• Nenhum resultado encontrado

PARTE III – Entre espaços e lugares: uma análise espacial da Penitenciária de

Capítulo 4: A Penitenciária de Alcaçuz e seus espaços

4.2. O espaço interno: descrição dos espaços/lugares da penitenciária

4.2.2. A adaptação

Dentro dos limites da instituição também está presente um setor conhecido como “adaptação” ou “chapa”, destinado a abrigar os apenados que estão chegando à instituição e, antes de serem encaminhados aos pavilhões, passam um determinado período por lá – de quinze a trinta dias – enquanto é decidido a que pavilhão serão remanejados. É preciso esperar esse tempo de “adaptação” porque se verifica qual pavilhão está com vagas e se o novato não possui algum “inimigo” – também recluso na instituição – a fim de que sejam colocados em lugares distintos. Esse setor também se destina a abrigar os presos que desrespeitaram alguma norma da instituição, logo, são encaminhados à “chapa” para cumprir um período de sanção disciplinar, o famoso “castigo”.

O setor de adaptação foi construído com a finalidade de servir de local para os internos receberem a visita íntima. Assim, os internos sairiam do pavilhão para receber suas visitas nesse setor. Ao término da visita, seriam revistados e retornariam aos seus pavilhões, o que evitaria o recebimento de materiais ilícitos. Mas, essa dinâmica de visitas não chegou a acontecer e os internos recebem suas companheiras nos pavilhões.

O detento Marcos nos apresenta alguns detalhes acerca das características das celas da adaptação:

223ENTREVISTA, EMANUEL, Nísia Floresta, 13 jan. 2015.

224Durante o ano de 2015, no sistema penitenciário do Rio Grande do Norte ocorreu uma série de

rebeliões, as quais culminaram em diversas mortes de apenados, devido a brigas entre facções criminosas rivais (Sindicato do RN e PCC). Em razão disso, a administração do sistema penitenciário resolveu separar os internos por facções. Assim, a Penitenciária Estadual de Alcaçuz passou a abrigar exclusivamente internos da facção Sindicato do RN, além daqueles que não pertencem a facções. O pavilhão 3 é conhecido como “a massa”, pois abriga internos sem facção.

Tem 3m x 3,5m, é menor que uma baia de cavalo, uma baia de cavalo tem 4m x 4m, é pequeno, então é um espaço com uma cama, por que aquela área foi feita pra ser é parlatório, pra receber visita íntima, então tem uma cama de casal, uma “pedra” de casal né, só que, naquilo ali, numa salinha dessa aí, tem sete ou oito. Eu já vi com doze ou treze, meu Deus! É totalmente insalubre, totalmente insalubre. Eu tô falando insalubridade quanto à luz, luminosidade, aeração225.

Podemos ter a noção de que essas celas são muito pequenas, insalubres e superlotadas. Ainda sobre a descrição desse setor, existe um hall de entrada, além de:

Um único corredor com 25 celas umas de frente para as outras. Em cada cela onde deveria ter normalmente um preso, tem nove, dez presos (...) Eles não recebem visita, não recebem alimento externo, só o de dentro do presídio. Chega luz nas celas, mas pouca luz. Não é como nas celas dos pavilhões, mas eles recebem luz. A porta é o que agente chama de chapa, ela é chapada, mas de uns meses para cá, ela recebeu uns furos226. Ficava praticamente escuro. Tem uma janelinha. Tem uma entrada de ar tanto de um lado quanto de outro da cela. Tanto do lado do corredor da adaptação quanto para a área externa do prédio227.

Assim, os apenados que estão reclusos na adaptação são submetidos a uma rotina diária diversa daqueles que se encontram nos pavilhões, além de não poderem receber visita nem alimento externo, eles não têm direito de usufruir do banho de sol. Somente é permitido que os familiares lhes tragam material de higiene e de limpeza. Portanto, a permanência nesse setor acaba sendo uma experiência muito sofrida, já que os internos ficam trancados numa pequena cela escura e lotada, tendo de dormir praticamente grudados uns nos outros. Esse é também um fator que contribui muito para a transmissão de doenças no ambiente da adaptação, constituindo-se num lugar propício para o contágio de doenças de pele e de tuberculose, ainda presente nos presídios. Sobre isso, o interno Marcos, que presta alguns serviços médicos na unidade228, afirma: “eles [agentes] colocam muitas vezes as pessoas sem roupas, dormindo uns colados nos

225ENTREVISTA, MARCOS, Nísia Floresta, 13 set. 2014. 226

Os furos na porta foram feitos em razão de um pedido informal do juiz da Vara de Execuções Penais à direção da unidade prisional, para que os internos tivessem uma estadia mais digna nesse setor.

227ENTREVISTA, EMANUEL, Nísia Floresta, 13 jan. 2015. 228

Antes de ser preso, o interno Marcos era médico. Então, ele trabalha na unidade fazendo a distribuição de medicamentos.

outro. Então, eu atendi muito, atendo direto dermato-micoses, dermatoses profundas que são as chamadas “chanhas”, palavra horrível, grosseira né, é um desastre229”.

A realidade da adaptação e o sofrimento que provoca nos internos é tão notória, que alguns agentes penitenciários costumam considerá-la o pior lugar do presídio:

O pior lugar para mim dentro da cadeia é o setor de adaptação, do castigo, que serve como triagem dos presos e sanção disciplinar. Então, é um local que eles não recebem visita. Tem o material de limpeza e higiene que eles recebem normalmente, mas comida e visita dos familiares simplesmente não têm. Então, creio que acaba sendo o local mais cruel230.

Além de ser considerada um lugar ruim devido às privações a que submete o recluso, a adaptação também é enxergada negativamente devido ao isolamento imposto ao interno, o que pode acabar ocasionando transtornos psicológicos, conforme o relato da agente Maria: “eu acho lá, a chapa, o pior lugar do presídio, lá já aconteceu muito suicídio. Você fica isolado no local, termina mexendo psicologicamente com a pessoa, a pessoa não aguenta e termina se suicidando”231. A situação é tão crítica que termina emocionando aqueles que presenciam o sofrimento dos apenados da adaptação, segundo Marcos “você vê coisas horríveis, o que eu já vi de dor de fome, sabe pra mim é... uma coisa mais desumana a adaptação, o primeiro dia que eu fui lá e eu sou muito realista de falar pra você, eu vim e sentei nessa cadeira que eu tô aqui e chorei”232

.