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CAPÍTULO IV RESULTADOS E DISCUSSÃO 1

4.7 DIMENSÃO: Cultura Em Inovação 1

4.9.2 Planejamento estratégico e governança

Apesar da existência de uma extensa Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde (ANDRADE, 2015) e de uma Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa em Saúde de 2005 (CAVALCANTI; SOBRINHO, 2017), as Parcerias de Desenvolvimento Produtivos evidenciaram que o Ministério da Saúde tem dificuldades em fazer projeções de mercado que orientem seus esforços na área de medicamentos. A falta de critérios claros em relação aos medicamentos que foram priorizados nas listas de estratégicos para as PDPs demonstrou a dificuldade de planejamento estratégico no curto, médio e longo prazos em relação à transferência de tecnologia de medicamentos e, consequentemente, possíveis estímulos a inovações. Isto ficou evidenciado com as diversas críticas realizadas pelo entrevistados em relação às listas de prioridades de medicamentos para nortear as PDPs (Anexo 02):

[...] a lista não reflete as nossas demandas, em sua totalidade [...] Até mesmo porque o ministério ainda não tem um mecanismo bem definido, com critérios bem estabelecidos, para dizer se um produto vai ou não para uma lista de estratégicos. A

gente, por exemplo, não faz pesquisa de mercado... nós olhamos o todo, claro, a gente tem este tipo de avaliação, mas é uma avaliação ainda muito superficial. A gente não adentra a detalhes, a gente por exemplo, não tem mecanismo de controle, de monitoramento de um horizonte tecnológico, do mercado... enfim, para identificar o que é tendência (Entrevistado 10).

[...] as cinco listas chegaram a eleger como estratégicos mais de 200 produtos... Eu faço essa crítica, e todo mundo faz, que exageraram no que foi considerado estratégico (Entrevistado 12).

[...] a última lista de produtos estratégicos tinha uma infinidade de produtos que a gente nem sabia... por exemplo, a gente estava lá nas reuniões aí tinha o especialista de medicamento oncológico e dizia ‘porque este produto está aqui?, este produto não é estratégico’. Teve todo este tipo de coisa . Era uma lista muito ruim, muito inchada

(Entrevistado 13).

Então cada lista de estratégico tinha uma tonelada de coisas [...] Isso é estratégico para o país? É, naquele momento, mas isso a longo prazo é estratégico? Não. Então ela não deveria entrar na lista de estratégico para PDP (Entrevistado 11).

Considerando que o Ministério da Saúde é o órgão mais indicado para gerar demandas na área de medicamentos, esta dificuldade de priorização pode evidenciar que o planejamento estratégico em prol de inovações na área de medicamentos, por exemplo, ainda é uma fragilidade que precisa ser reavaliada e que pode ser decorrente de muitas outras atribuições do Ministério:

Mas nós temos um sistema muito fragmentado porque o Ministério da Saúde é um mundo e as pessoas são muito preocupadas com o dia-a-dia...claro que tem algumas pessoas que pensam estrategicamente, em desenvolvimento industrial...mas mesmo essas áreas sofrem pressões de outras áreas, de órgãos de controle.... (Entrevistado

13).

É preciso que inovação em medicamentos entre na lista de prioridades do governo, o que converge com a geração de Políticas discutidas anteriormente:

Inovação em medicamento é prioridade do governo? É difícil dizer porque a gente está num momento de transição de governo e hoje a gente tem mandatos muito pouco claros (Entrevistado 12).

Porque se cada governo acha que é uma coisa (as vezes nem mudou o governo, mudou só o ministro e já acha que é outra coisa, no mesmo governo) e cada um quer mudar a regra (eu sei porque já teve 16-17 normas, resoluções, decreto, portaria... cada um que chega quer fazer uma portaria nova, uma norma nova... então não dá.). Afinal de contas, qual é o projeto? É para fazer o quê realmente? (Entrevistado 7). [...] o ministério teria que focar mais e definir prioridades, o que é realmente prioritário. E isso não foi feito...então, ele vai de saúde à área espacial ...é claro que

cada área vai querer defender o seu, o que é prioritário, o que não é e é edifício para o Ministério tomar essa decisão do que ele vai priorizar.... (Entrevistado 11).

As atribuições e convergências entre órgãos do governo quanto a possíveis ações em favor da inovação também se confundem. Embora coubesse ao Ministério da Saúde determinar as prioridades para inovação e produção em medicamentos, a falta desta diretriz alinhada às suas inúmeras atribuições também esbarram em questões relacionadas à governança, já que não é incomum ações em duplicidade com o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), que,por sua vez, também tem uma agenda diversificada:

Hoje a pesquisa e inovação em saúde está dispersa e a ideia de elaborar esse plano de ação é centralizar todos os esforços para evitar duplicidade de esforços . Às vezes a gente lança um edital e o Ministério da Saúde lança uma coisa semelhante. Então a ideia é somar esforços, convergir, para que a gente consiga trabalhar alinhado

(Entrevistado 11).

