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5 O LÉXICO MENTAL

7.5 Medidas examinadas (tarefas para sinestetas)

7.5.4 Discussão

A principal hipótese deste estudo é que os mecanismos que conduzem as sinestesias dias da semana-cor e meses do ano-cor estão relacionados a noções conceituais numéricas e abstratas. Esperávamos encontrar diferenças na ausência/presença de emparelhamentos sinestésicos, no número de cores e na consistência das associações ao manipularmos duas categorias: uma categoria de natureza numérica/abstrata (tempo) e outra categoria de natureza não numérica/concreta (veículo). Ao analisar os nossos dados, não encontramos diferenças estatisticamente significativas em função do tipo de categoria. Atribuímos esse achado não à ausência de uma natureza numérica desses tipos de sinestesia, mas à possível violação de alguns princípios numéricos durante a exibição dos estímulos dos dois agrupamentos.

Conforme Gelman e Gallistel (1978 apud PURVES et al., 2008 p. 565) o primeiro princípio relacionado à forma como contamos, logo à nossa cognição numérica, é o princípio da ordem estável, isto é, os exemplares de uma lista contável são fixos, não aleatorizados. Os estímulos das duas categorias não foram aleatorizados, o que pode ter transferido uma característica fixa para a categoria veículo que essencialmente não tem esse atributo. Notavelmente, as categorias já instaladas no léxico mental dos usuários de uma dada língua possuem exemplares mais e menos prototípicos, o que pode influenciar o acesso lexical. Se pedirmos, por exemplo, para alguém nos dizer nomes de frutas, dificilmente kiwi e graviola serão os primeiros exemplares recuperados, porém possivelmente banana e maçã estarão no topo da lista. Exemplares de categorias, como frutas, pedras preciosas e artigos de decoração não possuem uma ordem fixa no processo de aprendizagem, pois nos parece que a posse de uma ordenação rígida não faz parte da natureza desses agrupamentos. Sendo assim, é possível que, ao fixamos uma ordem de exibição dos estímulos da categoria veículo durante a etapa de aprendizagem, tenhamos criado o viés da ordenação estável, que é muito caro à cognição numérica.

Além disso, a criação semântica de cada categoria pode ter comprometido a diferenciação explícita entre numérico e não numérico, pois ambas estavam relacionadas tanto aos períodos festivos da sociedade Tauran, quanto às atividades agrícolas, o que pode ter causado, em alguma medida, interferência de uma categoria na outra. Tais pontos podem também ter interferido na métrica consistência dos emparelhamentos. Não encontramos diferença na consistência das associações em função do tipo de categoria, possivelmente,

porque também não houve nenhuma divergência na etapa de aprendizagem dos dois agrupamentos.

Ainda precisamos investigar o que, de fato, faz a condução das sinestesias dias da semana-cor e meses do ano-cor. “Talvez o giro angular represente o conceito abstrato de numeração e sequência ou cardinalidade e isso explicaria porque em alguns sinestetas superiores os dias da semana e os meses do ano desencadeiam cores” (RAMACHANDRAN; HUBBARD, 2001). Concordamos com os autores, pois acreditamos que a condução desses tipos de sinestesia pode estar sim relacionada a noções gerais de abstração e de cardinalidade. Sugerimos que estudos futuros façam outras manipulações para que seja analisado se as sinestesias dias da semana-cor e meses do ano-cor possuem bases numéricas.

Nos propomos a investigar também em que medida os mecanismos que conduzem a variante grafema-cor se diferenciam dos que direcionam as variantes dias da semana-cor e meses do ano-cor. Ward, Simner e Auyeung (2005) compararam dois perfis de sinestesia, grafema-cor e léxico-sabor, encontrando diferenças entre as duas variações. Os nossos dados sugerem que também há uma diferença entre os perfis dias da semana, meses do ano e grafema- cor. Os sinestetas que experienciam os três tipos de sinestesia atribuíram um maior número de cores para as pseudopalavras do que os sinestetas que experienciam apenas as variantes dias da semana e/ou meses do ano-cor, tanto no teste específico de emparelhamentos como no teste final, o que suporta o que reportamos na revisão da literatura sobre os elementos sublexicais, grafemas, que conduzem a sinestesia grafema-cor, os quais estendem as suas cores individuais para a palavra inteira. Além disso, os sinestetas que possuem os três tipos da condição atribuíram mais cores para as pseudopalavras inseridas no teste final do que os sinestetas apenas dias da semana e/ou meses do ano-cor, o que sugere que para os sinestetas do primeiro subgrupo a forma da palavra tem mais influência do que a presença ou a ausência de conceituação. Por outro lado, os sinestetas apenas dias da semana-cor e/ou meses do ano-cor tendem a não fazer nenhum emparelhamento na ausência de cargas semânticas. Alguns sinestetas apenas dias da semana-cor e/ou meses do ano-cor nos reportaram, após o experimento, que as palavras que não foram vistas nos testes só desencadearam cores porque se parecem com palavras que eles, de fato, conheciam.

De uma forma geral, as nossas análises indicam que o número de cores que os sinestetas dias da semana-cor e/ou meses do ano-cor atribuíram às pseudopalavras foi significativamente menor, o que sugere que, nesse caso, não é a unidade grafema que conduz os emparelhamentos. A diferença nesses perfis de sinestesia pode sugerir, como Ward, Simner

e Auyeung (2005) reportaram em sua investigação, “diferentes localizações geográficas dos centros perceptivos afetados no cérebro”. Como já pontuamos, os nossos 3 sinestetas grafema- cor também têm as sinestesias dias da semana e meses do ano-cor, mas os outros 10 participantes com as sinestesias dias da semana e/ou meses do ano -cor não experienciam a variação grafema-cor, o que também pode sugerir uma predominância dos mecanismos do primeiro tipo em testes dessa natureza. Contudo, não podemos chegar a resultados, de fato, conclusivos, pois o N do subgrupo que experiencia os três tipos de sinestesia foi pequeno. Sugerimos, portanto, que trabalhos posteriores investiguem as diferenças entre esses perfis com uma população maior de sinestetas, dialogando com as possíveis diferenças entre eles já indicadas no presente estudo.

Além disso, uma das nossas hipóteses específicas trata das bases conceituais das sinestesias dias da semana-cor e meses do ano-cor. Prevemos que as pseudopalavras conceitualizadas nas etapas de aprendizagem receberiam mais cores sinestésicas em um teste de emparelhamento geral (com as pseudopalavras vistas nas etapas anteriores e com pseudopalavras nunca vistas anteriormente) do que as pseudopalavras não vistas. Como já foi reportado na comparação dos dois subgrupos, nossa previsão foi confirmada, o que sugere que as variantes dias da semana-cor e meses do ano-cor possuem uma base conceitual, mesmo quando conexões semânticas são formadas em um curto período de tempo. Conforme Watson

et al. (2014), todos os casos de sinestesia envolvem aprendizagem de categorias complexas, o

que suporta teoricamente o motivo de os participantes não atribuírem cores às pseudopalavras que não foram conceitualizadas e que, portanto, não integravam uma categoria de alto nível.

7.6 Medidas examinadas (tarefas para sinestetas e para o grupo controle)