Uma das explicações para os longos períodos de ocultamento vivenciados pela
humanidade está no fato de as pessoas, mais precisamente as autoridades políticas,
administrativas e religiosas, valerem-se do sigilo como uma forma de se manterem no poder.
Nos estudos de Batista (2012) e Oszlak (2013) é possível compreender a informação como fonte
de poder. O governante, por exemplo, que desejava se manter no poder, valia-se do sigilo como
forma de evitar o risco de perder a sua permanência no cargo exercido. As informações eram e,
em muitos casos ainda são, manipuladas de forma a garantir a manutenção dos seus detentores
no poder. Dar acesso às informações significava abrir mão do poder, da posição, do status.
Talvez isso explique, em parte, o fato de mesmo diante de legislações que garantem o amplo
acesso às informações públicas nos dias atuais, muitos gestores e governantes ainda criam
barreiras para fornecê-las.
No tocante ao Brasil, Jardim (1999) fala que a opacidade informacional é um elemento
estrutural do Estado brasileiro. A opacidade percebida por ele à época de seus estudos não era
uma questão de governo, tratava-se de um atributo do Estado e um tributo que a sociedade civil
pagava. O autor diz que a transparência do Estado entra na agenda política após 21 anos de
ditadura militar (1964-1985) e mesmo diante do processo de democratização do país, Jardim
(1999, p. 197) afirma:
A transparência informacional do Estado, prevista nos princípios constitucionais de 1988, permaneceu aquém da sua opacidade informacional, fenômeno historicamente associado ao projeto de Estado no Brasil e sua reprodução. Um traço histórico do Estado brasileiro, a opacidade constitui uma das suas características estruturais, expressa tanto em conjunturas de governos autoritários como naqueles de teores democráticos.
Para Jardim (1999), naquela época, as ações voltadas para desenvolver uma cultura de
transparência, forjadas no que ele chamou de acidentado percurso do Estado, eram insuficientes
para minimizar a histórica opacidade informacional enraizada no país. É possível compreender
melhor esse posicionamento do autor quando associamos suas afirmações com os estudos de
Nunes (2003) onde este revela que muitas das práticas patrimonialistas e burocráticas arraigadas
na cultura política do Brasil se constituem barreiras para o aperfeiçoamento da gestão pública
no país e Dutra (2015) aponta o sigilo ou opacidade informacional como uma dessas práticas.
Apesar de Jardim (1999) ter observado fortes limitações da transparência frente à cultura
do sigilo no país, não se pode negar que o Brasil já avançou bastante no que diz respeito a esse
tema. Uma prova disso, por exemplo, é a posição que o país atingiu no Global Right to
Information Rating 2016, estudo já mencionado anteriormente. O Brasil ficou em 22º no
ranking que é composto por 111 países, ficando à frente, inclusive, de países como Suécia,
Reino Unido, Canadá, Estados Unidos, Finlândia e Colômbia que promulgaram leis de acesso
à informação bem mais cedo que o Brasil.
A Constituição de 1988 foi um dos passos importantes nesse avanço, haja vista que
trouxe no bojo do seu art. 5º o direito fundamental de acesso à informação, presente no inciso
XXXIII:
Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (BRASIL, 1988).
O art. 37º da Constituição também é apontado por Amorim (2012) como outro
dispositivo constitucional importante sobre acesso à informação. Esse artigo põe a publicidade
como um dos princípios norteadores da administração pública. Para Amorim (2012), esse
princípio consagra que todos os atos praticados por qualquer agente público devem ter ampla
divulgação, a fim de se garantir a transparência da administração pública, pela qual se viabiliza
o controle desta. O art. 37º em seu parágrafo 1º diz:
A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos (BRASIL, 1988).
Dutra (2015) elenca alguns instrumentos normativos (leis e decretos) que também
trataram sobre o acesso à informação pública no Brasil antes de 2011 quando a LAI foi
aprovada, esses instrumentos foram dispositivos que contribuíram também para o avanço da
transparência no país, o Quadro 2 mostra uma síntese desses dispositivos.
Quadro 2 – Dispositivos normativos sobre acesso à informação anteriores à LAI
Lei/Decreto Conteúdo
Lei 8.159, de 1991
Trata da política nacional de arquivos públicos e privados e já previa que todos os cidadãos tinham direito de receber informações dos órgãos públicos, sob pena de responsabilização para aqueles que não cumprissem o prazo. Porém, não determina como se dará o acesso às informações. O capítulo que trata do acesso e do sigilo de documentos públicos, que previa, por exemplo, o sigilo de 30 anos (prorrogáveis por mais 30) aos documentos restritos relacionados à segurança nacional foi alterado pela LAI.
Lei 9.051, de 1995
Trata da expedição de certidões para a defesa de direitos e esclarecimentos de situações, estabelecendo um prazo de 15 dias para a expedição dos documentos a partir do registro do pedido no órgão expedidor.
