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Interpretação dos Resultados

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5. PESQUISA SOBRE HÁBITOS DE LEITURA DO ALUNO DO COLÉGIO PEDRO

5.1. Interpretação dos Resultados

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Figura 1

Embora a biblioteca do Campus Realengo II do Colégio Pedro II seja ampla, confortável e ─ o ponto mais relevante ─ muito bem abastecida de livros, é de se lamentar que, fora do perímetro escolar, mais da metade dos informantes nunca vá a outras bibliotecas. Esse dado mostra que a curiosidade pelos livros não os afeta; quisera tivessem sido fisgados pelo “êxtase puríssimo” ante “algumas linhas maravilhosas” (LISPECTOR, 1998, p. 12), como a narradora do conto “Felicidade Clandestina”, sôfrega pelo livro da vizinha, “para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o”.

Porém, é preciso frisar que o adolescente que, diferentemente da maioria, seja movido por esse ardor e deseje ir a bibliotecas no Rio de Janeiro ─ como os oito que, na pesquisa, garantiram fazê-lo toda semana ─ não encontra facilidade alguma. Há cerca de trinta bibliotecas municipais no Rio, cidade cuja população gira em torno de 6.500.000 habitantes. Média nada animadora: uma biblioteca municipal para cada 216.666 pessoas. A imponência da Biblioteca Nacional e do Real Gabinete Português de Leitura, ambos localizados no centro da cidade, não condiz com a debilidade da abandonada rede municipal.

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5.1.2. Questão 2

Figura 2

Apenas 105, dentre os 243 respondentes, disseram que leem os livros paradidáticos integralmente. No Colégio Pedro II, solicita-se que o aluno leia, em regra, três obras no transcurso de um ano letivo, visto que o regime é trimestral. Os números da pesquisa revelam que essa demanda não é atendida por mais de 56% de seus alvos. Uns poucos simplesmente não leem nada ou recorrem ao prosaico subterfúgio de pedir a um amigo que conte a história. Já 47% dos informantes leem resumos na internet; trata-se de manobra que, ao longo deste século XXI, proliferou-se como uma praga na rotina escolar.

O adolescente a efetua porque julga estar extraindo dela alguma vantagem. Na verdade, leva adiante uma inconsciente forma de autossabotagem. A escola deve estar preparada para prever que a internet, com suas soluções ligeiras, seduzirá o aluno. E, deixando de ler a boa literatura, ele terá seu raciocínio podado, sua imaginação encabrestada, seu personalismo linguístico obliterado. O freio proposto por Türcke (2010) e o cultivo da admiração pela obra- prima (SNYDERS, 1993) talvez possam aplacar esses danos e reverter a situação; por isso, tomarão parte na proposta de mediação deste trabalho.

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5.1.3. Questão 3

Figura 3

Menos de 13% dos alunos submetidos ao questionário vão à biblioteca do Campus Realengo II para procurar livros, ação que seria, teoricamente, a mais adequada para o espaço. Escarafunchar as prateleiras e apossar-se de um livro: minguados 31 informantes entregam-se à mesma compulsão sentida por Manguel (1997, p. 29):

Quando tinha dezesseis anos, em 1964, arranjei um emprego depois da escola na Pygmalion, uma das três livrarias anglo-germânicas de Buenos Aires. A dona [...] me confiou a tarefa diária de tirar o pó de cada um dos livros da loja ─ método que [...] faria com que eu ficasse conhecendo rapidamente o estoque e sua localização nas prateleiras. Infelizmente, muitos dos livros tentavam-me para além da limpeza; eles queriam que alguém os segurasse, queriam ser abertos e inspecionados, e às vezes, nem isso era suficiente. Umas poucas vezes roubei um livro tentador; levei-o para casa, enfiado no bolso do casaco, porque eu não tinha apenas de lê-lo: tinha de tê-lo, de 66hama-lo de meu.

