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PARTE II – Panorama do sistema prisional brasileiro

Capítulo 2: O sistema penitenciário atual: encarceramento em massa

2.6. A legislação penitenciária no Brasil

Atualmente, existem diversos instrumentos legais que abordam a questão penitenciária, alguns de abrangência e eficácia internacional, aos quais o Brasil aderiu e se comprometeu a respeitar os seus ditames, como a Convenção e a Declaração Americanas e as Regras Mínimas para o Tratamento dos Presos da ONU. No caso da legislação penitenciária brasileira, além dessas normas internacionais, regula a questão a Constituição Federal, assim como a Lei 7.210 de 11 de julho de 1984, também conhecida como Lei de Execução Penal (LEP), que regula as diretrizes do sistema penitenciário do Brasil, aplicando-se aos presos provisórios e aos condenados.

Além dessa lei específica, o Código Penal (Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940) e o Processual Penal (Decreto-lei n.º 3.689, de 3 de outubro de

140CPI sistema carcerário. Brasília: Centro de Documentação e Informação – Edições Câmara, 2009,

1941) trazem algumas normas sobre administração penitenciária, prisão e punição. Assim como as seguintes leis: a Lei Complementar n.º 79, de 7 de janeiro de 1994, que cria o FUNPEN (Fundo Penitenciário Nacional), a Lei n.º 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais; a Lei n.º 10.259, de 12 de julho de 2001, que dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal. Podemos citar ainda: Decretos do Poder Executivo, Portarias Ministeriais, Resoluções do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e Portarias do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN).

Nesse estudo, iremos abordar com mais ênfase a LEP que trata especificamente da questão penitenciária, apresentando os artigos que julgamos principais para a compreensão do sistema penitenciário brasileiro. De acordo com os artigos iniciais dessa lei (artigos 1º ao 11), é objetivo da execução penal efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e internado. Assevera também que lhe serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei e que não haverá distinções de quaisquer naturezas como racial, social, religiosa ou política. Afirma ainda que o Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena e da medida de segurança141. E tem o dever de fornecer assistência ao recluso e também ao egresso, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Reforça, portanto, o objetivo ressocializador da pena.

No Brasil, de acordo com os artigos 82 a 104 da LEP, o cumprimento das penas pode ocorrer em estabelecimentos penais de cinco tipos, que variam conforme o regime142 de cumprimento de pena a que esteja submetido o recluso: penitenciária;

141

A medida de segurança está regulada nos artigos 171 a 179 da LEP e se impõe, por decisão motivada do juiz ou Tribunal competente, àqueles condenados que apresentem algum tipo de transtorno psiquiátrico e são submetidos a um tratamento ambulatorial ou à internação em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico. Essas pessoas são consideradas inimputáveis ou semi-imputáveis, ou seja, entende-se que, em razão do transtorno psiquiátrico, não possuíam capacidade de entender o caráter ilícito do fato delituoso cometido ou tinham essa capacidade reduzida. Logo, não podem ser submetidas a uma punição comum. Ao se referir a essas pessoas, usa-se o termo “internado”.

142No Brasil, existem três regimes de cumprimento de pena, de acordo com o artigo 33 do Código Penal: a

pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto. A de detenção, em regime semiaberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado. Sobre a execução dessas penas, prevê o parágrafo 2º desse artigo: As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: a) o condenado a pena superior a oito anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado; b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a quatro

colônia agrícola, industrial ou similar; casa do albergado; cadeia pública; hospital de custódia e tratamento psiquiátrico.