Como mencionado acima pelo Entrevistado 11, para minimizar duplicidades, um “Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação para Saúde” foi publicado pelo MCTIC em 2018 (MCTIC, 2018). Com previsão de investimentos bastante tímidos e no curto prazo (até 2022, ano do término do atual governo), o Plano possui 7 linhas temáticas bastante extensas, o que também pode passar a imagem de falta de foco, já que inclui praticamente todo o setor farmacêutico, incluindo dispositivos médicos e saúde digital a saber: “1) ensaios pré-clínicos, incluindo métodos alternativos à experimentação animal; 2) prevenção, controle, diagnóstico e tratamento de doenças transmissíveis emergentes e reemergentes; 3) diagnóstico e tratamento de doenças crônicas não transmissíveis; 4) fronteira do conhecimento, particularmente em medicina personalizada e medicina regenerativa, incluindo células-tronco e terapia celular; 5) insumos para a saúde (fármacos, biofármacos, imunobiológicos, kits diagnósticos, biomateriais, equipamentos e dispositivos) e domínio tecnológico para sua produção; 6) pesquisa clínica; e 7) pesquisa e Inovação em Saúde Digital – e-Saúde” (MCTIC, 2018).

Além de cada área temática ser bastante ampla, os objetivos e metas propostos pelo referido Plano de Ação poderiam se apresentar de forma mais Específica, Mensurável, Atingível, Relevante e Temporal (“metas SMART”), o que pode facilitar uma gestão estratégica eficiente, segundo O’Neill e Conzemius (2006):

Atividades e metas

i.Apoiar a estruturação de plataformas de cooperação entre Redes de pesquisa que atuam em PD&I em ensaios pré-clínicos, incluindo métodos alternativos à experimentação animal.

Meta: Apoiar, no mínimo, 1 projeto de cooperação na temática.

ii.Apoio a projetos por meio de chamadas públicas e encomendas para apoio a projetos de PD&I em ensaios pré-clínicos em condições de BPL, incluindo métodos alternativos à experimentação animal.

Meta: Apoiar, no mínimo, 1 projeto de cooperação na temática. iii. Capacitar laboratórios em métodos alternativos ao uso de animais.

Meta: Apoiar, no mínimo, 1 projeto para internalização dos métodos previstos na RN 18 e RN 31 do CONCEA (MCTIC, 2018)

A carência de prioridades evidenciada por este Plano no que tange à encomenda tecnológica de algum tipo de medicamento ou terapêuticafoi demonstrada ao se analisar os programas dos Ministérios da Saúde e da Ciência, Tecnologia e Inovação, respectivamente, no Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento13 (SIOP), presente no Apêndice 10, onde é possívelverificar que os “programas, objetivos, metas, ações e iniciativas”suscitam questões que quanto a um planejamento estratégico que seria importante na alavancagem do Brasil na fronteira tecnológica do conhecimento desta área, como por exemplo: em que conhecimentos e tecnologias referente a cadeia de P&D de medicamentos o Brasil está investindo? Que patologias convergem com estas tecnologias? Quais são os resultados esperados, ou seja, quais metas concretas espera-se atingir e em quanto tempo? Que tipo de pesquisas estão sendo feitas para atingir estes objetivos? Como será feito o acompanhamento de resultados ao longo do tempo?

4.9.3 Gestão por conhecimento

Com um planejamento estratégico focado, a gestão das atividades relacionadas à pesquisa e inovação em medicamentos torna-se importante especialmente quando os recursos são limitados. Em uma área science-based como inovação em medicamentos, é preciso considerar as etapas de pesquisa e desenvolvimento de forma encadeada e através de uma visão sistêmica. Assim, para esta área talvez seja necessário repensar a gestão dos atuais e futuros recursos públicos com base nos princípios de Gestão do Conhecimento por meio de redes (SINGH, 2005; COWAN, 2005).

13

SIOP: sistema informatizado que suporta os processos de Planejamento e Orçamento do Governo Federal ( http://www1.siop.planejamento.gov.br/acessopublico/?pp=acessopublico&ex=0&fp=inicio)

Assim,através de uma gestão da inovaçãoseria possível coordenar a quantidade de pesquisas em determinadas áreas terapêuticas, assim como gerenciar a conexão entre as etapas da cadeia de pesquisa e desenvolvimento de determinada droga, nos princípios de uma gestão por conhecimento (DYER; NOBEOKA, 2000):

Por exemplo, eu já fiz essa pergunta no Ministério da Saúde “quem trabalha com zika? Vocês sabem todas as pesquisas que estão sendo feitas com zika, com recursos públicos?” Ninguém sabe. Porque tem umas aqui, o MCTICC tem ali, a CAPES tem ... Então não existe um sistema que você, por exemplo, como gestor público, estivesse lá dentro e pudesse ver o que está sendo feito de inovação com recurso público (Entrevistado 13).

