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O Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI e suas finalidades

2. A PROPRIEDADE INTELECTUAL COMO GÊNERO E SEUS FUNDAMENTOS 24

2.3 A PROPRIEDADE INDUSTRIAL NO BRASIL

2.3.1. O Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI e suas finalidades

Após termos abordado os conceitos basilares da Propriedade Intelectual e Industrial, cabe-nos abordar o surgimento, as finalidades e a estrutura atual do órgão nacional responsável por tutelar a propriedade industrial em nosso ordenamento.

Como já abordado anteriormente, é o INPI responsável pela concessão de registros das modalidades de direitos de Propriedade Industrial, quais sejam as patentes (de invenção e modelos de utilidade), as marcas, os desenhos industriais, as indicações geográficas e, ainda, pela averbação dos contratos de transferência de tecnologia.

Fruto da política pública executada nas décadas de 60 e 70, nas quais o Brasil realizou investimentos visando à criação de uma estrutura tecnológica e científica, foi em 1970, através da promulgação da Lei n. 5.648, de 11.12.1970, criado o Instituto Nacional da Propriedade

Industrial (INPI). Desde a sua criação, foi o instituído destinado à composição da Administração Pública Federal Indireta, foi atribuída ao INPI a natureza de autarquia federal, vinculada ao Ministério da Indústria e do Comércio, com sede e foro no Distrito Federal (Art.

1º Lei n. 5.648/70).

Surge então o INPI para substituir (reforma institucional clássica) o até então existente Departamento Nacional da Propriedade Industrial. A par de outras atribuições, foi nesta oportunidade estabelecida como finalidade do INPI a:

adoção, com vistas ao desenvolvimento econômico do País, medias capazes de acelerar e regular a transferência de tecnologia e de estabelecer melhores condições de negociação de patentes, cabendo-lhe, ainda, pronunciar-se quanto à conveniência da assinatura, ratificação ou de denúncia de convenções, tratados, convênios e acordos sobre Propriedade Industrial. (Art.

2º)

Com efeito, para José Carlos Tinoco (1981), a substituição do antigo Departamento Nacional da Propriedade Industrial pelo INPI foi realizada com o objetivo de “dinamizar a propriedade industrial no Brasil” (TINOCO, 1981, p. 10). Corroborando tal assertiva, no ano seguinte à criação do INPI foi promulgada a Lei 5.772/1971, que instituiu o Código da Propriedade Industrial no ordenamento pátrio.

Pontua Leandro Aquino (2017) que no momento de seu surgimento o INPI se limitou ao controle da importação de tecnologias estrangeiras e à concessão de marcas de comércio, atuação esta eminentemente cartorial. Para fins da presente pesquisa e hipótese por nós suscitada, é esse um ponto crucial: permanece o INPI se pautando em uma atuação meramente cartorial, ou é possível identificarmos elementos que o elevem ao patamar de uma instituição eficiente, em especial no que tange ao estímulo de aquisição de tecnologia e conhecimento estrangeiro e assim oportunizando um efetivo processo de emparelhamento tecnológico (catching-up) a ser perseguido pelo Brasil?

Ponto central da presente pesquisa recai sobre o Art. 2º e parágrafo único, da Lei criadora do INPI, o qual dispunha acerca da finalidade do instituto:

Art. 2º. O Instituto tem por finalidade principal executar, no âmbito nacional, as normas que regulam a propriedade industrial tendo em vista a sua função social, econômica, jurídica e técnica.

Parágrafo único. Sem prejuízo de outras atribuições que lhe forem cometidas, o Instituto adotará, com vistas ao desenvolvimento econômico do País, medidas capazes de acelerar e regular a transferência de tecnologia e de estabelecer melhores condições de negociação e utilização de patentes,

cabendo-lhe ainda pronunciar-se quanto à conveniência da assinatura, ratificação ou denúncia de convenções, tratados, convênios e acordos sobre propriedade industrial. (grifo nosso).

Tal disposição conotava de forma clara e direta a postura do Estado adotada face aos contratos de transferência de tecnologia – possibilidade de intervenção direta e proteção à indústria nacional, em especial até o ano de 2017 (falaremos deste ponto em tópico específico).