A penitenciária se destina aos condenados à pena de reclusão em regime fechado. Deve ser construída em local afastado do centro urbano, mas a uma distância que não impossibilite a visitação. Há a previsão de que o condenado seja alojado em cela individual com dormitório, aparelho sanitário e lavatório, além disso, deve possuir alguns requisitos básicos: área mínima de seis metros quadrados e salubridade do ambiente com aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana. Se não for possível o alojamento individual nessas condições, a cela deve seguir os seguintes padrões:

Tabela 2 – Dimensões mínimas para celas143

Já a colônia agrícola deve abrigar aqueles condenados que estão cumprindo a pena em regime semiaberto, sendo permitido o alojamento em compartimentos coletivos, desde que haja uma seleção adequada dos presos e não se exceda o limite de capacidade máxima. Aqueles condenados que estão cumprindo pena em regime aberto ou submetidos a pena de limitação de fim de semana devem cumpri-la na casa de albergado. Sua localização deve ser no centro urbano, separada dos demais estabelecimentos e sem obstáculos físicos contra a fuga. Cada região deve ter ao menos uma, que também deve contar com serviços de fiscalização e orientação dos condenados. A cadeia pública se destina ao recolhimento dos presos provisórios e há a previsão de que cada comarca tenha ao menos um estabelecimento desse tipo, instalado próximo de centro urbano, a fim de facilitar a permanência do recluso próximo ao seu anos e não exceda a oito anos, poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semiaberto; c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a quatro anos, poderá desde o início, cumpri- la em regime aberto.

143Essas são as diretrizes básicas para construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais,

divulgadas pelo Ministério da Justiça em 2006. Dados extraídos da: CPI sistema carcerário. Brasília: Centro de Documentação e Informação – Edições Câmara, 2009, p. 243.

Capacidade (vaga) Tipo Área Mínima (m2)

01 Cela individual 6,00 02 Cela coletiva 7,00 03 Cela coletiva 7,50 04 Cela coletiva 8,00 05 Cela coletiva 9,00 06 Cela coletiva 10,00

meio social e familiar. Por fim, o hospital de custódia é destinado aos condenados acometidos de transtornos psiquiátricos.

Outra parte importante da LEP diz respeito à previsão dos deveres, direitos e a questão disciplinar nos estabelecimentos prisionais, esses assuntos estão abordados no Capítulo IV da referida lei, nos artigos 38 ao 52. São deveres dos presos provisórios ou condenados: comportamento disciplinado e cumprimento fiel da sentença; obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se; urbanidade e respeito no trato com os demais condenados; conduta oposta aos movimentos individuais ou coletivos de fuga ou de subversão à ordem ou à disciplina; execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas; submissão à sanção disciplinar imposta; indenização à vitima ou aos seus sucessores; indenização ao Estado, quando possível, das despesas realizadas com a sua manutenção, mediante desconto proporcional da remuneração do trabalho; higiene pessoal e asseio da cela ou alojamento; conservação dos objetos de uso pessoal.

No que diz respeito aos direitos dos internos, há a previsão de respeito à integridade física e moral, além do fornecimento pelo Estado de alimentação suficiente e vestuário; atribuição de trabalho e sua remuneração; Previdência Social; constituição de pecúlio; proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas, desde que compatíveis com a execução da pena; assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; entrevista pessoal e reservada com o advogado; visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; chamamento nominal; igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena; audiência especial com o diretor do estabelecimento; representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes; atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente.

A LEP se apresenta como uma lei pioneira e muito importante para regulação da execução penal. Sua promulgação no ano de 1984 – antes mesmo da Constituição de 1988, que veio consagrar o respeito à dignidade humana – se mostra de extrema

importância, pois se propôs a abordar um tema que, até então, não estava previsto especificamente na legislação brasileira. Logo, veio proporcionar uma maior segurança jurídica àqueles que se encontram em cumprimento de penas, uma vez que regulamentou temas essenciais, como as características dos estabelecimentos prisionais e os direitos e deveres dos reclusos. Entretanto, detecta-se um problema na aplicação dessa lei e dos outros instrumentos legais que regulam a questão prisional, uma vez que, na prática, dificilmente seus preceitos são observados, especialmente no tocante aos direitos dos presos. Isso pode ser constatado com base nos dados apresentados anteriormente sobre a situação carcerária brasileira.