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No 4.º Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC, 2007), caracterizam-se de forma clara os impactos futuros das alterações climáticas sobre a água, referindo-se nomeadamente que: “i) o escoamento médio anual, em meados do prereferindo-sente século, sofrerá um acréscimo de 10 a 40% em certas regiões de elevadas latitudes e em certas regiões tropicais

20 Estratégia Setorial de Adaptação aos Impactos das Alterações Climáticas relacionados com os Recursos Hídricos húmidas, e um decréscimo de 10 a 30% nalgumas regiões de latitudes médias e em regiões tropicais secas, algumas das quais estão já atualmente sujeitas a um elevado stress hídrico; ii) a extensão das áreas afetadas por secas tenderá a aumentar e as precipitações intensas tenderão a ser mais frequentes, com os correspondentes riscos de cheia; iii) as quantidades de água armazenadas nos glaciares e em zonas cobertas de neve tenderão a diminuir no decurso deste século, prevendo-se que as disponibilidades de água provenientes da fusão de gelo e neve sejam consideravelmente reduzidas em regiões onde vive mais de um sexto da população mundial”.

O IPCC fez também uma análise regional destes fenómenos, salientando que na Europa os impactos negativos incluirão “riscos acrescidos de cheias repentinas, crescente erosão e inundações costeiras, recuo de glaciares e redução das zonas cobertas de neve”. No caso da Europa meridional, que nos interessa mais diretamente, destaca-se “o agravamento das secas, a redução de disponibilidades de água, do potencial hidroelétrico, da produtividade agrícola e do turismo de verão” (IPCC, 2007). Na avaliação dos impactos das alterações climáticas no futuro, são utilizados modelos de circulação global (GCMs, de acordo com a terminologia anglo-saxónica) que simulam a dinâmica da atmosfera, dos oceanos e dos continentes, e as suas interrelações. O 4.º Relatório de Avaliação do IPCC considera os resultados de 23 modelos que fornecem valores horários de temperatura e precipitação numa malha de cálculo de 125 a 400 km e, em certos casos, com a possibilidade de uma redução de escala para malhas de 25 a 40 km.

Os impactos das alterações climáticas são determinados pelas futuras concentrações dos gases com efeito de estufa, as quais são influenciadas por um conjunto de fatores económicos, sociais, ambientais e tecnológicos. Estes fatores condicionantes interagem entre si e a sua ação conjunta é normalmente caracterizada com o recurso a cenários.

Os cenários correspondem a conjuntos de narrativas de evolução da sociedade (ou futuros), igualmente plausíveis. Diferem, por isso, das “previsões” que são interpretações individuais sobre o futuro mais provável. Devido à complexidade do mundo real, as previsões revelam-se frequentemente erradas, especialmente quando se referem a horizontes de duas ou três décadas. O IPCC, num relatório especial denominado SRES (Special Report on Emissions Scenarios,IPCC, 2000) caracterizou as seguintes quatro famílias de cenários, para definir de forma consistente as relações entre os fatores determinantes da evolução das emissões e proporcionar um contexto de análise:

- Família A1: corresponde a um mundo com um desenvolvimento económico muito rápido, uma

população global que atinge um pico por volta de 2050, uma rápida introdução de novas e eficientes tecnologias e uma substancial redução das diferenças de rendimento per capita;

- Família A2: é caracterizada por um crescimento populacional contínuo, uma preservação das

identidades locais e um lento desenvolvimento económico e tecnológico;

- Família B1: tem uma projeção demográfica idêntica à da família A1, mas com rápidas

mudanças das estruturas económicas em direção a uma economia de serviços e de informação, e à introdução de tecnologias limpas e com uma eficiente utilização de recursos;

- Família B4: é caracterizada por um crescimento contínuo da população, mas com taxas de

crescimento inferiores às da família A2, desenvolvimento económico intermédio e desenvolvimento tecnológico menor e mais diversificado do que nos casos das famílias A1 e B1.

A cada família corresponde um certo número de cenários, num total de 40 para o conjunto das quatro famílias. Na família A1, por exemplo, consideram-se três subgrupos de cenários, que se distinguem de acordo com as fontes de energia prevalecentes: A1F1 (utilização intensiva de energia fóssil); A1T (energia de fontes não fósseis) e A1B (energia correspondente a uma combinação de fontes fósseis e não fósseis).

Assumindo um determinado cenário de desenvolvimento socioeconómico e o consequente cenário de emissão de GEE, é possível recorrer a modelos climáticos para estimar a evolução do clima, tanto no que se refere a valores médios como à sua distribuição espacial e temporal. É assim possível avaliar as consequências climáticas das escolhas feitas em todo o planeta, individual ou coletivamente, e que resultam num determinado desenvolvimento socioeconómico e na consequente evolução da emissão de GEE para a atmosfera.

Mas diferentes modelos produzem cenários climáticos distintos, mesmo quando assumem o mesmo cenário de emissões de GEE. Esta disparidade resulta da adoção de diferentes premissas e simplificações necessárias para poder simular o funcionamento complexo do sistema climático do planeta durante um período de tempo de um ou dois séculos.

Não sendo possível avaliar com rigor a capacidade de simulação de cada modelo climático, opta-se frequentemente por analisar de forma integrada o conjunto dos resultados dos vários modelos de modo a identificar as principais tendências climáticas e as incertezas inerentes a este complexo exercício de simulação. Assim, por exemplo, de acordo com IPCC (2007a), a estimativa da subida do valor médio da temperatura da Terra estará compreendida entre 1,1 e 2,8C para o cenário B1, e entre 2,4 e 6,4C para o cenário A1F1.

O número de equipas que mantém modelos climáticos operacionais e que tem vindo a produzir com regularidade cenários climáticos à escala global e regional é relativamente reduzido. Os seus

22 Estratégia Setorial de Adaptação aos Impactos das Alterações Climáticas relacionados com os Recursos Hídricos resultados são por regra disponibilizados através de projetos de investigação, sendo de destacar os projetos europeus PRUDENCE (2001-2004), ENSEMBLES (2004-2009) e CORDEX (2008-presente). O projeto ENSEMBLES foi liderado pelo Met Office Haddley Centre do Reino Unido e envolveu mais de 60 parceiros de 20 países, na maioria europeus, e outras 30 organizações que foram consideradas como afiliadas. O projeto tinha como objetivo principal avaliar a incerteza associada às projeções climáticas, tendo para isso recorrido a várias metodologias para produzir um conjunto muito significativo de cenários climáticos para a Europa com diferentes premissas e resoluções espaciais (van der Linden e Mitchel, 2009). Os cenários climáticos para a Península Ibérica compilados por este projeto são descritos num conjunto de relatórios que complementa este documento orientador.