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PARTE II – Panorama do sistema prisional brasileiro

Capítulo 2: O sistema penitenciário atual: encarceramento em massa

2.4. Soluções para o hiperencarceramento

Conforme vimos, observa-se que o uso não excepcional e prolongado da prisão preventiva tem um impacto direto no aumento da população carcerária e termina por contribuir para o aumento das consequências negativas da superlotação para os reclusos e para a própria administração penal. O uso excessivo dessa medida é contrário à essência do Estado Democrático de Direito, assim como a implantação de políticas criminais orientadas a legalizar o uso da prisão preventiva como uma forma de justiça “antecipada” está à margem do devido processo legal. Além do que é contrário ao regime estabelecido pela Convenção e Declaração Americanas e aos princípios que inspiram a Carta da OEA. Ademais, é politicamente irresponsável que os Estados se elidam do dever de adotar políticas de longo prazo mais eficazes na resolução dos problemas de segurança pública, mediante a adoção de simples medidas populistas de curto prazo, que acabam trazendo um grande ônus financeiro para o Estado125.

Portanto, as soluções para o problema do encarceramento em massa estariam na adoção de políticas e estratégias que culminassem em reformas legislativas e institucionais necessárias para assegurar um uso mais racional da prisão preventiva, a fim de que realmente só se recorra a essa medida de forma excepcional. Assim como se faz extremamente necessária a observância dos prazos máximos estabelecidos legalmente para a permanência das pessoas em prisão preventiva126. É igualmente importante a promoção e o uso de outras medidas cautelares, como a monitoração eletrônica, que já estão presentes na legislação, mas são raramente aplicadas. Contribuiria ainda a adoção de uma política pública mais ampla, visando ao funcionamento eficaz do sistema de justiça penal e propondo estratégias gerais de prevenção de delitos, além de uma menor repressão para os delitos considerados mais leves, que são aqueles cometidos sem violência ou grave ameaça, isto é, delitos que afetam tão somente o patrimônio, como um furto simples.

125Informe sobre el uso de la prisión preventiva em las Américas. p. 45-46. Disponível em:

www.oas.org/es/cidh/ppl/informes/pdfs/informe-pp-2013-es.pdf.Acesso em 02 jul. 2015.

Conforme dito, uma alternativa para a redução do número de encarcerados é justamente a adoção de uma maneira de punir mais branda, também conhecida como postura garantista ou aplicação do direito penal mínimo127. Sobre os estudiosos dessa tendência, podemos destacar dois juristas que a apoiam: o argentino Raúl Zaffaroni e o brasileiro Rogério Greco. No tocante ao sistema penal latino-americano, o jurista argentino atesta a existência de uma crise no sistema punitivo, “que se manifesta em uma progressiva „perda‟ das „penas‟, isto é, as penas como inflição de dor sem sentido”128

.

Justamente devido às características do sistema penal e penitenciário da América Latina é que Zaffaroni assume essa posição. Observamos um sistema penitenciário falido que pune enfaticamente uma determinada classe social e termina não conseguindo propiciar ao condenado condições de ressocialização. Então, acaba somente por submetê-lo a uma realidade degradante, que o impõe uma “dor sem sentido” ou ainda uma dor eminentemente vingativa, pois a prisão termina funcionando apenas como uma “retribuição” pelo crime cometido, uma vez que a experiência no cárcere dificilmente contribuirá para que o recluso saia ressocializado. Pelo contrário, em razão das condições encontradas nas cadeias, os bandidos terminam por se especializarem nas práticas delituosas, funcionando as cadeias como verdadeiras “universidades do crime”. Portanto, teria o sistema penal perdido a sua legitimidade e as penas aplicadas seriam “perdidas”, conforme as ideias de Zaffaroni (2010). Em razão disso, é defendida a aplicação do direito penal mínimo, segundo o jurista Rogério Greco:

A tarefa de selecionar os bens [jurídicos a serem tutelados pelo Estado] parte, primeiramente, da sua valoração de acordo com uma

127

A teoria do garantismo penal foi criada pelo jurista italiano Luigi Ferrrajoli, o garantismo é conceituado por ele não só como uma teoria do Direito, mas também como modelo normativo e filosofia política. Assim, Ferrajoli entende o garantismo a partir de três planos: no plano epistemológico como um sistema cognitivo ou de poder mínimo, no plano político como uma técnica de tutela que pode minimizar a violência e maximizar a liberdade, e no plano jurídico como um sistema de vínculos impostos ao poder punitivo do Estado em garantia dos direitos dos cidadãos. Ver: GIL, Lise Anne de Borba Franzoni. O

garantismo jurídico de Luigi Ferrajoli e a teoria da argumentação jurídica de Robert Alexy: uma

aproximação teórica. Florianópolis: UFSC, 2006. Dissertação (Mestrado em Direito).

128

ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. Rio de janeiro: Revan, 2010,p.12

concepção minimalista, na qual somente aqueles realmente importantes poderão merecer a proteção do Direito Penal129.

Assim, de acordo com esse entendimento, mereceriam a tutela do direito penal apenas os bens jurídicos mais relevantes, como a vida. Todavia, importa salientar que:

O direito penal mínimo não gira em torno tão somente do princípio da intervenção mínima (que é, afinal, um dos principais), mas sim de vários outros postulados que convergem para o mesmo pensamento. Um exemplo disso é o princípio da proporcionalidade, que deve orientar a punição estatal (quando imprescindível). Em suma, significa estabelecer limites da atuação do Estado nas condutas humanas com o fim de punir de fato os crimes mais relevantes, porém deixando outros tipos penais pouco relevantes para serem resolvidos em outras searas do direito. Também cabe ressaltar a importância da adoção do direito penal mínimo no combate à criminalidade, tendo em vista a criação de meios ressocializadores mais efetivos aos egressos da prisão, da aplicação de penas alternativas, dentre tantos outros exemplos130.

Portanto, além de desprezar a reprimenda aos delitos mais leves – repassando a questão para outras searas do direito, como a cível – a postura garantista reclama o uso do princípio da proporcionalidade para orientar as punições e também a utilização de medidas que oportunizem a ressocialização dos condenados, contribuindo, para a redução da criminalidade. Assim, observa-se que a adoção do direito penal mínimo pode ser uma solução na diminuição do fenômeno de hiperencarceramento vivenciado pelo Brasil.