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PARTE III – Entre espaços e lugares: uma análise espacial da Penitenciária de

Capítulo 5: A penitenciária e suas rotinas

5.3. Conflitos no espaço: rebeliões, fugas e mortes

5.3.2. Em busca da liberdade: o histórico de fugas

O dia tá chuvoso. O clima tá tenso. Vários tentaram fugir, eu também quero. Mas de um a cem, a minha chance é zero. Será que Deus ouviu minha oração? Será que o juiz aceitou apelação? (Diário de um Detento, Racionais MC’s)

Conforme afirma o fragmento da música acima, a vontade de alcançar a liberdade permeia constantemente o pensamento dos internos, que apelam tanto para a justiça, como para as divindades, em busca de se verem livres da reclusão. Não tendo suas apelações atendidas, partem em busca de estratégias para escapar da prisão, sendo dos mais variados tipos as artimanhas utilizadas pelos presos para tentar se evadir.

Desde a inauguração da penitenciária, diversas foram as ocorrências de fugas. Para se ter uma ideia, apenas quatro meses após o início do funcionamento, houve a primeira fuga333, que serviu para se contrapor à ideia de que a penitenciária era de segurança máxima. Logo, ficou provado que a segurança oferecida era mínima. No caso da penitenciária de Alcaçuz, em geral, as fugas acontecem através de túneis334, já que a penitenciária foi erguida sobre um terreno de dunas, que facilita a escavação. As fugas se tornaram ainda mais frequentes a partir das rebeliões de março de 2015335. Como os internos quebraram todas as grades das celas336, ficaram com amplo acesso ao pavilhão em que estão presos, podendo escavar em qualquer parte. Antes, ficavam com o acesso limitado às suas celas e só podiam frequentar as áreas comuns durante os banhos de sol. Outro ponto que facilita a escavação é a ausência de vigilância constante no interior dos

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26/07/1998: quatro meses após inaugurada, a primeira fuga. Otacílio Soares da Costa, considerado preso de confiança, sai pela porta da frente para consulta médica e foge. (“ALCAÇUZ: uma história de fragilidade e fugas”. Tribuna do Norte, Natal, 14 dez. 2014).

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17/01/2010: quinze presos do pavilhão 4 fogem usando túnel de 20m de comprimento e 3m de profundidade; 05/05/2010: sete presos fogem usando o mesmo túnel da fuga de janeiro; 24/06/2010: cinco presos fogem do pavilhão 4 usando a mesma estrutura de túnel de fugas anteriores; 29/09/2011: nove presos fogem por túnel também no pavilhão 4; 10/01/2012: mais quatro homes fogem e SEJUC assume não dispor de dinheiro para fechar túneis corretamente; 03/12/2012: túnel no pavilhão 1 é utilizado por seis internos para fuga. (“ALCAÇUZ: uma história de fragilidade e fugas”. Tribuna do

Norte, Natal, 14 dez. 2014).

335Somente no mês de abril de 2015, 67 apenados fugiram utilizando túneis. (“ALCAÇUZ vive rotina de

fugas”. Tribuna do Norte, Natal, 23abril 2015). Em 2016, esse número continuou crescendo e no mês de junho de 2016, haviam sido registradas 35 fugas e 244 fugitivos. (“SEJUC confirma 33 fugas em Alcaçuz”. Tribuna do Norte, Natal, 10 jun. 2016).

336A estrutura do presídio passou por reforma e foi completamente consertada, mas os internos não

aceitam permanecer trancados. Afirmam que se forem trancados irão quebrar novamente toda a estrutura dos pavilhões.

pavilhões pelos agentes penitenciários, que devido ao baixo contingente de profissionais, ficam impossibilitados de entrar diariamente nos pavilhões, já que os apenados estão soltos. Essa entrada só é possível se houver apoio da polícia militar ou de grupamentos especiais do sistema penitenciário. A existência de guaritas desativadas e a falta de iluminação nos arredores da penitenciária contribuem também para uma maior ocorrência de fugas.

Imagem: Grande escavação no pavilhão 1 (2015)337

Imagem: “Caverna” descoberta no pavilhão 1 (2014)338

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Fonte: Portal BO.

Imagem: Túnel embaixo da cama de alvenaria (2015)339

Imagem: Saída do túnel na parte externa do presídio (2016)340

Imagem: Interno morre soterrado tentando fugir (2015)341

Embora o modo mais usado seja o túnel, diversos são os meios de fuga utilizados pelos internos, podemos citar também as “terezas342” usadas para escalar o

339Fonte: Portal BO. 340Fonte: G1/RN. 341

Fonte: Portal BO.

muro343. Há ainda registro de fugas após os internos serrarem as grades das celas344, pulando pelo telhado345, durante saídas para atendimento médico346 e saindo às escondidas em carros que adentraram a unidade prisional347. Registram-se também histórias inusitadas como a de um preso que tentou fugir se vestindo de mulher348 e uma verdadeira fuga cinematográfica, arquitetada pelo famoso bandido do oeste potiguar Valdetário Carneiro349, considerado um criminoso de alta periculosidade.

