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2. A PROPRIEDADE INTELECTUAL COMO GÊNERO E SEUS FUNDAMENTOS 24

2.2 O ACORDO TRIPS E SEUS OBJETIVOS

Assumindo a premissa de a Propriedade Industrial ser instituto que, conclusivamente, não pode ser visto somente sob a ótica interna, em virtude da impossibilidade de dissociá-lo da prática comercial internacional, cabe-nos então analisar sua tratativa internacional.

A década de 90 é tida como um marco no fortalecimento da globalização mundial. Tal fato pode ser imputado à criação da Organização Mundial do Comércio – OMC – no ano de 1994, em que se deu a conclusão das negociações da Rodada do Uruguai. A partir de então, constata-se o aumento da integração econômica, social, cultural e política entre os países signatários, dentre eles, o Brasil.

Dentre os acordos assinados nesta Rodada, importa-nos destacar, para o estudo aqui proposto, o denominado Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights – TRIPs (Acordo Relativo aos Aspectos da Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio). Tal acordo pode ser considerado como um mecanismo que visa à globalização da Propriedade Industrial, vez que todos os países signatários se comprometeram, paulatinamente, a promover adequações necessárias à harmonização de suas respectivas leis nacionais com as diretrizes e finalidades do acordo. (CARVALHO, 2014, p. 38).

A busca pela internacionalização de mecanismos que proporcionassem proteção aos direitos relativos à Propriedade Intelectual remonta ao século XIX, buscando-se algum tipo de regulação do comércio transfronteiriço de tecnologia, pelos países desenvolvidos. O primeiro acordo que objetivou o direito de exploração de direitos de Propriedade Industrial foi assinado em Paris no ano de 1883, contendo a dupla finalidade de proteção aos inventores e estabelecimento de regras mínimas, para a criação de sistemas nacionais de proteção de tais direitos dos países signatários. (BRANCHER, 2010, p. 200).

Para Susan Sell (1989, p. 408), tal acordo, que restou denominado Convenção da União de Paris (CUP), foi desenvolvido como resposta ao aumento do fluxo do comércio

internacional, principalmente de tecnologia. Tal fato aflorou problemas práticos que ensejaram mínima harmonização das legislações nacionais. Transcorridos três anos, em 1886, foi celebrada a Convenção de Berna, instituída com o objetivo de tutelar os direitos relativos às obras artísticas e literárias. As versões atuais de ambos os instrumentos datam de 19994. Foram esses instrumentos que tutelaram a propriedade intelectual internacionalmente, até a assinatura do TRIPs, celebrado no âmbito da OMC.

Tais Convenções foram estratégicas para os países desenvolvidos, uma vez que possibilitaram a imposição do nível de proteção desejada aos seus direitos de propriedade industrial aos países menos desenvolvidos, que ao aderirem a tais instrumentos se comprometeram a observar condições mínimas de proteção em seus respectivos ordenamentos.

Contudo, embora tenham sido objeto de adequações ao longo do séc. XX, não atingiram o nível de serem considerados mecanismos eficientes para solucionar a situação de ausência de ordenamentos voltados à proteção específica dos direitos de Propriedade Industrial e de autor no âmbito interno dos signatários. Persistia assim o conflito entre os países desenvolvidos e os menos desenvolvidos, o que servia como impeditivo para a efetiva relação comercial entre estes. (BRANCHER, 2010, p. 201).

O Acordo TRIPs é divido em 07 partes, sendo que a segunda e a terceira são subdivididas em seções, conforme demonstrado e exposto abaixo.

Figura 1: Estrutura Formal do Acordo TRIPS TRIPS - ESTRUTURA FORMAL

PARTE DISPOSIÇÃO

1 disposições gerais e princípios básicos regentes do Acordo - tratamento nacional

- tratamento da nação mais favorecida

2

padrões relativos à existência, abrangência e exercício de direitos de propriedade intelectual

- seção 01 - direitos de autor e conexos - seção 02 - marcas

- seção 03 - indicações geográficas - seção 04 - desenhos industriais - seção 05 - patentes

- seção 06 - topografias de circuitos integrados - seção 07 - proteção de informação confidencial

- seção 08 - controle de práticas de concorrência desleal em contrato de licença

4 Disponíveis em: https://www.wipo.int/meetings/en/doc_details.jsp?doc_id=9717 , Acesso em 19 de abr. de 2022

3

aplicação de normas de proteção dos direitos de propriedade intelectual - seção 01 - obrigações gerais dos Membros

- seção 02 - procedimentos e remédios civis e administrativos a serem utilizados pelos Membros na defesa de seus respectivos direitos

- seção 03 - institui e disciplina o regime de medidas cautelares a serem eventualmente adotadas pelos Membros

- seção 04 - estabelece o regime de exigências especiais relativas a medidas de fronteira - seção 05 - procedimento penais

4 modalidade de aquisição e manutenção de direitos de propriedade intelectual e procedimentos inter-partes conexos

5

estabelece procedimentos de prevenção e solução de controvérsias entre os Membros - obrigatoriedade de publicação de leis, regulamentos e decisões administrativas finais de aplicação geral

- princípio da transparência 6 disposições transitórias do Acordo

- concessão de um prazo adicional de carência de 10 anos 7 disposições institucionais e finais do Acordo

- disciplina a cooperação internacional acordada entre os signatários acerca do objeto - criação do Conselho TRIPS

Fonte: elaboração própria.

