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Impactos das alterações climáticas mediados pela água na agricultura e

6.4 Agricultura e florestas

6.4.3 Impactos das alterações climáticas mediados pela água na agricultura e

A água é um recurso fundamental para o crescimento e desenvolvimento das plantas. A maioria das plantas apresenta um elevado teor de água nos seus tecidos, contendo a biomassa de crescimento um teor de água até 80-90%. A água está relacionada com os tecidos em crescimento devido ao consumo e fixação de CO2. Assim, para um crescimento diário de 10g de matéria seca por m², são fixadas nas estruturas das células e nos tecidos vegetais cerca de 14g de CO2, 1g de nutrientes e 80-90g de água (WssTP, 2009).

As alterações climáticas, nomeadamente o aumento da concentração de CO2 atmosférico e da temperatura do ar, têm, em particular, repercussões no processo de transpiração das plantas, interferindo por isso no uso de água.

A eficiência do uso de água (WUE, water use efficiency) é um indicador correspondente ao quociente entre a quantidade total de matéria seca produzida e a quantidade de água perdida na evapotranspiração, sendo por isso dependente da produtividade e da evapotranspiração (Rosenzweig e Hillel, 1998; Sánchez-Díaz e Aguirreolea, 2000; Young e Long, 2000).

Na maior parte das regiões do Sul da Europa, entre 1975 e 2007, observou-se um aumento do défice hídrico. O défice hídrico consiste na diferença entre a precipitação e a evapotranspiração. O aumento

96 Estratégia Setorial de Adaptação aos Impactos das Alterações Climáticas relacionados com os Recursos Hídricos do défice hídrico resulta principalmente da redução de precipitação durante a estação de crescimento e, em parte, do aumento de consumo de água por parte das culturas (CEC, 2009). Atualmente, a agricultura europeia de regadio é afetada pelo excesso ou pela escassez de água, projetando-se que o será ainda mais no futuro. As alterações climáticas afetarão igualmente a qualidade e a quantidade de água. No futuro, a água constituirá o maior problema, projetando-se que este venha a ser agravado pela procura crescente de alimentos. O desenvolvimento de um uso mais sustentável da água terá que ser dinamizado, tanto para a agricultura de regadio como para a de sequeiro. Uma vez que a água na atividade agrícola é essencialmente utilizada na rega, um uso mais sustentável desta exigirá uma melhoria na tecnologia e na gestão da rega (WssTP, 2009).

As variações da precipitação total anual e por estação são um dos aspetos mais importantes a estudar nos sistemas de sequeiro e no desenho e planificação das regas das culturas de regadio (Tudela et al., 2005).

Relativamente à pecuária, no contexto das alterações climáticas, é particularmente relevante a falta de abeberamento para o gado em períodos de seca, bem como os eventos extremos, designadamente inundações. A pecuária irá adicionalmente sofrer os impactos estimados para as pastagens permanentes que adiante se enunciam.

Em seguida analisam-se, separadamente, os impactos nos principais tipos de culturas. Culturas temporárias

Na agricultura portuguesa, os impactos das alterações climáticas avaliados mostram que, apesar das produtividades estimadas para as culturas anuais do trigo e do milho por modelos de simulação de culturas (CSM-CROPSIM-CERES-Wheat10 e CSM-CERES-Maize) serem diferentes nos dois cenários climáticos considerados (A2c e B2a) do modelo HadRM3, evidencia-se uma tendência geral de perda de produtividade (Brandão, 2006).

O decréscimo de produtividade estimado resulta, essencialmente, das projeções para os cenários futuros, ou seja, dos efeitos positivos do aumento da concentração de CO2 e dos efeitos negativos do aumento de temperatura. A redução da estação de crescimento das culturas, nomeadamente do período de enchimento do grão constituiu, provavelmente, a principal causa da quebra de produtividade.

Nos cenários futuros, obtiveram-se aumentos das necessidades de rega da cultura do milho em quase todo o território relativamente às necessidades atuais. Nas regiões de Braga e de Santarém,

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que foram estudadas em particular, o acréscimo de rega simulado nos cenários futuros explicou-se pela redução da precipitação, apesar da diminuição observada da evapotranspiração. A diminuição da evapotranspiração ocorreu porque o aumento da concentração de CO2 é responsável pela redução da condutância estomática, e porque ocorreu uma redução na duração da estação de crescimento.

Na região de Braga, a WUE decresceu nos cenários futuros, mas na região de Santarém registaram-se aumentos médios. Estes resultados dependeram da magnitude de redução da produtividade e da evapotranspiração (Brandão, 2006).

