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Sacks (2007) relata que não sabia que muitos dos seus pacientes tinham sinestesia, pelo simples fato de nunca os ter perguntado antes. Ele acrescenta que o único caso de sinestesia que tinha conhecimento, antes de perguntar aos outros pacientes, era de um dos seus pacientes que se tornou daltônico, após um traumatismo na cabeça. Sacks (2007) conta que o paciente era músico e que tinha o que podemos nomear de sinestesia música-cor. Com o acidente, a capacidade do músico de experienciar as cores foi afetada e ele também perdeu a sua sinestesia. Esse caso, conduziu Sacks à seguinte formulação:

Isso me convenceu de que a sinestesia era um fenômeno fisiológico, dependente da integridade de certas áreas do córtex e das conexões entre elas - neste caso, entre partes de áreas específicas do córtex visual necessárias para construir a percepção ou as imagens mentais das cores. A destruição dessas áreas nesse homem deixou-o incapaz de vivenciar qualquer cor, inclusive a música "colorida". (SACKS, 2007, p. 168).

Essas conexões entre áreas específicas do córtex pontuadas por Sacks (2007) como a causa da sinestesia são abordadas em diversos modelos teóricos e em inúmeros estudos experimentais. Hubbard et al. (2005) investigaram a realidade espacial da experiência sinestésica através de um estudo que considerou duas medidas: (i) performance comportamental e (ii) dados obtidos através da técnica fMRI (Functional Magnetic Ressonance Imaging). Os testes foram feitos com seis sinestetas e seis não sinestetas. Em um dos testes, nomeado de Medidas por fMRI da Experiência Sinestésica (fMRI Measuremenets of Synesthetic

Experience), os pesquisadores esperavam encontrar diferenças quanto à ativação da área hV4

(relacionada ao processamento de cores) no cérebro do sinestetas, durante a exibição de grafemas e de estímulos não linguísticos. Além de diferenças relacionadas aos estímulos, eles também esperavam encontram diferenças entre o grupo de sinestetas e o grupo controle. A figura abaixo mostra os dois lócus corticais investigados: área hV4 (rosa) e a grapheme area (azul) (FIGURA 3). A figura sugere que, durante a exibição de grafemas, há ativação na

grapheme area tanto no cérebro do sinesteta como no do não sinesteta, porém a ativação da

Fonte: Hubbard et al. (2005).

Segundo os próprios autores, esse achado sugere que a experiência sinestésica acontece devido à ativação cruzada (cross-activation) de uma área cortical por outra. A compreensão de como esta cross-activation acontece é um dos principais interesses investigativos dos pesquisadores da condição. As teorias sobre as bases neurais da sinestesia podem ser alocadas em dois níveis distintos, mas que caminham lado a lado em investigações dessa natureza. O primeiro nível de investigação é chamado de nível neurofisiológico e o segundo de nível arquitetural (HUBBARD; RAMACHANDRAN, 2005). O nível neurofisiológico está relacionado ao porquê de algumas pessoas experienciarem a condição e outras não, contando com dois principais modelos que se propõem a dar conta desse problema teórico. Na primeira proposta estão os modelos de poda incompleta (pruning models) e na segunda os modelos de desinibição de feedback (disinhibed feedbacks models) (HUBBARD, 2007). Os modelos de poda incompleta argumentam a favor de diferenças estruturais no cérebro de indivíduos com sinestesia, uma vez que propõem que sinestetas teriam um maior grau de conexão entre áreas corticais do que os não sinestetas. Os modelos de desinibição de feedback, por outro lado, não favorecem a ideia de conexões aumentadas no cérebro de sinestetas em comparação ao de não sinestetas, mas argumentam que sinestetas e não sinestetas têm o mesmo número de conexões entre áreas corticais, porém os indivíduos do primeiro grupo teriam conexões desinibidas entre tais áreas (BARGARY; MITCHELL, 2008). Em síntese, o nível

Figura 3- Legenda original: fMRI Ventral Surface Activation in Synesthetes and Controls to Graphemic versus Nongraphemic Stimuli. Tradução nossa: Ativação da Superfície Ventral (fMRI) em Sinestetas e Controles para Estímulos Grafemas versus Estímulos não linguísticos.

neurofisiológico pode ser definido através da seguinte metáfora: sinestetas são como um grupo de turistas que, embora seja menor, tem mais pontes disponíveis entre as duas margens de um rio do que outro grupo que contém um maior número de turistas ou, ainda, como um grupo que não difere em número de pontes do grupo maior, mas que, por algum motivo, este último tem pontes que não estão liberadas para uso, impedindo a travessia.

Enquanto os modelos neurofisiológicos buscam responder ao “por que”, os modelos arquiteturais estão relacionados ao “como”. O nível arquitetural, portanto, atenta teoricamente para como a sinestesia acontece, isto é, se as áreas corticais envolvidas na experiência sinestésica (área do indutor e área da sensação concorrente) são ativadas diretamente ou se são mediadas por uma ou por mais áreas (BARGARY; MITCHELL, 2008). Apresentamos os principais modelos arquiteturais, conforme Hubbard et al. (2005):

1. Local Crossactivation: O teste de Hubbard et al. (2005) apresentado

anteriormente tem relação direta com esse modelo, pois a proposta do paradigma é que “[..] a sinestesia grafema-cor pode surgir a partir da crossactivation direta entre regiões do cérebro adjacentes” (p. 513, tradução nossa, grifo nosso).11

2. Long-Range Disinhibed Feedback: modelos que sugerem que a cross-activation

das áreas envolvidas na experiência sinestésica não seria via direta, mas “[... devido ao feedback desinibido de um nexo multissensorial, como a junção temporo- parietal-occipital” (p. 513, tradução nossa).12

3. Re-Entrant Processing: esses modelos são híbridos, pois além da atividade

normal que tem a seguinte direção: área hV1 para a área hV4, depois para a Região Temporal Inferior (RTI) e depois para a Região Temporal Inferior Anterior (AIT), haveria a seguinte atividade: o sinal da AIT retornaria para a RTI e seguiria da RTI para a área hV4, gerando a experiência sinestésica.

Os dois níveis de análise são condensados e formam pontos de vista em relação à experiência sinestésica. Hubbard et al. (2005), por exemplo, explicam a sinestesia através do modelo de poda incompleta (no nível neurofisiológico) e da Local Cross-activation (no nível arquitetural).

11 “[..] we have proposed that grapheme-color synesthesia may arise from direct crossactivation between these

adjacent brain region”.