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5 O LÉXICO MENTAL

6.1 Protocolo da adaptação da Bateria

6.1.2 Adaptação do método experimental

A identificação de sinestetas sempre esteve em questão nos estudos em sinestesia, sendo um fator crucial para a elaboração de pesquisas experimentais e para a investigação da condição de um modo geral. O método normalmente utilizado para a identificação dos sinestetas, como explanado na seção 2.3 “O padrão ouro da sinestesia”, é o método longitudinal. Entretanto, Eagleman et al. (2007) elaboraram um conjunto de testes on-line para a identificação de sinestetas, a Synesthesia Battery, que é uma alternativa ao método longitudinal, o qual era basicamente o único recurso confiável para a identificação de indivíduos com tal condição (BARON-COHEN; WYKE; BINNIE, 1987). A Synesthesia Battery é formada basicamente por testes de emparelhamento entre os indutores e as sensações concorrentes e por questionários que objetivam coletar dados específicos de cada participante, por exemplo, se o participante é um sinesteta associador ou projetor. Um dos fatores que motivou a criação da Synesthesia Battery foi a limitação dos outros testes em relação à escolha das cores, pois estas opções eram limitadas em comparação à paleta de cores da ferramenta que tem cerca de 16.7 milhões de combinações disponíveis. A Synesthesia Battery está disponível na internet com acesso aberto, podendo ser utilizada por pesquisadores e também por indivíduos que queiram saber sobre a condição por conta própria.

Entretanto, não foi possível utilizamos a versão original da ferramenta, uma vez que todas as informações da Bateria (instruções, testes e questionários) estão em inglês. Dessa forma, adaptamos as instruções, os questionários e três testes (grafema-cor, dias da semana cor e meses do ano-cor) da ferramenta para o português brasileiro. Além dos testes que adaptamos, a Synesthesia Battery conta com a implementação de testes capazes de diagnosticar indivíduos com outras variantes de sinestesia, como as variantes instrumentos musicais-cor e movimento- som. Todos os testes seguem o seguinte padrão: os indutores são exibidos e devem ser emparelhados às suas respectivas sensações concorrentes. No teste grafema-cor, por exemplo, o conjunto de estímulos formado pelas 26 letras do alfabeto mais os dígitos de 0 a 9 são exibidos 3 vezes cada de forma randômica, totalizando 108 repetições (trials). A tarefa do participante é selecionar com o mouse uma cor entre as 16.7 milhões disponíveis em uma paleta de cores on-

line (256 x 256 x 256 cores) para o estímulo apresentado em sua tela.

As cores atribuídas nas três exibições de um dado estímulo são armazenadas e utilizadas para gerar a pontuação do teste. Cada estímulo tem sua própria média, que é chamada de medida de consistência interna, a qual garante a genuinidade da condição, pois sempre que

um dado estímulo é exibido, por exemplo, o grafema N, se espera que o sinesteta atribua exatamente a mesma cor ou uma cor muito semelhante, mesmo diante das quase 17 milhões de opções de cores da paleta. A variação de cor de cada estímulo de forma individual (representada pela variável vj) é medida através do algoritmo apresentado a seguir, reportado no trabalho de Eagleman et al. (2007) sobre a Synesthesia Battery, que, conforme os autores, representa a distância geométrica entre as três cores selecionadas pelo participante (cor 1: X1, cor 2: X2, cor

3: X3) para o mesmo estímulo durante o teste no espaço de cor em RGB (do inglês red, green e blue).

A distância entre essas três cores em RGB gera o escore geral, calculado através da média dos escores individuais, que é a medida responsável pelo diagnóstico da condição. O “N” da fórmula a seguir é preenchido pelo número total de estímulos que foram associados às cores sinestésicas.

Além da consistência interna concentrada individualmente nos estímulos, a bateria calcula se os emparelhamentos entre os estímulos e as cores de sinestetas genuínos são consistentes não apenas em casos isolados, mas na maioria dos estímulos de uma dada categoria, por exemplo, os meses do ano. O indivíduo que tem a condição apresenta consistência não somente entre os nomes dos meses e as cores associadas a eles, mas mantêm uma constante atribuição de cor a todos ou a maioria dos meses do ano. Em síntese, o método da Synesthesia Battery é o da consistência interna que deve ser observado em duas dimensões: (i) a consistência da cor associada a um dado estímulo, por exemplo, o participante associou o grafema B à cor azul nas 3 vezes que essa letra lhe foi apresentada; e (ii) a consistência em relação a todos os itens da categoria ou a maioria deles, que devem ter sido associados a cores específicas, havendo, portanto, consistência entre as associações sinestésicas dentro de uma categoria. Esse método oferece uma considerável contribuição para os pesquisadores em sinestesia, podendo substituir os testes longitudinais, já que o seu maior objetivo é diagnosticar sinestetas em uma única sessão.

Os autores da Synesthesia Battery estabeleceram o escore geral ≤1.0 como o limiar do diagnóstico de sinestesia, ou seja, participantes que tem a pontuação geral menor ou igual a

1.0 são diagnosticados com a condição. Conforme Carmichael et al. (2015), o “corte” do limiar da Bateria de Sinestesia pode ser considerado parte do problema mais fundamental da pesquisa em sinestesia. Rothen et al. (2013),além de proporem modelos alternativos para a identificação de sinestetas, aumentam o escore, argumentando que um escore ≤1.43 é mais eficiente para a identificação de indivíduos com a condição. Segundo os autores, o sistema de cores (RGB) utilizado no método de Eagleman et al. (2007) é um modelo relacionado à representação das cores, não à percepção delas, o que faz com que o escore ≤1.0 seja um corte rigoroso para a identificação de sinestetas genuínos.

Como já descrito brevemente na seção 2.6, apesar de já ser utilizada por pesquisadores em inúmeras investigações sobre sinestesia, o método só foi validado por Carmichael et al. em 2015. Para validar a Bateria, os pesquisadores recrutaram 2847 participantes da população em geral, objetivando identificar indivíduos com sinestesia grafema- cor através de uma réplica da ferramenta. O método utilizado para validar a Synesthesia Battery foi comparar a prevalência da sinestesia grafema-cor gerada pela réplica do teste (método da consistência interna) com a prevalência gerada pelo método longitudinal (consistência externa), tradicionalmente utilizado nos estudos em sinestesia. O parâmetro utilizado como método longitudinal foi o estudo de larga escala feito por Simner et al. (2006) (ver subseção 2.2). Os pesquisadores encontraram a prevalência de 1.2% de sinestetas grafema-cor na população em geral, utilizando a réplica da Synesthesia Battery em comparação à prevalência de 2% estimada pelo estudo de larga escala de Simner et al. (2006). “Esta reprodução de taxas de prevalência semelhantes sugere que a Synesthesia Battery é de fato uma metodologia válida para avaliar a sinestesia” (SIMNER et al., 2006, tradução nossa)31. Contudo, os pesquisadores ressaltam que

aumentar o “corte” do escore(≤ 1.43 proposto por ROTHEN et al., 2013) faz com que os dados do estudo de larga escala (SIMNER et al., 2006) alinhem-se mais adequadamente aos dados obtidos pelo estudo de validação. Aumentando o escore, a prevalência de sinestetas encontrados pela Synesthesia Battery é de 2.4%.