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CAPÍTULO II – REFERENCIAL TEÓRICO

2.3 DIMENSÃO: Modelos De Inovação

2.3.2 Atores do sistema nacional inovação

2.3.2.1 Sistema Nacional de Saúde

2.3.2.1.1 Histórico do setor farmacêutico no Brasil *

Considerando a importância dos medicamentos na manutenção da saúde, torna-se importante revisitar o histórico do setor farmacêutico no Brasil, que começou a se estruturar na década de 1930, quando a produção local era pequena e dependente da importação de insumos. Restrições ao comércio exterior, impostas durante a Segunda Guerra Mundial, tiveram como resultado, do ponto de vista do País, a intensificação de esforços para a produção local de medicamentos. No final dos anos de 1950 e em decorrência, seja do processo de multinacionalização de empresas dos países desenvolvidos seja da adoção da política de substituição de importações, diversos representantes da indústria farmacêutica instalaram-se no País, transformando radicalmente o perfil e modus operandi da indústria brasileira (GADELHA; MALDONADO, 2007).

Anteriormente, a produção e comercialização eram realizadas de forma artesanal e familiar, em boticas, por pequenas empresas nacionais e baseava-se em extratos naturais vegetais e em produtos minerais. O maior avanço a que se chegara, cujas origens remontam ao início do século, dava-se na área de produtos biológicos, notadamente, em soros e vacinas. Neste processo, papel destacado tiveram os institutos públicos de pesquisa, como o Instituto Oswaldo Cruz e o Instituto Butantã que, com base em experiências internacionais, se constituíram em pólos geradores de conhecimentos científicos e tecnológicos sobre a qual avançava a produção local de imunobiológicos (EDLER, 2006).

A presença de filiais das grandes corporações multinacionais, com seus padrões competitivos e tecnológicos, originou um processo de destruição criadora de cunho schumpteriano, eliminando empresas locais e relegando as sobreviventes um papel meramente secundário. Entretanto, esta conformação se deu de modo parcial, isto é, não ocorreu uma interiorização completa da estrutura produtiva e tecnológica vigente nos países desenvolvidos. Em virtude da inexistência de fatores endógenos (como, por exemplo, política industrial setorial e/ou estratégias ativas de empresas nacionais) e das próprias estratégias das multinacionais, montaram-se estruturas de produção e comercialização centradas em medicamentos, mas não ocorreu um processo de integração, salvo raras exceções, para a área de fármacos, muito menos para a P&D (ANDRADE, 2014).

Assim, em termos de vendas, já na década de 1970 o Brasil representava o 1o mercado latino- americano e o 7o do mundo, num quadro onde a oferta interna de medicamentos praticamente supria todo o mercado nacional, todavia, dependente da importação de fármacos e de intermediários. A participação de empresas estrangeiras no mercado nacional neste período situava-se em torno de 77%. Na década de 1980, um aparato institucional favoreceu o surgimento de iniciativas locais em fármacos: política de compras do Ministério da Saúde, mecanismos de proteção do mercado nacional via restrição às importações, e a própria Lei de Patentes vigente que viabilizava mecanismos de reprodução de processos tecnológicos na área de fármacos (GADELHA, 2006).****

Num cenário de abertura comercial e de valorização cambial, a indústria tornou-se fortemente dependente de importações, que foram privilegiadas em detrimento da produção doméstica. No âmbito das estratégias globais das empresas multinacionais, unidades farmoquímicas foram desativadas, tendo-se optado pela importação da matriz ou de outras subsidiárias. Com isso, o resultado das importações de insumos farmacêuticos e medicamentos, que recuou para U$ 8,4 bilhões em 2016 e 2017, atingiu sua máxima histórica de U$ 9,8 bilhões em 2018 (ABIQUIF, 2019).**

2.3.2.1.2 Sistema Nacional de Inovação em Saúde

A inovação em saúde envolve uma complexa teia de instituições, que englobam setores e cadeias produtivas, empresas, organizações de C&T, agências de regulação sanitária, de implementação de políticas industriais, científicas e tecnológicas, de políticas de saúde, de

propriedade intelectual, entre muitas outras. Em função de sua importância e complexidade, a saúde emerge como um campo estratégico para se pensar os desdobramentos analíticos, políticos e operacionais do conceito de Sistemas Nacionais de Inovação (SNI). Assim, considera-se que o Sistema Nacional de Inovação em Saúde representa a interface entre o SNI e o Sistema de Saúde, que constitui um componente importante do sistema de bem-estar (GADELHA et al., 2013).

