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Adaptação aos impactos das alterações climáticas mediados pela água nos

6.2 Ecossistemas aquáticos e biodiversidade

6.2.4 Adaptação aos impactos das alterações climáticas mediados pela água nos

Os impactos mais significativos das alterações climáticas nos recursos hídricos serão exercidos por diferentes níveis de pressão, temperatura, qualidade da água, regimes de caudais, recarga de

72 Estratégia Setorial de Adaptação aos Impactos das Alterações Climáticas relacionados com os Recursos Hídricos aquíferos, frequência e intensidade de cheias e secas, intrusões salinas, alterações dos padrões de sedimentação e de erosão. Esta situação provocará impactos nos ecossistemas e na biodiversidade, com uma perda de espécies, habitats, zonas húmidas, alterações nos limites das ecorregiões, com deslocação da distribuição para norte e em altitude (T-PVS/Ind, 2009), e o aumento do padrão de invasibilidade por espécies exóticas, sobretudo de origem tropical.

Não é possível prever com exatidão a magnitude das alterações climáticas, pelo que as adaptações possíveis para os ecossistemas aquáticos terão de ser construídas sobre incertezae as medidas terão de ter flexibilidade, criar sinergias e integrar-se com outras ações de planeamento da gestão de recursos hídricos. Assim, a dinâmica das alterações climáticas e os modelos não lineares de resposta dos ecossistemas obrigam a convergir para uma metodologia de controlo adaptativo dos recursos hídricos, em especial no domínio das águas interiores. Essa a abordagem não é um exercício único, nem tão pouco deve ser confundido com um processo reativo de tentativa e erro. A gestão adaptativa requer que se assegure o identificador apropriado, ou seja, a monitorização, bem como o

controlador adaptativo, ou seja, os programas de medidas definidos nos planos de gestão de bacia

hidrográfica. O cronograma da gestão adaptativa também não é aleatório, está bem definido nos ciclos de seis anos para a elaboração dos sucessivos planos da gestão de recursos hídricos, pelo que importa adotar ferramentas apropriadas de cenarização para a tomada de decisão (Martins et al., 2008).

Na elaboração dos planos de gestão de recursos hídricos, assim como em outros planos sectoriais, a capacidade de resistir, adaptar-se ou recuperar das alterações climáticas deve ser construída com base, sobretudo, em opções win-win, almejando minimizar os riscos e explorar oportunidades. Por outro lado, a adaptação às alterações climáticas deve ser uma atividade multi-setorial, de forma a evitar conflitos entre setores, minimizando contrapartidas negativas intersetoriais (trade-offs). O Quadro 9 resume as alterações primárias e secundárias das alterações climáticas nos ecossistemas aquáticos. Note-se que as alterações primárias são difíceis de separar das pressões atuais e de quantificar a curto e médio prazo, referindo-se a efeitos diretos como o aumento da produtividade vegetal; as secundárias, por seu turno, consistem nas alterações dos ecossistemas e da biodiversidade provocadas pelas próprias adaptações da sociedade humana às alterações climáticas. Exemplos comuns de adaptações propostas para responder às alterações climáticas são o recurso ao aumento da extração de águas subterrâneas após sinais de aviso de situação de seca (mas reduzindo-se o nível freático) ou a construção de barragens para controlo de cheias e rereduzindo-servatórios de água (alteração dos caudais a jusante, emissão de gases com efeito de estufa, perdas por evaporação), cujas pressões ambientais têm de ser acauteladas (e.g. escolha de culturas menos consumidoras de água, uso eficiente e utilização de reservatórios com fins múltiplos, assegurando a dimensão mínima

necessária, com a implementação de regimes de caudais ecológicos e a adoção de contrapartidas ambientais realmente focadas).

