• Nenhum resultado encontrado

5 O LÉXICO MENTAL

5.3 O léxico mental e a concretude das palavras

Figura 6- Representações de redes conceituais numéricas no mapa semântico do cérebro.

Palavras como “marinheiro” ou “elefante” normalmente têm cores que fazem parte da representação do referente no mundo (a palavra “marinheiro” foi associada por uma sinesteta lexema-cor à cor azul e “elefante” à cor cinza) (BARON-COHEN; WYKE; BINNIE, 1987). O grafema “A” é emparelhado frequentemente à cor vermelha (A é vermelho; A é o primeiro grafema da palavra “maçã”, apple em inglês) (MANKIN; SIMNER, 2017). O grafema “A” em si mesmo não tem um referente no mundo, mas a palavra que lhe é frequentemente associada tem. Os indivíduos envolvidos no processo de aprendizagem podem ter uma tendência a buscar a concretude do conceito (encontrar no mundo uma referência para o que foi aprendido) ou a aprender com base no concreto (as crianças frequentemente perguntam: “O que é isso?” “Qual o nome disso?”), logo a experiência sinestésica pode reverberar esta tendência, isto é, durante a aprendizagem de elementos que podem ser referenciados a experiência sinestésica pode auxiliar através da seguinte lógica: a cor do fotismo é a cor que remonta majoritariamente dado referente no mundo. Por outro lado, outros conceitos como os dias da semana e os meses do ano não têm referências diretas no mundo (como “elefante” e “marinheiro”), nem referências construídas (como “A” de apple ou “D” de dog). O conceito da palavra “terça-feira” pode ser suportado por questões concretas, como “nas manhãs de terça-feira, estou no estágio da disciplina de Psicolinguística”, mas não é essencialmente concreto. Sendo assim, não há como mapear os emparelhamentos entre as unidades de tempo e as cores.

Essa discussão pode ser relacionada a um dos principais interesses investigativos da pesquisa em acesso lexical: a diferença no processo de palavras abstratas e concretas. A seguir apresentaremos três teorias que objetivam explicar o processamento dessas palavras. Algumas das nossas hipóteses específicas estão suportadas teoricamente pela primeira teoria que será apresentada a seguir: a teoria da dupla codificação.

5.3.1 A teoria da dupla codificação

De acordo com a teoria da dupla codificação (PAIVIO, 2006), a cognição envolve a atividade de dois subsistemas: (i) um subsistema verbal que lida diretamente com a linguagem; e (ii) um subsistema não verbal ou imagético que lida com informações não linguísticas. O primeiro sistema domina em tarefas específicas, como palavras cruzadas, e o segunda na montagem de quebra-cabeças, por exemplo. Esta teoria tem duas hipóteses principais: (i) códigos verbais e não verbais, sendo funcionalmente independentes, podem ter efeitos aditivos sobre a recordação; (ii) imagens compostas que conectam estímulos são

formadas durante a apresentação do material linguístico e reintegradas em testes de Recall. Por exemplo, o termo “monkey-bicycle”, bicicleta de macaco em português, poderia ser imaginado como um macaco andando de bicicleta. A hipótese previa que a apresentação do estímulo concreto “macaco”, por exemplo, aumentaria a chance de o participante recordar a palavra “bicicleta.”

A hipótese um está relacionada a capacidade de se imaginar ou não uma palavra. Para Paivio (2006), palavras que podem ser codificadas duplamente, como as palavras concretas, são retomadas mais facilmente do que palavras que são mais difíceis de se imaginar, como as palavras abstratas. Este benefício mnemônico da dupla codificação foi sugerido por alguns trabalhos (PAIVIO, 1975 apud PAIVIO, 2006; PAIVIO; LAMBERT, 1981 apud PAIVIO, 2006). A segunda hipótese da teoria foi confirmada por outros trabalhos (por exemplo, PAIVIO, 1965 apud PAIVIO, 2006). Paivio (1965 apud PAIVIO, 2006) criou quatro tipos de estímulos experimentais, usando palavras concretas (C) e abstratas (A): (i) CC; (ii) CA; (iii) AC; e (iv) AA. A análise do escore de Recall deste teste apoiou a previsão da segunda hipótese da teoria da dupla codificação. Além disso, as palavras foram avaliadas pelos participantes quanto à facilidade com que elas despertavam imagens sensoriais. As imagens concretas, como já esperado pela teoria, foram mais bem avaliadas do que as abstratas.

