte (JANNUZZI, 2015).

Como a maior parcela de custo do desenvolvimento de novas drogas é relacionado a condução de estudos clínicos, alguns países permitem a “patente de segundo uso” ou mesmo a

concessão de exclusividade de dados (“data exclusivity”) para estimular e recompensar empresas que se proponham a investir novos usos com moléculas novas ou antigas, ou seja, patenteadas ou não. Na Europa, por exemplo, a exclusividade de dados é dada pela Directive

2004/27/EC, em prática desde 2005, que concede um prazo de exclusividade de mercado de

até 10 anos após a concessão do registro pela Agência Reguladora. Assim, uma empresa de genéricos somente pode submeter o dossiê de registro de um produto genérico após transcorrerem o prazo de patente e de exclusividade de dados. Enquanto muitos acreditam que estas medidas estimulam empresas a quererem investir em estudos com moléculas, outros afirmam que a exclusividade de dados é uma extensão de monopólio de mercado.O Brasil não reconhece a “patente de segundo uso” e não adota o conceito de “data exclusivity”, o que permitie que os genéricos obtenham aprovação da Anvisa e se preparem antecipadamente para distribuição, de modo que os medicamentos possam ser disponibilizados a preços padrão mais baratos imediatamente após o vencimento das patentes relevantes (BANGLADESH et al., 2009; HANCHER, 2010; KESSELHEIM, 2010; SO, 2004).

Este não é o único desencontro em relação ao assunto de patentes, cujo órgão oficial a concedê-las é o INPI. Desde o ano 2001, a Lei 10.196/2001 incluiu o Artigo 229-C na Lei de Patentes (Lei 9.279/1996), adotando a prévia anuência da ANVISA o que, na prática, gerou indisposição entre os dois órgãos. Com isso, o processo se tornou mais moroso e burocrático para as empresas receberem sua carta-patente (BRASIL, 1996). Em 12 Abril de 2017, Anvisa

e INPI assinaram a Portaria Conjunta nº 1 regulamentando os procedimentos para a aplicação

do artigo 229-C da Lei nº 9.279. O novo formato determina que caberá à Anvisa a análise de dados relacionados à saúde e, ao INPI, a avaliação de dados de patenteabilidade (inovação, atividade inventiva e utilidadade industrial). Em temas considerados de fronteira, as regras serão definidas por meio de entendimentos criados por um grupo intersetorial, com representantes tanto da Anvisa quanto do INPI. Assim, ainda que a Anvisa não atribua

inovação ao pedido, valerá a avaliação final do INPI (PAGLIOLI, 2018;ALVES, 2018).

Esta medida diminui a tensão entre os dois órgãos e não piora o prazo para concessão das patentes, que continua muito longo por parte do INPI, o que inibia e desestimulava ainda mais iniciativas inovadoras de empresas que investem em medicamentos estratégicos (como para tratamento do câncer e doenças negligenciadas), sem falar das micro e pequenas empresas, startups e Institutos de Tecnologia (ICTs). Para isso, o INPI tem lançado iniciativas para acelerar o pedido de patentes destes casos, embora algumas iniciativas sejam por tempo

limitado (INPI, 2017).

E quando se fala em patentes e acesso, a maioria das pessoas apenas considera preço. Entretanto, o conceito de acesso é muito mais amplo e custo está longe de ser a única barreira ao acesso. Também não é apenas um problema técnico que envolve logística no transporte da tecnologia de um produtor para o usuário final. Acesso também envolve valores sociais, interesses econômicos e processos políticos. Por isso, outras barreiras ao acesso incluem capacidade limitada de sistemas públicos de saúde, falta de comprometimento político com a melhoria da saúde, corrupção no setor público e privado, disputas de patentes, atitudes culturais em relação a doenças e tratamentos e dificuldades na distribuição, prescrição, entrega e uso dos produtos. Raramente problemas de acesso são resolvidos simplesmente com mais dinheiro. Similarmente, direito de propriedade intelectual pode se constituir uma formidável barreira de acesso a novos produtos, mas removendo-se barreiras de patente não se cria imediata e, necessariamente, acesso. As soluções sempre envolverão estratégias perceptivas, econômicas e políticas mais abrangentes (FROST; REICH; OTHERS, 2008; OPAS, 2009).