Os planos de gestão de bacia hidrográfica devem, na sua formulação, analisar e coordenar as ações que possam ter resultados contraditórios, designadamente a conservação da biodiversidade versus os aproveitamentos hidráulicos. No limite, os casos de adaptação às alterações climáticas podem invocar o artigo 4.7 da Diretiva-Quadro da Água (DQA) que admite a possibilidade de não cumprimento do bom estado ecológico quando uma alteração física da massa de água oferece mais benefícios ambientais do que os custos de restauro ambiental. Ainda que se ambicione procurar minorar os efeitos das alterações climáticas, deve-se ponderar/restringir as medidas de adaptação climática que sejam negativas para os ecossistemas.

Tradicionalmente, as ações de recuperação na área da conservação são baseadas na espécie ou

habitats individuais que, por uma ou outra razão, se julgam ameaçados. Porém, muitos autores vêm

defendendo que os esforços de conservação devem ser centrados na recuperação das funções ecossistémicas e de níveis superiores de organização biológica como ecossistemas e comunidades (Woodward et al., 2010) e nas ligações destes com os níveis de organização inferior, espécies e populações. Moss et al. (2009) questionam a possibilidade de continuar a ser realizadas ações de conservação baseadas nas espécies individuais no que toca à mitigação de alterações climáticas, propondo que, quer a previsão das alterações ecológicas quer o planeamento de restauro, sejam feitos tendo por base quatro unidades ecossistémicas: (i) rios de fácies erosivo; ii) rios de fácies deposicional; iii) zonas alagadas/ lagos de baixa profundidade; e iv) lagos profundos), para as três regiões aquáticas fundamentais europeias (Boreal, Central e Mediterrânea). Por exemplo, na região Centro-Europeia, Buisson e Grenouillet (2009) predizem um aumento da riqueza em espécies de peixes e grandes alterações comunitárias apenas em cursos superiores e médios, concluindo que as rotas de colonização serão determinantes da diferenciação das comunidades. Esta perspetiva regional e funcional deveria, na nossa opinião, nortear todo o espírito de adaptação às alterações climáticas.

As adaptações primárias referem-se a medidas conducentes a aumentar a resiliência dos ecossistemas aquáticos. Entre estas, refira-se a promoção ou o restauro de zonas húmidas, pois estas podem servir de acumuladores hídricos e possuem um efeito amortecedor de eventos extremos, promovendo a melhoria geral do balanço de água, incluindo formas de recolha e micro-acumulação de água (e.g. jardins de inverno e pequenas soleiras de controlo de erosão, para retenção da humidade e de sedimentos). Outras medidas de adaptação primárias consistem na reposição, por todas as formas possíveis, da conetividade hídrica, entre o rio e o leito de cheia, bem como entre o rio e os níveis freáticos ou entre as cabeceiras e o vale. Desta forma, cria-se uma rede

74 Estratégia Setorial de Adaptação aos Impactos das Alterações Climáticas relacionados com os Recursos Hídricos natural de conexões hídricas que garante o bom funcionamento e manutenção de processos ecológicos naturais e aumenta a resiliência dos ecossistemas às variações da quantidade da água e outras pressões. Outra tipologia positiva de medidas de adaptação são aquelas em que a sua implementação acarretará, inquestionavelmente e para sempre, benefícios (no-regret). Entre essas medidas, encontra-se a promoção da melhor gestão de água e minimização da procura, a não ocupação urbana em zonas de cheias com períodos de retorno centenários (como previsto, aliás, na Lei da Água), a promoção de territórios com diversidade ecossistémica, ocupados por mosaicos não contínuos de atividades humanas entrelaçados em floresta natural e vegetação natural, ou as medidas de incentivo económico a culturas menos consumidoras de água e mais tolerantes à secura. É de salientar que todos os elementos incluídos na definição de estado ecológico, no sentido do termo adotado pela DQA, são sensíveis às alterações climáticas: disponibilidade da água (regimes naturais de caudais fluviais e níveis freáticos), procura da água (incluindo a que ocorre durante as secas), intensidade e frequência dos eventos extremos (cheias ou secas), qualidade da água (temperatura, salinidade, nutrientes, concentrações de contaminantes, quantidade de sedimentos, qualidade das águas subterrâneas), e qualidade dos ecossistemas e estruturas de suporte. Separar as alterações climáticas dos impactos decorrentes das pressões humanas é muito difícil mas, da mesma forma, tudo o que promova a implementação dos objetivos ambientais e a sustentabilidade do uso da água através do controlo das pressões humanas, favorecerá a adaptação dos ecossistemas às modificações globais.