Culturas permanentes

Nas culturas permanentes, em geral, e nas vinhas, em particular, estimam-se, para além das alterações na fotossíntese e na evapotranspiração, mudanças na fenologia que consistem em alterações na duração das fases do ciclo biológico da cultura, maturações mais rápidas e precoces com a consequente antecipação da colheita; alteração dos níveis de incidência e tipo de pragas e doenças; e diminuição da qualidade e quantidade de água disponível para a rega (Lopes et al., 2009). O relatório agrícola sobre a avaliação dos custos dos impactos das alterações climáticas e de adaptação em França elegeu a vinha como uma das culturas em análise, a par das culturas do milho, do trigo e das pastagens (MAAP, 2009).

O estudo refere que, nos últimos anos, se observou nas vinhas francesas uma antecipação dos diferentes estádios do ciclo vegetativo relacionados com o aumento de temperatura. Assim por exemplo, nos últimos 50 anos, a data de vindima antecipou-se em cerca de três ou quatro semanas. Esta aceleração do ciclo poderá ter como impactos indiretos uma diminuição da qualidade da uva relacionada com o aumento do grau alcoólico. Por outro lado, um abrolhamento antecipado poderá aumentar os prejuízos das geadas.

Em 2003 verificou-se uma alteração da qualidade global de cada terroir, que consequentemente originaram vinhos atípicos.

Outros efeitos projetados decorrentes da alteração climática serão os aumentos das temperaturas diárias que poderão queimar as folhas apresentando consequências no enchimento dos bagos, a maior frequência de ocorrência de granizo, tempestades, chuvas violentas e trovoada tornando as vinhas mais expostas a estes mesmos eventos; a alteração da quantidade e do padrão de distribuição temporal da precipitação promoverá um maior stress hídrico com uma consequente diminuição do rendimento.

98 Estratégia Setorial de Adaptação aos Impactos das Alterações Climáticas relacionados com os Recursos Hídricos No futuro projeta-se que haverá novas zonas de produção de vinha. A deslocalização será para Norte e em altitude.

Em França o conjunto de todas as tendências referidas porá em causa a denominação de origem controlada, uma vez que esta é definida pelo meio edafo-climático, as técnicas culturais e o material vegetativo utilizado (MAAP, 2009), tendências estas que se prevê poderem vir a manifestar-se também em Portugal.

Pastagens permanentes

O estudo francês anteriormente referido indica que se observa atualmente no Sul da Europa, região onde a produção de biomassa das pastagens é limitada pelo défice hídrico, um acréscimo da duração e da intensidade das secas que por sua vez tende a reduzir a produção de biomassa anual. Esta diminuição conduz a um aumento da vulnerabilidade dos sistemas de produção animal (MAAP, 2009), situação esta que se fará sentir também entre nós.

Segundo o IPCC (2007) as pastagens anuais mediterrânicas, em ensaios de experimentação, mostraram um decréscimo da diversidade das espécies devido ao aumento da concentração de CO2. Por outro lado a fixação de azoto não evidenciou nenhum efeito positivo relacionado com o aumento de temperatura. A concentração de CO2 é responsável pela alteração da composição florística das pastagens através das mudanças no padrão de regeneração natural. Estas mudanças são justificadas uma vez que as concentrações elevadas de CO2 promovem um aumento do desenvolvimento das leguminosas em detrimento das gramíneas.

Paralelamente a elevada concentração de CO2 poderá evitar a perda de água do solo nas pastagens mediterrânicas, enquanto o aumento da variabilidade na precipitação poderá conduzir a maiores limitações na disponibilidade de água e reduzir a produtividade das plantas (Easterling et al., 2007).

Florestas

Os principais impactos da mudança climática sobre as florestas (eucalipto, pinheiro bravo e sobreiro) em Portugal continental foram avaliados utilizando o modelo GOTILWA+, considerando os dados climáticos da simulação IS92a do modelo HadRM2 (Pereira et al., 2006).

Na região Norte, a floresta de produção (eucalipto e pinheiro-bravo), nomeadamente em locais próximos do oceano e em solos de boa qualidade, aumentará a sua produtividade. Nesta região, o sobreiro irá beneficiar do acréscimo da temperatura. Na região Centro são esperados decréscimos na produtividade do eucalipto e do pinheiro-bravo, e eventualmente aumentos na produtividade do sobreiro em áreas húmidas. As florestas de eucalipto e de pinheiro-bravo da região Sul deverão ser as mais afetadas negativamente pelas alterações climáticas, devido às maiores necessidades de água

do eucalipto e pinheiro-bravo. O sobreiro sofrerá menores impactos, mas estes poderão ser mais intensos em solos pobres.

As projeções evidenciam uma tendência de migração das espécies de sul para norte e do interior para o litoral. Num clima mais quente e mais seco o risco de incêndio vai aumentar, e esta tendência vai ser agravada devido a uma maior acumulação de biomassa durante a época de incêndios. Um maior stress ambiental será responsável pela maior frequência de pragas e de doenças (Pereira et al., 2006).

6.4.4 Adaptação aos impactos das alterações climáticas mediados pela água na agricultura e