A primeira parte estabelece as disposições gerais e princípios básicos regentes do Acordo, importando-nos destacar a inserção dos princípios básicos do GATT/OMC, quais sejam: do tratamento nacional (artigo 3) – “cada Membro concederá aos nacionais aos nacionais dos demais Membros tratamento não menos favorável que o outorgado a seus próprios nacionais com relação à proteção da propriedade intelectual [...]” e; tratamento da nação mais favorecida (artigo 4), que estabelece que “toda vantagem, favorecimento, privilégio ou imunidade que um Membro conceda aos nacionais de qualquer outro país será outorgada imediata e incondicionalmente aos nacionais de todos os demais membros”. Ainda nessa parte, importante destacar o estabelecimento dos objetivos do Acordo, dispostos no artigo 7, quais sejam:

a proteção e a aplicação de normas de proteção dos direitos de propriedade intelectual devem contribuir para a promoção da inovação tecnológica e para a transferência e difusão de tecnologia, em benefício mútuo de produtores e usuários de conhecimento tecnológico e de uma forma conducente ao bem-estar social econômico e a um equilíbrio entre direitos e obrigações.

A segunda parte trata dos padrões relativos à existência, abrangência e exercício de direitos de propriedade intelectual. Ela contém a disciplina geral dos institutos de Propriedade Intelectual internacionalmente existentes, assim dispostos: a Seção 01 incumbe-se de tutelar o direito do autor e direitos conexos; a Seção 02 trata das marcas; na Seção 03 estão previstas as indicações geográficas; a Seção 04, os desenhos industriais; a Seção 05, as patentes; a Seção 06 regula as topografias de circuitos integrados; a Seção 07 disciplina a proteção de informação

confidencial e a Seção 08 dispõe acerca do controle de práticas de concorrência desleal em contrato de licença.

A terceira parte do TRIPs dispõe acerca da aplicação de normas de proteção dos direitos de Propriedade Intelectual, agrupando-as em cinco seções distintas: a Seção 1 trata das obrigações gerais dos Membros; a Seção 2 elenca os procedimentos e remédios civis e administrativos a serem utilizados pelos Membros na defesa de seus respectivos direitos; a Seção 3 institui e disciplina o regime de medidas cautelares a serem eventualmente adotadas pelos Membros; a Seção 4 estabelece o regime de exigências especiais relativas a medidas de fronteira e; a Seção 5 prevê os procedimento penais.

A quarta parte estabelece a modalidade de aquisição e manutenção de direitos de propriedade intelectual e procedimentos inter-partes conexos, autorizando aos Membros exigirem o cumprimento de procedimentos e formalidades razoáveis como condicionantes à aquisição e manutenção das espécies de direitos de propriedade intelectual dispostos nas Seções 01 a 06 da parte II do Tratado.

A quinta parte do TRIPs estabelece procedimentos de prevenção e solução de controvérsias entre os Membros, pautados na obrigatoriedade de publicação de leis, regulamentos e decisões administrativas finais de aplicação geral, pelos respectivos Estados Membros, asseverando desta forma o princípio da transparência.

A sexta parte contém as disposições transitórias do Acordo, importando-nos, para o presente estudo, as contidas no artigo 66, voltado aos países Membros com menor desenvolvimento relativo.

Assim, ciente da diferença tecnológica e econômica entre os seus signatários, foi concedido um prazo adicional de carência de 10 anos (ponto que ao nosso ver foi muito bem utilizado pela China para trilhar a sua trajetória tecnológica, na medida em que entrou na OMC em 2000 e promulgou sua nova lei de patentes – harmonizada com as normas internacionais – em 2009), contados do prazo de carência geral de 01 ano da entrada em vigor do Acordo constitutivo concedida a todos os signatários, para o cumprimento de suas disposições pelos países menos desenvolvidos, exceto quanto às obrigações elencadas nos artigos 3 (princípio do tratamento nacional ), 4 (princípio do tratamento da nação mais favorecida ) e 5 (disposição acerca de acordos multilaterais sobre obtenção ou manutenção da proteção – exceção à observância dos princípios anteriormente mencionados, em procedimento previstos em acordo multilaterais concluídos sob a égide da Organização Mundial da Propriedade Intelectual).

Ademais, o artigo 66 dedica a integralidade do seu inciso II para tratar da transferência de tecnologia no âmbito do TRIPs, dispondo que:

Artigo 66, 2. Os países Membros desenvolvidos concederão incentivos a empresas e instituições de seus territórios com o objetivo de promover e estimular a transferência de tecnologia aos países Membros de menor desenvolvimento relativo, a fim de habilitá-los a estabelecer uma base tecnológica sólida e viável.

Por fim, a sétima parte elenca as disposições institucionais e finais do Acordo, disciplinando a cooperação internacional acordada entre os signatários acerca do objeto, bem como instituindo a criação de um Conselho destinado à supervisão a aplicação do Acordo, denominado Conselho TRIPs.