Em síntese, à luz da hipótese da existência desses dois subsistemas especializados, esta teoria explica o benefício do efeito de concretude durante o processamento de rótulos linguísticos. Nessa perspectiva, as palavras concretas (por exemplo, gato, ventilador e panela) contam com os dois subsistemas, pois possuem uma representação linguística e imagética, enquanto que “palavras abstratas são difíceis de visualizar, logo são menos prováveis de serem codificadas duplamente” (PAIVIO, 2006, p. 4, tradução nossa)30.

Segundo o autor, o efeito de concretude pode ser percebido, sobretudo em testes de memória, pois a performance dos indivíduos nesses testes tem uma correlação linear positiva à concretude dos estímulos, isto é, palavras concretas são mais bem retomadas do que palavras abstratas, mas imagens de objetos são melhor retomadas do que as palavras concretas que se referem a estes objetos. Além disso, Paivio (2006) cita as aplicações educacionais do seu modelo, por exemplo: (i) material verbal concreto melhora a leitura, a compreensão e o Recall em crianças e em adultos; (ii) a combinação de fotos, imagens mentais e elaborações verbais é mais eficiente na promoção na promoção da compreensão e da aprendizagem de textos por estudantes de diferentes níveis.

5.3.2 A hipótese da disponibilidade de contexto

Conforme a hipótese da disponibilidade de contexto, o efeito de concretude é causado por conta das informações contextuais disponíveis (SCHWANENFLUGEL; AKIN; LUH, 1992). As informações disponíveis a partir de conhecimentos prévios justifica o efeito de concretude. A melhor retomada das palavras concretas em testes de Recall pode ser explicada pela habilidade dos indivíduos de relacionar os estímulos dos testes aos seus conhecimentos prévios. As palavras abstratas por serem menos compreendidas são menos retomadas, pois os indivíduos teriam dificuldades em acessar os conhecimentos de mundo que são necessários para a compreensão dos estímulos em um teste experimental, por exemplo. Conforme os autores da hipótese, palavras abstratas são pior retomadas do que palavras concretas porque possuem menor disponibilidade contextual na memória.

A hipótese foi testada através de experimentos realizados pelos autores. Um dos experimentos utilizou a tarefa de Recall para investigar a influência da disponibilidade de contexto no processamento de palavras concretas e abstratas. As duas variáveis independentes manipuladas foram: (i) concretude (palavras concretas e palavras abstratas); e (ii) avaliação da disponibilidade de contexto (condição controlada e condição confundida). Na condição controlada da segunda variável independente, as palavras concretas e abstratas foram escolhidas como sendo equivalentes na facilidade com a qual os participantes poderiam pensar em contextos ou circunstâncias associados a elas; as palavras abstratas dessa condição foram avaliadas como sendo menos concretas e imagináveis. Na condição confundida desta mesma variável, as palavras concretas e abstratas diferiram na avaliação de disponibilidade contexto, concretude e imaginação. Considerando este experimento, a hipótese da disponibilidade contexto previa que o efeito de concretude seria percebido apenas quando a disponibilidade de contexto fossem confundias, ou seja, não deve haver efeito de concretude quando a informação contextual prévia é controlada. Entretanto, os resultados do experimento 1, não suportam empiricamente a hipótese da disponibilidade de contexto, pois, conforme os autores, o recall de palavras concretas foi 12,1% melhor do que o de palavras abstratas, mesmo quando a disponibilidade de contexto foi controlada. Os dados do estudo não trazem sugestões a favor da disponibilidade de contexto.

A teoria da dupla codificação estendida (HOLCOMB et al., 1999 apud DING; LIU; YANG, 2017) pode ser definida como um modelo híbrido, pois explica o efeito de concretude, considerando não apenas o sistema dual proposto pela teoria da dupla codificação (PAIVIO, 2006), mas utiliza também a hipótese da disponibilidade contextual (SCHWANENFLUGEL; AKIN; LUH,1992).

6 A BATERIA DE SINESTESIA EM PORTUGUÊS

Nesta dissertação, adaptamos para o português brasileiro uma bateria de testes que identifica indivíduos com as sinestesias grafema-cor, dias da semana-cor e meses do ano-cor. A adaptação, feita a partir da Synesthesia Battery (EAGLEMAN et al., 2007), está disponível no site sinestesia.ufc.br. O método utilizado na Synesthesia Battery já foi validado (CARMICHAEL et al., 2015) e a ferramenta, no seu idioma original, inglês, tem sido utilizada em vários estudos de sinestesia.