A adoção de uma política intervencionista é fato intrínseco aos países em desenvolvimento, como o Brasil, no início da década de 70, que em que pese serem extremamente dependentes de tecnologias estrangeiras, passaram a enxergar a transferência de tecnologia como um entrave ao desenvolvimento das indústrias internas, e como forma de evasão de divisas. Este foi um tema (intervenção ilegítima do INPI nos contratos de tecnologia) exaustivamente abordado em trabalho de nossa autoria desenvolvido como Dissertação de Mestrado no ano de 2014, que o teve inclusive como título. (MONTEIRO, 2014). Por essa razão, não nos debruçaremos neste ponto em específico, em que pese a presente proposta de estudo também recaia sobre a importância da transferência de tecnologia para um efetivo desenvolvimento do emparelhamento tecnológico.

Foram então editadas legislações que tinham o objetivo de possibilitar ao Estado controlar os preços praticados em referidas transações, direcionar os objetos (tecnologias) a serem contratados, bem como impedir contratações que se demonstrassem demasiadamente desvantajosas aos receptores locais. Tais legislações estipulavam a exigência de submissão dos contratos de transferência de tecnologia ao exame e aprovação de órgão da administração pública, como o Art. 2º parágrafo único da Lei 5.648/70 acima citado.

Juliana Viegas (2007) destaca que a nível internacional, durante a década de 80 até meados da década de 90 (especificamente até a promulgação do TRIPs), transcorremos um período em que se buscou a estipulação, mediante negociações, de normas que tivessem o cunho de regular o fluxo internacional de tecnologia.

Surge daí a dicotomia entre países desenvolvidos, que buscavam harmonizar a tratativa internacional no sentido de obter condições mais vantajosas para os investimentos de suas empresas. De outro lado, países em desenvolvimento buscavam proteção contra pressões comerciais de agentes multinacionais, através da aprovação internacional das respectivas políticas internas. A autora destaca três tentativas mais efusivas acerca do tema: (i) implementação do Código Internacional de Conduta para a Transferência de Tecnologia (International Code of Conduct on the Transfer of Technology), sob a égide da UNCTAD –

United Nations Conference on Trade and Develeopment; (ii) revisão da CUP – Convenção da União de Paris, coordenada pela OMPI e; (iii) estabelecimento de princípios e regras tutelares do Controle de Práticas Negociais Restritivas (The Set of Multilaterally Agreed Equitable Principles and Rules for the Control of Restrictive Business Practices) – UNCTAD.

A tentativa de criação de um ordenamento internacional que regulasse especificamente o comércio internacional de tecnologia, segundo Susan Sell (1989) falhou, basicamente, por duas razões: (i) discrepância da visão do tema entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento, principalmente acerca da função do Estado na análise e aprovação dos instrumentos contratuais – nível de intervenção e; (ii) crise econômica que assolou os países em desenvolvimento na década de 80 – denominada por analistas de “década perdida”, resultando na flexibilização normativa “forçada” para os países em desenvolvimento, que sentiram a necessidade de atrair investimentos estrangeiros. (SELL, 1989, p. 7).

Em que pese a harmonização não tenha sido efetivada da forma como um dos blocos desejava, ela ocorreu, segundo Juliana Viegas, na Rodada Uruguai do GATT, com a promulgação do TRIPs, o qual “permite que os países-membros especifiquem em suas legislações internas quais são as condições ou práticas de licenciamento que possam constituir abuso dos direitos de propriedade intelectual com efeitos adversos à livre concorrência”

(VIEGAS, 2007, p. 10).

Em nosso ordenamento, a promulgação da Lei 9.279/1996, que substitui o antigo Código da Propriedade Industrial, assumindo a regulação dos direitos e obrigações relativos à Propriedade Industrial no Brasil, resultou em profunda alteração na tratativa referente à transferência de tecnologia em nosso ordenamento, através da alteração realizada na redação do Art. 2º da Lei 5.648/70 acima descrito.

Percebe-se que por opção do legislador pátrio, foi retirada do INPI a atribuição de

“adotar medidas capazes de acelerar e regular a transferência de tecnologia e estabelecer melhores condições de negociação e utilização de patentes”, persistindo a sua competência para registrar os contratos de transferência de tecnologia.