Figura 4 - Sistema Nacional de Inovação em Saúde Fonte: Gadelha (2013)

Há, assim, uma discussão do conceito ao inseri-lo no contexto da conformação de estados de bem-estar em economias em desenvolvimento. Neste contexto teórico do programa de pesquisa em torno dos Sistemas Nacionais de Inovação em Saúde, se desenvolveu o conceito de Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS) que privilegia a relação entre as inovações e a estrutura produtiva (GADELHA, 2006; GADELHA et al., 2013; GADELHA; COSTA, 2012):

Figura 5 - Morfologia do CEIS Fonte: Gadelha et al. (2013)

O esquema permite demarcar o CEIS evidenciando a existência de um conjunto particular de atividades econômicas que estão inseridas num contexto institucional e produtivo bastante específico. Conforme ilustrado, a produção em saúde envolve um espectro amplo de atividades industriais, possuindo um conjunto de setores, liderados pela indústria farmacêutica, que adotam paradigmas de base química e biotecnológica e outro conjunto formado pelas indústrias de equipamentos e materiais, cujas inovações fundamentam-se em paradigmas de base mecânica, eletrônica e de materiais. A produção de todos estes segmentos industriais conflui para mercados fortemente articulados, que caracterizam a prestação de serviços de saúde, hospitalares, ambulatoriais e de diagnóstico e tratamento, condicionando a dinâmica competitiva e tecnológica do Complexo.

O grande dilema para o Complexo da Saúde é que o contexto nacional se caracteriza por uma dupla desarticulação, tornando-o o elo fraco do Sistema Nacional de Inovação em Saúde: o afastamento da empresa em relação à base científica do País - fruto de sua baixa capacidade de inovação - e o descolamento da política de saúde da perspectiva do desenvolvimento industrial e da capacidade de inovação em saúde. O complexo mostra-se pouco articulado tanto com relação à base de conhecimento nacional – reconhecidamente forte na área da saúde - quanto com relação às estratégias nacionais para um desenvolvimento equânime e universal em saúde.

No campo da política tecnológica, as poucas experiências de sucesso observadas indicam que, para a transformação de conhecimentos em inovações, é necessária a concentração de esforços em segmentos produtivos específicos de forma articulada com o setor industrial. O descolamento entre a geração de conhecimentos no Brasil e as estruturas empresariais de desenvolvimento tecnológico está na raiz do atraso do sistema de inovação em saúde. Os casos de sucesso apresentaram como característica comum a confluência de ações para a geração de conhecimentos e para a obtenção de produtos em bases industriais, para o que a demanda do Estado vinculado ao setor de serviços de saúde representa um fator decisivo. Ou seja, a ação estruturante do Estado se mostra decisiva para o avanço tecnológico do complexo da saúde, não sendo suficiente a existência de ações horizontais concentradas apenas na infra- estrutura de C&T (GADELHA et al., 2013).

Estas e outras atuações do Estado como indutor e articulador dos diversos interesses que incidem sobre a geração de novas tecnologias, é importantíssimo para a geração de um Estado de Bem-Estar (CASSIOLATO; SOARES, 2015; MCTIC, 2016).

Na visão de Morel (2005), as grandes desigualdades na carga de doenças entre países desenvolvidos e em desenvolvimento podem diminuir através da capacidade de alguns países em desenvolvimento de empreender a inovação em saúde, através de parcerias entre atores de serviços e sistemas de atenção à saúde:

Figura 6 - Serviços e Sistemas de Atenção à Saúde Fonte: Morel et al. (2005)

Neste modelo, os sistemas de inovação em saúde têm múltiplos componentes, operando nos setores público e privado, incluindo os seguintes: educação, pesquisa, financiamento, manufatura, práticas de gerenciamento de tecnologia, regras de propriedade intelectual, regras regulatórias e mercados doméstico e de exportação (incluindo compras públicas). De acordo com Morel (2005), o sistema refere-se não apenas a esses componentes, mas também às interações técnicas, comerciais, legais, sociais e financeiras; as interligações entre componentes; e as políticas e práticas que os orientam.