De uma forma geral, é de esperar uma coerência de resposta das componentes físicas do ecossistema às alterações climáticas, uma menor coerência e certezas da parte química (processos de eutrofização, balanço do oxigénio, quantidade de sólidos suspensos e depositados, quantidade de emissão de gases com efeito de estufa), e uma franca imprevisibilidade na componente biológica, devido à multiplicidade de interações ambientais envolvidas (EC, 2009). É, por isso, necessário reduzir e quantificar estes níveis de incerteza, que provêm (1) do conhecimento incompleto do funcionamento dos ecossistemas, (2) da própria variabilidade ecológica natural, (3) da influência de efeitos de outras pressões, agindo a diferentes níveis, e, finalmente, (4) das alterações climáticas. A única possibilidade de calibrar modelos e reduzir a incerteza dos cenários consiste em desenvolver uma rede de monitorização de longo prazo em locais minimamente perturbados, de forma a identificar e isolar os sinais de alterações climáticas e encontrar indicadores adequados para quantificar os impactos na qualidade da água e na classificação do estado ecológico, na quantidade da água (distribuição temporal e espacial), na remobilização de nutrientes e poluentes químicos e microbiológicos, bem como na avaliação do resultado efetivo das medidas de adaptação (JRC, 2005). A monitorização permitirá, igualmente, realizar a avaliação da coerência e permanência das

tipologias de massas de água utilizadas na DQA e dos descritores das condições de referência, sobre os quais assenta toda a classificação do estado ecológico e a comparabilidade (ou intercalibração) de resultados entre os países da União Europeia. A serem confirmadas as variações climáticas previstas, estes resultados terão de ser revistos, nomeadamente nas áreas de fronteira entre tipos de massas de água de zonas mais quentes e mais frias. Os 15 tipos atuais de massas de água localizados em ecossistemas fluviais (e os três tipos em massas de água albufeiras) devem passar de uma aproximação determinística (utilizada no presente) para uma aproximação probabilística (a utilizar no futuro), incorporando os níveis naturais de incerteza e aumentando ou padronizando as janelas de monitorização.

Estas são as principais razões que aconselham a ser imediatamente implementada a designada monitorização LTER (long-term ecological research), a nível nacional e pan-Europeu ou, pelo menos, ibérico, focada em sítios pouco intervencionados e vocacionada para a deteção de alterações utilizando espécies, habitats e ecossistemas sentinela mais sensíveis (climatic hotspots). A base de dados desta monitorização deverá incluir diferentes aspetos e funções do ecossistema (e.g. hidrológico, sedimentar, físico-químico, biológico, capacidade de campo, níveis piezométricos). Um observatório deste tipo para as espécies mais sensíveis/dependentes da temperatura e a monitorização das suas populações, permitiria também, a longo prazo, avaliar o efeito “puro” das alterações climáticas e distinguir entre variações naturais (e.g. secas naturais) e as relacionadas com as alterações globais.

Finalmente, é de notar que se verifica uma correlação positiva entre as alterações climáticas e a distribuição e abundância de doenças com vetores aquáticos ou veiculadas pela água, ou seja, com a saúde pública. Existe, por isso, a necessidade de generalizar métodos moleculares para a deteção rápida de agentes infeciosos e um novo grupo de modelos combinando alterações climáticas, epidemiologia e comportamentos humanos. Também aqui é importante o papel do reforço do conhecimento e da monitorização de doenças associadas ao meio aquático (por exemplo, cólera, leptospirose, schistozomíase, giardiose, criptosporidose, vírus entéricos, campilobacterioses, salmoneloses, hepatites, malária, oncocercoses, arbovirus) e o desenvolvimento dos correspondentes planos de contingência.

6.2.5 Programas de medidas de adaptação relacionadas com os ecossistemas e a biodiversidade