O Art. 2º da Lei 5.648/1970, com nova redação dada pela Lei 9.279/1996, atualmente assim dispõe:

Art. 2º. O INPI tem por finalidade executar, no âmbito nacional, as normas que regulam a propriedade industrial, tendo em vista a sua função social, econômica, jurídica e técnica, bem como pronunciar-se quanto à conveniência

de assinatura, ratificação e denúncia de convenções, tratados, convênios e acordos sobre propriedade industrial.

Nesta oportunidade, importante destacar tão somente a alternância de postura do INPI (menos ou mais intervencionista) ao longo da história. Uma postura intervencionista foi consistente com a política de substituição de importações e restrições cambiais existentes no Brasil nos anos 1970, mas perdeu o seu sentido de ser quando da liberação da economia a partir dos anos 1990. Estranhamente, no final da década de 90 (em especial em 1997), verifica-se uma retomada brusca na postura intervencionista do INPI, com a promulgação do Ato Normativo 135/97).

Uma movimentação do órgão “regulador” da Propriedade Industrial – e ainda da transferência de tecnologia em nosso país, em direção a uma postura intervencionista não é benéfica, uma vez que pode gerar os seguintes pontos negativos: a obrigatoriedade do INPI figurar como parte nas demandas que buscam a revisão da análise de contratos trazidos a registro ou averbação; a falta de competência técnica, sendo incertas as consequências de sua intervenção; a insegurança jurídica, tendo em vista a ausência de normas claras e objetivas sobre a atuação do órgão – meritória ou cartorial; e a consequente redução e afugentamento de investimento do exterior no Brasil (TISSOT, 2019, p. 109-110).

A evolução legislativa sobre a transferência de tecnologia no Brasil será apresentada em item específico, mas desde já pontuamos que, em que pese uma busca por mudar esse paradigma (talvez?) intervencionista, que não se apresentava mais um modelo coerente com a atual dinâmica de transferência de tecnologia no Brasil, mas, sim, configurava-se como um grande empecilho à segurança jurídica e desenvolvimento nacional, não surtiu o efeito positivo esperado, como demonstram os números abaixo.

Figura 2: Registros de Contratos de Tecnologia, 2008-2019

Fonte: INPI, Assessoria de Assuntos Econômicos, BADEPI, v7.0. Indicadores de Propriedade Industrial 2020. 5

Nota-se um aumento de registo de contrato de tecnologia em 2018 (logo após a Resolução de 2017), mas já uma redução de quase 14% em 2019. Ou seja, alterou-se o marco regulatório afim de sanar a insegurança jurídica por um modelo intervencionista até então adotado, mas não se resolveu, ainda o “bloqueio” existente em nosso ordenamento no que tange à aquisição de tecnologia estrangeira que viabilize o início do nosso processo de emparelhamento tecnológico.

O ponto a ser considerado centra-se no estabelecimento de um procedimento burocrático com finalidade, ao que tudo indica, inócua, que poderia ser efetivada por outros órgãos administrativos, eventualmente criados para absorver ou competir com a função do INPI em relação aos contratos de tecnologia. Considerando os atuais efeitos da averbação de um contrato de tecnologia – em que pese os abordarmos em item específico, já indicamos que o controle de câmbio exercido pelo INPI, como também em matéria tributária, relacionado a deduções decorrentes da averbação requerida, são mais afetos ao Banco Central do Brasil e à Secretaria da Receita Federal.

Com efeito, faria de fato sentido preservar ao INPI tão somente uma finalidade cartorial na averbação de tais contratos? Urge a criação de uma instituição que se mostre de fato eficiente

5 Disponível em

https://www.gov.br/inpi/pt-br/acesso-a-informacao/boletim-mensal/arquivos/documentos/indicadores-2020_aecon_vf-27-01-2021.pdf, Acesso em 08 de abr. de 2022.

para estimular e regular estrategicamente a aquisição do conhecimento estrangeiro e por fim internalizá-la em nossos setores produtivo?

Nesse sentido, julgamos necessário elencar alguns dados acerca da atuação recente do INPI – especificamente em Contratos, no último período analisado pelo instituto, qual seja, o compreendido entre os anos de 2014 a 2019.

Importante frisarmos para fins estatísticos de transferência de tecnologia, o INPI agrupa 05 categorias contratuais, em específico, quais sejam: (i) uso de marcas; (ii) exploração de patentes e desenhos industriais; (iii) fornecimento de tecnologia; (iv) franquia e; (v) serviços de assistência técnica.