As opções deste item do questionário não incluíram a ação de ler pois está subentendido que, após procurar um livro, o aluno o lerá, em casa, na condução ou até na própria biblioteca, em que pese o burburinho costumeiro. O silêncio que se esperaria de um templo da leitura há muito deixou de existir. Manguel (1997, p. 60) comenta que “Atualmente, nem a British Library, nem a Biblioteca Nacional ficam em completo silêncio: a leitura silenciosa é pontuada

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pelos estalidos dos computadores portáteis, como se bandos de pica-paus morassem dentro das salas cheias de livros”. A segunda alternativa mais escolhida no item 3 foi justamente “usar os computadores”, que só não teve marca ainda mais expressiva porque o uso de redes sociais é bloqueado pelo sistema. Serres (2015, p. 44) adensa a discussão sobre o motivo do ininterrupto palrear de recintos outrora muito menos ruidosos:

Formando-se bem cedo, na educação infantil, a onda do que se chama tagarelice vira tsunami durante o ensino fundamental e acaba alcançando o ensino superior, com as salas de aula submergindo, se enchendo pela primeira vez na história de um burburinho permanente que torna difícil ouvir o que quer que seja, ou que torna inaudível a antiga voz do livro. É um fenômeno tão generalizado que não se presta atenção nele. A Polegarzinha não lê nem quer ouvir o escrito recitado.

Serres fala em tom elogioso sobre esse fenômeno, postura com a qual a visão expressa neste trabalho não transige, por considerar que esse barulho de fundo contínuo é nocivo à atenção, à concentração, e, por tabela, à formação geral do aluno.

5.1.4. Questão 4

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Quase 62% dos recenseados responderam que em suas residências há mais de 25 livros não-utilitários. O número decerto tem ligação com o fato de que, nas fileiras do Colégio Pedro II, existem muitos estudantes provenientes de escolas particulares caras; o livro, no Brasil, é um produto igualmente caro, com o qual só podem arcar as famílias razoavelmente abastadas e dispostas a investir em educação, custeando mensalidades onerosas de colégios privados.

Não se consegue saber, com a pergunta 4 do questionário, de que tipo são esses livros, nem se são realmente lidos ─ itens posteriores talvez possam dirimir essas dúvidas ─, mas ao menos já se insinua a certeza de que não são artigos tão escassos na maioria dos lares.

5.1.5. Questão 5

Figura 5

Empate técnico: o duo nunca/raramente recebeu somente um x a mais que o par às

vezes/sempre. A escola tenta fazer esses dois afluentes de margens opostas confluírem para os

mesmos caudalosos calhamaços, sem ignorar que em muitos casos estão na família a nascente e o curso de um leitor. Pais que compartilham o prazer da leitura com os filhos fazem brotar as cabeceiras de um majestoso rio que desemboca anos mais tarde em mesas de cabeceira. Em famílias nas quais a literatura não tem vez, porém, adia-se essa iniciação:

69 [...] uma causa importante de discriminação no acesso à linguagem escrita se deve ao fato de que em algumas famílias o uso da língua é muito limitado, antes mesmo, utilitário, tratando de situações imediatas, enquanto o prazer de jogar com a língua, de contar histórias, não tem lugar. Quando as crianças dessas famílias entram em contato com a escrita, que se desenvolve precisamente no registro da língua do relato, do tempo diferenciado, faltam-lhes pontos de referência, e levam muita desvantagem em relação àqueles que se beneficiam, no seio de suas famílias, [...] da narração. (PETIT, 2009, p. 81)

5.1.6. Questão 6

Figura 6

Mais de 25% dos respondentes jamais adquirem livros por vontade própria. O alarmante dado estatístico parece ser o corolário de um odioso casamento entre certa aversão aos textos literários ─ comprovado pelo menosprezo ao livro até mesmo dentro da biblioteca ─ e recursos parcos ─ é o caso de grande parte dos alunos advindos de escolas municipais. A pobreza por vezes decreta outras prioridades na vida do jovem, tolhendo seu potencial de leitura:

Embora haja leitores em todas as classes, a distribuição de livros acompanha a distribuição de renda no país: não há maior quantidade de compradores (e talvez de leitores) pois os livros custam caro e as pessoas ganham pouco. [...] Mas é preciso criar condições sociais para que o desejo de ler torne-se realidade, enfrentando as violentas desigualdades sociais brasileiras [...]