Decreto nº 2.134, de1997
Tratava da categorização e do acesso aos documentos públicos e sigilosos. O decreto também estabelecia que todo órgão público que tinha documentos sigilosos sob custódia deveria constituir uma Comissão Permanente de Acesso. Foi revogado pelo Decreto 4.553/2002.
Quadro 2 – Dispositivos normativos sobre acesso à informação anteriores à LAI
(continuação)
Lei/Decreto Conteúdo
Lei 9.507, de 1997
Conhecida como Lei do Habeas Data, que regula o direito de acesso a informação e trata dos processos de Habeas Data. Considera público os bancos de dados que não sejam privativos dos órgãos detentores da informação e estabelece o prazo de 48h, a partir da apresentação do requerimento, para o deferimento (ou indeferimento) do pedido.
Decreto nº 2.910, de 1998
Estabelecia regras para a proteção de documentos e demais materiais de natureza sigilosa. Foi revogado pelo decreto 4.553/2002.
Decreto nº 2.942, de 1999 Tratava da política nacional de arquivos públicos. Foi revogado pelo Decreto 4.073 de 2002.
Lei Complementar nº 101, de 2000
Conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal, prevê a transparência na gestão fiscal, disponibilizando o acesso às informações referentes a despesas e receitas públicas.
Decreto nº 4.073, de 2002
Regulamenta a Lei 8.159/1991. Dispõe sobre o Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ) e sobre o Sistema Nacional de Arquivos (SINAR). Trata da gestão de documentos e das Comissões Permanentes de Avaliação de Documentos. Estabelece que arquivos privados de pessoas físicas ou jurídicas que contenham documentos relevantes para a história, a cultura e o desenvolvimento nacional podem ser declarados de interesse público e social por decreto do Presidente da República.
Decreto 4.553, de 2002
Dispunha sobre a proteção, classificação e acesso a dados, documentos e informações públicas de caráter sigilosos. Foi revogado pelo Decreto 7.845 de 2012.
Decreto nº 5.301, de 2004
Estabelecia a Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas e restaura os antigos prazos de sigilo de documentos. Revogado pelo decreto nº 7.845, de 2012.
Lei nº 11.111, de 2005
Regulamentava a parte final do inciso XXXIII do art. 5º da Constituição Federal, que determina que o acesso a documentos do governo é direito de todos e só deve ser restringido em caso de sigilo. Foi revogada pela LAI.
Lei Complementar nº 131, de 2009
Conhecida como Lei Capiberibe, acrescenta alguns dispositivos à Lei de Responsabilidade Fiscal, determinando a disponibilização em tempo real de informações sobre a execução orçamentária em todas as esferas de governo.
Fonte: Adaptado de Dutra (2015).
Dentre as ações que corroboraram para o avanço do acesso à informação no Brasil, cabe
destacar ainda a criação do Portal da Transparência pela CGU, em 2004, com o propósito de
ampliar a transparência da gestão pública, possibilitando o acompanhamento detalhado da
execução orçamentária do Governo Federal pelo cidadão.
Mas foi em 2011, com a aprovação da Lei 12.527, que o Brasil viria consolidar e definir
o marco regulatório do acesso às informações públicas. A LAI regulamenta o direito
constitucional à informação previsto no art. 5º da Carta Magna. Ela prevê que qualquer pessoa
(física ou jurídica) pode solicitar e receber informações dos órgãos públicos, tornando dessa
forma o acesso uma regra e criando procedimentos, prazos e normas para a aplicação das
exceções. Apesar da LAI ter sido aprovada em 2011, ela só estrou em vigor no ano de 2012,
mesmo ano em que passou a vigorar também o Decreto 7.724, cujo objetivo é regulamentar
esta, estabelecendo procedimentos, no âmbito do Poder Executivo Federal, para a garantia do
acesso à informação e para a classificação de informações sob restrição de acesso, observados
grau e prazo de sigilo.
A LAI, em consonância com os princípios básicos da administração pública, dispõe
sobre aspectos procedimentais que precisam ser observados pelos governos nacional e
subnacional. Ela propõe as seguintes diretrizes em seu art. 31º:
I - observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção; II - divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações;
III - utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação; IV - fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública;
V - desenvolvimento do controle social da administração pública. (BRASIL, 2011).
Além dessas diretrizes, a LAI frisa em seu art. 8º que é dever dos órgãos e entidades
públicas disponibilizar as informações de interesse público independente de requerimento e isso
deve ser feito em lugar de fácil acesso. Para tal, eles podem utilizar todos os meios e
instrumentos legítimos, todavia, a disponibilização em sítios eletrônicos é obrigatória. No
mínimo, os órgãos e entidades devem disponibilizar:
I - registro das competências e estrutura organizacional, endereços e telefones das respectivas unidades e horários de atendimento ao público;
II - registros de quaisquer repasses ou transferências de recursos financeiros; III - registros das despesas;
IV - informações concernentes a procedimentos licitatórios, inclusive os respectivos editais e resultados, bem como a todos os contratos celebrados;
V - dados gerais para o acompanhamento de programas, ações, projetos e obras de órgãos e entidades; e