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Acesso ao Patrimônio Cultural e à Memória Coletiva

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4. POR QUE, ENTÃO, LER OS CLÁSSICOS?

4.4. Acesso ao Patrimônio Cultural e à Memória Coletiva

As obras de arte em geral ─ não apenas as literárias ─ subsidiam a inserção do indivíduo no imensurável arquivo do gênero humano, confidenciando-lhe códigos do passado remoto que facilitam a cartografia do presente:

Mesmo que o espectador saiba que os eventos concretos de determinada obra artística estão completamente fora de sua vida, que pertencem ao passado, a força evocativa dessas obras reside no fato de que nelas é revivido e feito presente precisamente o próprio passado, e este passado não como sendo a vida anterior pessoal de cada indivíduo, mas como a sua vida anterior enquanto pertencente à humanidade (LUKÁCS, 1978, p. 268).

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Porém é a literatura, dentre as variegadas formas de arte, aquela que gerencia esse ingresso de modo mais acurado e prolífico, pois “seu instrumento penetrante é a língua” (COMPAGNON, 2009, p. 55) e, “Por depender só da palavra, a literatura, na verdade, tem uma força que as artes combinadas não possuem. Ela abre um espaço enorme à projeção do leitor” (FRANCHETTI, 2009, p. 3). Calvino (1990, p. 11) sacramenta: “[...] há coisas que só a literatura com seus meios específicos nos pode dar”.

Franchetti (2009, p. 7) afiança que “entre todas as artes, foi a literatura a que mais se identificou com o conceito de cultura, de civilização e de nacionalidade”. Logo, nela se ancora a

[...] incursão na tradição cultural, em uma espéciede praça pública onde se reúnem todas as perspectivas desde que os humanos contemplaram o mundo, ali onde ressoa o coro de vozes, o patrimônio dos textos, que se acumularam ao longo dos séculos. Cada texto, cada obra, se forma em relação com o que já foi dito pelos demais. Os livros [...] convidam a tomar assento nesse foro e a dele participar. Através de sua leitura, as crianças podem entender como funciona esse eco e estabelecer seu próprio diálogo pessoal com a tradição. [...] Definitivamente, as obras lidas ao longo da infância, como toda a experiência literária, propõem o acesso à formalização da experiência humana. [...] A comunicação literária se produz desde o início e o que progride é a capacidade de construir um sentido através dos caminhos assinalados. Isto sustenta a ideia educativa de que a formação leitora deve se dirigir desde o começo ao diálogo entre o indivíduo e a cultura, ao uso da literatura para comparar- se a si mesmo com esse horizonte de vozes (COLOMER, 2007, p. 62)

Machado (2001, apud COLOMER, 2007, p. 152) chega mesmo a classificar como roubo a interdição do legado erigido pelos clássicos:

Cada um de nós tem o direito de conhecer ─ ou ao menos de saber que existem ─ as grandes obras literárias do patrimônio universal [...] Vários desses contatos se estabelecem pela primeira vez na infância e na adolescência, abrindo caminhos que podem ser percorridos depois ou não, mas já funcionam como uma sinalização ou um aviso: “esta história existe... está a meu alcance. Se quiser, sei aonde posso ir busca- la”.

Ler literatura é uma forma de acesso a esse patrimônio, confirma que se está reconhecendo e respeitando o direito de cada cidadão a essa herança, revela que não estamos nos deixando roubar. E nos insere numa família de leitores, com quem podemos trocar ideias e experiências e projetar-nos em direção ao futuro.

Em outra publicação, Machado (2002, p. 18) alerta que

Temos de herança o imenso patrimônio da leitura de obras valiosíssimas que vêm se acumulando pelos séculos afora. Mas muitas vezes nem desconfiamos disso e nem nos interessamos pela possibilidade de abri-las, ao menos para ver o que há lá dentro. É uma pena e um desperdício. [...] Porque eu sei que é um legado riquíssimo, que se trata de um tesouro inestimável que nós herdamos e ao qual temos direito.

Uma das preocupações que dão a tônica deste trabalho é justamente a de permitir que o aluno de nono ano do Ensino Fundamental cruze o portal e caminhe no rico pátio desse espólio.

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Porque “Ensinar Literatura [...], em sentido amplo, é criar as condições para que o estudante, o leitor em formação, possa tornar-se ele também um herdeiro desse manancial” (FRANCHETTI, 2009, p. 7).

“A nós, adultos, nos cabe transmitir às novas gerações essa herança frágil, essas palavras que ajudam a viver melhor”, lembra Todorov (2014, p. 94). É incumbência da escola arrancar de gavetas trancadas, cofres extraviados e baús ocultos o grande testamento da humanidade, que consigna a sucessivas gerações a sua memória coletiva, os seus valores civilizacionais.

. Há de se “dar a ler” (PENNAC, 1993, p. 97). Sozinho, o aluno raramente agarrará o seu quinhão. Uma das mais belas responsabilidades do docente é a de guiar essa aquisição: “Apesar de todas as desigualdades que a dilaceram, a escola constitui a oportunidade de cada aluno de atingir a obra-prima[...]; e é para introduzi-lo na obra-prima que a escola se faz mais necessária” (SNYDERS, 1993, p. 166).

Aproximar o aluno dos clássicos ─ aqueles livros que, nas palavras de Calvino (2007, p. 11), “chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram” ─ é pô-lo em condições favoráveis para combater o esquecimento, a barbárie, a ignorância; para resistir à “globalização de uma cultura ‘disneylandizada’ e a um ensino que apenas responda, passivamente, às demandas do mercado” (PERRONE-MOISÉS, 1998).

Quando o ensino escolar se exime de visitar, com o aluno, o panteão dos autores canônicos, proíbe-o de costurar as referências do patrimônio universal e de encontrar seu endereço no tempo, deixando-o à mercê de qualquer governo, instituição ou ideologia que faça tábula rasa de toda a experiência humana acumulada em milênios.

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5. PESQUISA SOBRE HÁBITOS DE LEITURA DO ALUNO DO

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