70 Para fazer deste um país de leitores será [...] distribuir melhor a renda, [...] para que mais gente possa comprar livros [...]

[...] as pessoas [...] não compram livros devido ao custo dos impressos e à falta de dinheiro. Como ficou claro acima, não se trata de um problema com a leitura mas de um problema econômico ─ não compram livros assim como não compram carne ou iogurte. Essa é uma situação injusta e que se torna mais aguda pela precariedade da rede de bibliotecas. Leitores não precisam ser compradores de livros. Deve ser papel do governo, na área específica da leitura, aumentar o número de bibliotecas públicas no país e ampliar seus acervos, muito mais do que envolver-se em campanhas publicitárias de estímulo à leitura. (ABREU, 2001)

Em contrapartida, a pesquisa mostra que quase 75% dos alunos compram livros de literatura pelo menos uma vez por ano. É, inegavelmente, um alento, embora as respostas ao item 8 do questionário deixem claro que volumosa fatia desse consumo é direcionado a best-

sellers juvenis, os quais enfeitam as vitrines das livrarias, em detrimento dos clássicos, em geral

relegados à invisibilidade.

5.1.7. Questão 7

Figura 7

Pode-se qualificar como bastante alvissareiro o recado dado pelo item 7: quase metade dos informantes afirma ler no mínimo 3 livros de narrativas ou de poemas no decurso de um ano, já descontando os paradidáticos. Feita novamente a ressalva sobre o mérito literário do que

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leem ─ tópico cujo desbravamento se dará no item 9 ─, não deixa de ser auspiciosa a mensagem enviada pelos jovens leitores do Campus Realengo II do Colégio Pedro II.

Provavelmente, o questionamento do item 7 não traria respostas tão positivas em outras instituições de ensino. O filtro pelo qual a atual geração de alunos da 3ª série do Ensino Médio passou, no concurso de admissão, foi muito rigoroso, de modo que passaram a integrar o corpo discente do colégio somente os melhores alunos das escolas públicas e particulares da região. Sendo assim, é natural que, dentro desse recorte sociocultural e acadêmico, a empolgação com a leitura esteja num patamar um pouco mais alto.

Por outro lado, o saldo geral do questionário não escondeu a crise ─ termo um tanto desgastado pelo uso nesse contexto, mas ainda cabível ─ que a leitura literária atravessa. A mera constatação de que, em outros universos, as estatísticas atingiriam níveis ainda mais aterradores não pode ser tida como um paliativo para se festejar.

5.1.8. Questão 8

Figura 8

Diante de tamanha supremacia da leitura virtual ─ o primeiro, o segundo, o terceiro e o quinto colocados da enquete foram, respectivamente, whatsapp, facebook, sites/blogs e twitter ─, sobra o consolo de contos, novelas e romances terem aparecido num honroso quarto lugar.

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Nem mesmo as revistas em quadrinhos, em outras épocas uma fonte de lazer bastante popular entre os jovens, ameaçam a onipresença da internet, que rouba também o tempo para os jornais e para os demais tipos de revista.

Catapultar os clássicos da literatura universal aos primeiros postos desse ranking, democratizando o acesso à riqueza cultural de que eles são depositários, é um desafio dos mais complicados. Muitos estudiosos contemplam esse cenário povoado por memes e pensamentos de 140 caracteres com autêntico otimismo, contentando-se com a tese de que “nunca se leu tanto” quanto nos dias atuais ─ repetem-na à exaustão, como um mantra, em artigos científicos.