Valdetário chegou à penitenciária de Alcaçuz no dia 06 de junho de 2000. Lá chegando encontrou dois de seus parceiros de crime: o primo Cimar Carneiro e Leodécio Reinaldo Pereira, conhecido como Diamor. A partir daí, passaram a planejar a melhor maneira de fugir da prisão. A polícia foi informada sobre a suposta fuga, tendo recebido a informação de que o filho de Valdetário seria o suposto executor da ação para resgate do pai. Na tentativa de impedir essa fuga, durante várias noites, policiais se revezaram fazendo o patrulhamento dos arredores da penitenciária. Passaram-se vários dias e nada aconteceu, até que o bando de Valdetário decidiu agir num final de semana, quando normalmente há um menor efetivo fazendo a guarda do presídio:

Noite de 4 de novembro de 2000, um sábado, exatamente cinco meses após a prisão de Valdetário (...) Duas caminhonetes, uma Ford Ranger

34308/11/1998: Severino Ramos e Isaac Laurentino fogem pulando o muro usando terezas; 28/04/1999:

onze aproveitam a falta de sentinelas e fogem do pavilhão 2 usando terezas; 14/07/1999: mais oito presos fogem do pavilhão 2 usando terezas; 07/05/2004: sete homens fogem pulando o muro da unidade; 28/04/2005: três presos fogem fazendo uso de terezas; 30/04/2006: fogem seis presos do pavilhão 3 pulando o muro; 26/06/2009: quatro presos se aproveitam da falta de vigilância e fogem com uma escada feita de cordas; 08/06/2012: Dois internos fogem com a ajuda das terezas. (“ALCAÇUZ: uma história de fragilidade e fugas”. Tribuna do Norte, Natal, 14 dez. 2014).

34406/07/2002: cinco internos serram grades e fogem do pavilhão 1; 03/08/2006: dois internos fogem após

serrarem as grades e pular o muro; 17/07/2007: dez presos fogem após serrarem as grades. (“ALCAÇUZ: uma história de fragilidade e fugas”. Tribuna do Norte, Natal, 14 dez. 2014).

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19/12/2008: Valdgley Souza do Nascimento escapa do presídio pelo telhado da administração. (“ALCAÇUZ: uma história de fragilidade e fugas”. Tribuna do Norte, Natal, 14 dez. 2014).

346 26/08/1998: Cláudio Bandeira e Edvaldo Costa de Faria saem escoltados para um posto médico e

fogem no retorno para a penitenciária. (“ALCAÇUZ: uma história de fragilidade e fugas”. Tribuna do

Norte, Natal, 14 dez. 2014).

34704/07/2000: Antônio Carlos Correia, Nildo Alves e Jailson Serra fogem escondidos no carro que

distribuía leite ao presídio. (“ALCAÇUZ: uma história de fragilidade e fugas”. Tribuna do Norte, Natal, 14 dez. 2014).

34813/05/2003: Francisco Canindé Silva tentou fugir vestido de mulher. Usando peruca e salto, só foi

reconhecido por causa da barba. (“ALCAÇUZ: uma história de fragilidade e fugas”. Tribuna do Norte, Natal, 14 dez. 2014).

349Valdetário era um bandido muito temido, ganhou fama pelos feitos criminosos espetaculosos.

Comandava assaltos a bancos e homicídios. Para alguns era tido como um herói, devido à opção de assaltar somente bancos e porque pregava a proteção aos pequenos produtores sertanejos. Foi morto em dezembro de 2003 por uma ação policial e o seu velório na cidade de Caraúbas/RN foi acompanhado por uma multidão. (“A HISTÓRIA do Valdetário de „carne e osso‟”. Tribuna do Norte, Natal, 08 dez. 2013).

e uma Chevrolet Silverado, aparecem nas imediações de Alcaçuz. Como em um filme hollywoodiano de guerra, armados com granadas, metralhadoras e fuzis de uso exclusivo das Forças Armadas, o grupo que estava nos carros tomou uma das guaritas do presídio. Os homens colocam duas escadas com mais de dez metros nos muros da cadeia. Por elas passam Val, Cimar e Diamor. Eles sobem nas caminhonetes, que desaparecem velozmente pelas estradas de barro que dão acesso ao presídio. Outros 27 presos aproveitam a ação e também ganham a liberdade. Desses, dez foram recapturados e outros seis morreram logo após escaparem da unidade prisional350.

Portanto, através das matérias jornalísticas citadas, pode-se constatar a grande ocorrência de fugas na Penitenciária de Alcaçuz, principalmente, nos últimos dois anos. Várias são as maneiras utilizadas pelos internos para burlar a vigilância e conseguir atingir a tão desejada liberdade. Muitas das tentativas são frustradas pelos agentes penitenciários e policiais, que diariamente se esforçam no sentido de fazer uma patrulha efetiva do presídio. Assim, acabam descobrindo túneis, desarticulando planos de fuga e recapturando fugitivos. Para alguns dos internos, a opção pela fuga acaba se mostrando traiçoeira, pois na busca pela liberdade acabam encontrando a morte, seja em razão de confrontos com a polícia ou pela própria natureza do meio escolhido para a fuga, que é o caso da morte por soterramento.