A gente vê que o governo fomentou diferentes etapas do desenvolvimento de medicamentos desde a pesquisa básica, passando pelo pré-clínico e clínico...só que isso é muito disperso...Todo o nosso esforço no momento, considerando o cenário orçamentário de terra arrasada, é alinhar essas ações... para esse pessoal para trabalhar em conjunto. A grande contribuição do Ministério que eu vejo no momento é gestão [...] (Entrevistado 11).

Com base nos imputs dos entrevistados, realizou-se uma sondagem nos temas de pesquisa financiadas pelo SUS entre os anos de 2015 a 2019 (Apêndice 11), onde verificou-se que as atuais categorias de “subagenda” e “setor de aplicação” não seriam suficientes para identificar que pesquisas poderiam ser usadas em determinada etapa de P&D de um medicamento para alguma doença, por exemplo (BRASIL, 2019); o mesmo não é alcançado através da Plataforma Lattes em seus campos de pesquisa no website (CNPQ, 2019). A menos que um sistema novo fosse totalmente criado para este nível de detalhamento e cruzamento e dados, estes ou outros sistemas atualmente utilizados poderiam ser adaptados para acomodar estas informações. Isto não só contribuiria para um gerenciamento mais efetivo pelo setor público quanto ajudaria buscas de oportunidades pelo setor privado.

Com direcionamento claro por parte do Ministério da Saúde, o CNPQ poderia auxiliar na gestão deste conhecimento através das pesquisas a serem realizadas sob encomenda tecnológica do MCTIC:

[...] a ideia é harmonizar as políticas públicas porque o CNPq é a agência que vai executar . Então a gente contrata o CNPq pra fazer a chamada pública; o CNPq é a ferramenta para executar a política pública com o orçamento nosso ou do Ministério da Saúde (Entrevistado 11).

Ao contrário da produção de medicamentos, onde a logística e os arranjos produtivos são importantes, o mercado já sinalizaque as etapas da cadeia de P&D de medicamentos não precisam se concentrar em um só lugar.

Por exemplo, o gerenciamento por parte do governo poderia ser inspirado no tipo de gerenciamento realizado pelas ONGs nas PDPs internacionais assim como por algumas empresas brasileiras em um conceito de inovação aberta e em rede, ou seja, através de P&D Virtual, já exposto por Collier (2010), Wang (2015) e Schuhmacher (2018):

[...] a DNDI atua coordenando essa rede em um método claro de construção de capacidades. Atua assim sem fins lucrativos como uma farma virtual. Não tem nenhum laboratório . Tudo feito fomentando parcerias em todas as esferas, público, privado, governo, instituição de pacientes, tudo o que precisar (Entrevistado 19).

Fazemos um P&D virtual. Nós não temos um P&D verticalizado muito menos no Brasil. Nós terceirizamos tudo e muitos não existem aqui (Entrevistado 8).

[...] foi o que eu disse, é uma inovação virtual; é a gestão dos parceiros que contratamos, desde a clonagem até a fase clínica (Entrevistado 11).

Gerenciar a conexão entre as etapas da cadeia de pesquisa de determinadomedicamento poderia estimular grupos de pesquisa especializados a se conectarem para dar continuidade a este desenvolvimento até, pelo menos, a etapa pré-clínica em um modelo de rede de inovação, há muito falado por Lundvall (1992):

Quero identificar alvos para um câncer de pâncreas; vou pesquisar uma instituição [...] que domine ferramentas moleculares capaz de identificar alvos através de proteômica, genômica, etc e também que tenha capacidade de gerar anticorpos com as tecnologias mais modernas ou que se associe a um grupo que tenha (porque é difícil ter tudo em um só lugar) (Entrevistado 8).

De acordo com entrevistados, a adoção de“plataformas de conhecimento” deve ser utilizada no Brasil:

Aí você tem que ir além do produto. As PDPs são por produto. Então, assim...eu tenho que fazer rivastigmina transdérmica. O cara vai fazer rivastigmina transdérmica (!). Não, eu tenho que dominar a plataforma de transdermia. Esse é o jogo. E o primeiro produto que vou testar isso é a rivastigmina transdérmica, entendeu? (Entrevistado 6).

Quero identificar alvos para um câncer de pâncreas; vou pesquisar uma instituição que tenha esta plataforma bem estabelecida, que tenha cultura primária de

edemocarcinoma, que tenha ensaio celular que simule aquilo, que domine ferramentas moleculares capaz de identificar alvos através de proteômica, genômica, etc e também que tenha capacidade de gerar anticorpos com as tecnologias mais modernas ou que se associe a um grupo que tenha (porque é difícil ter tudo em um só lugar) (Entrevistado 8).

O conceito de Plataformas de Conhecimento já foi regulamentado pelo Decreto 8269/2014 (BRASIL, 2014b) que instituiu o Programa Nacional de Plataformas do Conhecimento (PNPC), com objetivos de relizar encomenda tecnológica e estimular a parceria entre empresas e instituições de pesquisa científica e tecnológica através de contratação regulada pela Lei de Inovação (BRASIL, 2004). Entretanto, considerando as manifestações dos entrevistados acima, esta parece ser mais uma regulamentaçãoo que não “pegou” no Brasil.