5.1.9. Questão 9

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Sobressai, à primeira vista, a dianteira ocupada por Alice no País das Maravilhas, com 119 marcações. A explicação é simples: no 6º ano do Ensino Fundamental, os estudantes que hoje se encontram na 3ª série do Ensino Médio tiveram, a título de leitura obrigatória, contato com a narrativa de Lewis Carroll. Consta que muitos apreciaram-no. Irrompe, então, uma queixa: por que, ao longo dos sete anos de Colégio Pedro II, não se estendeu aos outros clássicos presentes da lista do item 9 a indicação escolar? Talvez por um apego excessivo à brasilidade ─ discorrer-se-á a respeito na metodologia ─ ou pela tentativa desajeitada de abarcar no trabalho com paradidáticos uma imensidão de gêneros discursivos.

Propositalmente, foram espalhadas, entre os componentes do rol apresentado no item 9 (em sua maioria, clássicos literários considerados mais palatáveis para jovens leitores), algumas leituras não-canônicas, afeitas ao gosto do adolescente médio, como Harry Potter, Percy

Jackson, Crepúsculo, Jogos Vorazes, Divergente, A Culpa é das Estrelas, A Menina que Roubava Livros e As Crônicas de Nárnia. Não por acaso, alcançaram elas maciça pontuação.

Isso confirma a suposição, já aventada em subtópicos anteriores, de que a porção majoritária dos livros que os alunos dizem ter lido corresponde a recentes triunfos comerciais da indústria livresca. Em alguns pontos deste trabalho ─ mormente no capítulo 3 ─, reconheceu-se que essa literatura de massa infanto-juvenil tem seu valor, visto que lavra a vocação leitora incipiente, preparando-a para jornadas em terras mais pedregosas, nas quais se “obstrui a leitura fluviante, flutual” (MELO NETO, 1966, p. 53); ao mesmo tempo, ressaltou-se que esse pontapé inicial o aluno quase sempre desfere sozinho, sem ingerência do ensino formal, o qual deve intervir, aí sim, em favor das formas mais elaboradas, isto é, dos clássicos, cujo volume de lembranças foi bem mais modesto na pesquisa.

Isso posto, é importante sinalizar que causou certa estranheza a expressiva quantidade de marcações de alguns clássicos, como Dom Quixote (33), Os Três Mosqueteiros (18),

Orgulho e Preconceito (26), Robinson Crusoé (16) e Os Miseráveis (16), por exemplo.

Conjetura-se que, apesar de as orientações terem sido bem claras, alguns alunos insistiram em registrar reminiscências de filmes, de versões da literatura infantil e de desenhos animados em suas respostas. Fica também a impressão de que muitos ficaram receosos de preencher um número pequeno de lacunas. Mesmo não havendo identificação na folha de respostas, havia a pressão tácita do colega ao lado e até uma cobrança do aluno para consigo próprio.

Alguns alunos chegaram mesmo a deter-se, enlevados, ante a lista de livros. Um copiou- a apressadamente no caderno, outro quis saber onde encontrá-los. Admira que a escola esteja

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sempre perdendo o timing de inflamar esse combustível encantatório imanente às obras-primas da literatura mundial. É hora de virar essa página.

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6. METODOLOGIA

Procurou-se, durante os estudos que culminam com esta dissertação, eleger os pontos nevrálgicos de uma estratégia capaz de vir a efetivar o encontro do aluno do nono ano do Ensino Fundamental com os clássicos da literatura. Mesclaram-se ideias, princípios e dicas de alguns autores que embasaram a pesquisa ─ Colomer (2007), Snyders (1993), Pennac (1993) e outros ─, de modo a fazer surgir a tática a ser implementada. Além do suporte teórico, fatores mais concretos e circunstanciais, como a realidade e o momento do Campus Realengo II, as particularidades da turma de nono ano envolvida no trabalho, a disponibilidade de tempo, espaço e material para as atividades sugeridas e outras contingências do cotidiano foram ajudando a balizar o planejamento e a fixar seus eixos norteadores.

Doravante, explicitar-se-ão os elementos desse arranjo metodológico.

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