Figura 3: Evolução de Registros de Contratos de Tecnologia por categoria – Ano a Ano.

Fonte: INPI, Assessoria de Assuntos Econômicos, BADEPI, v7.0. Indicadores de Propriedade Industrial 20206.

Demonstra-se na tabela acima que o número de averbações de contratos cujo objeto consiste no fornecimento de tecnologia – categoria que de fato capacita o aprendizado pelo adquirente, uma vez que este recebe a “receita do bolo”, que possibilita ao fim ao importador o aprendizado tecnológico, necessário ao desenvolvimento futuro de novas tecnologias (aperfeiçoamento), a partir da cumulatividade do aprendizado – tal ponto será melhor abordado ao tratarmos do instituto do emparelhamento tecnológico, não atinge o patamar de 15% (quinze por cento) do volume médio anual. Referido volume, se somado à média de averbação dos contratos de exploração de patentes (o qual consideramos que pode vir até a viabilizar o aprendizado), não chegam a 20% (vinte por cento). As demais categorias não possibilitam, de fato, referido aprendizado. A uma porque demandam uma prestação de serviço técnico e

6 Disponível em https://www.gov.br/inpi/pt-br/acesso-a-informacao/boletim-mensal/arquivos/documentos/indicadores-2020_aecon_vf-27-01-2021.pdf, Acesso em 08 de abr. de 2022.

específico, sem que seja transferido ao adquirente o know-how necessário a tal aprendizado, ou a duas por envolverem especificamente o direito de uso de uma marca (brand).

Em suma, da simples análise da tabela acima, conjugada com o gráfico abaixo – em que pese um aumento (no período acumulado e não final) do registro dos contrato de exploração de patentes, nos demonstra que a maioria maciça dos contratos que estão sendo levados a registro no INPI não possibilitam, de forma efetiva, o aprendizado e desenvolvimento tecnológico das empresas nacionais contratantes.

Figura 4: Registros de contratos de tecnologia por categoria - 2019

Fonte: INPI, Assessoria de Assuntos Econômicos, BADEPI, v7.0. Indicadores de Propriedade Industrial 2020.7

Após termos apresentado os números que demonstram a dependência por tecnologia estrangeira de nossa economia, e o baixo volume de contratos averbados pelo INPI que efetivamente envolvam transferência de tecnologia – impedindo a trajetória de inovação tecnológica: acúmulo de conhecimento, aperfeiçoamento e desenvolvimento de novas tecnologias, evidencia que os ajustes legislativos perseguidos e executados até o momento não surtiram os efeitos positivos necessários e esperados.

Faz-se necessário um arranjo regulatório – e conquentemente institucional, capaz de estimular, atrair a intenção de diversos agentes de mercado em buscar a importação de tecnologias, vez que não raramente esbarra-se celebração de contratos intercompany (controladas e controladas), como meio de envio de remessas financeiras à matriz no exterior.

7 Disponível em https://www.gov.br/inpi/pt-br/acesso-a-informacao/boletim-mensal/arquivos/documentos/indicadores-2020_aecon_vf-27-01-2021.pdf, Acesso em 08 de abr. de 2022.

É, ao menos num momento imediato, a importação de tecnologia estrangeira instrumento essencial para que o Brasil alcance a solidez no cenário tecnológico mundial, um dos pressupostos para que de fato possamos alcançar o desenvolvimento social e econômico preconizado na Ordem Econômica de 1988 (em semelhança ao caminho traçado pela Coreia do Sul e outros modelo, como aqui abordado). Tanto assim que o próprio instituto adota como missão “criar um sistema de propriedade intelectual que estimule a inovação, promova a competitividade e favoreça os desenvolvimentos tecnológicos, econômico e social”.

Cremos que, à luz do cenário atual, faz-se necessária a adoção do institutional bypass (como apresentaremos a seguir) para viabilizar o surgimento de uma instituição intermediária eficiente, que por fim crie mecanismos que facilitem, favoreçam e estimulem que as empresas nacionais possam buscar o acesso a tecnologias estrangeiras e, assim, tornarem-se efetivamente empresas inovadoras e desenvolvedoras de novas tecnologias.