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Adaptação social e psicológica dos adotados

De acordo com Reppold e Hutz (2002), estudos de diferentes áreas têm se preocupado em descrever os processos de adaptação psicológica dos indivíduos perante situações adversas ao desenvolvimento socioafetivo, e alguns pesquisadores têm considerado a condição de ser adotado como um risco ao desenvolvimento salutar. Reppold e Hutz (2002) afirmam que algumas pesquisas indicam que crianças e adolescentes adotados apresentam maior risco de desenvolver problemas emocionais e comportamentais do que aqueles criados por sua família biológica, enquanto outras não apontam diferenças de adaptação entre filhos adotivos e biológicos. Porém, segundo os autores, a maioria dessas investigações que demonstram uma prevalência de dificuldades de adaptação entre os adotivos evidencia sérias limitações metodológicas, dentre elas a intencionalidade e não representatividade das amostras. Assim, a diversidade de resultados sobre a adaptação psicológica dos adotivos tem dificultado a compreensão do tema.

Estudos realizados em diferentes países demonstram que a proporção de crianças e adolescentes adotivos atendidos em clínicas psiquiátricas é maior em relação à verificada nas demais clínicas e na população em geral, o que sugere que, mesmo sendo benéfica à maioria das crianças e adolescentes adotivos, a condição de viver num lar substituto parece de alguma forma aumentar a possibilidade de desenvolvimento de conflitos psicológicos (Fu I e Matarazzo, 2001; Reppold e Hutz, 2002). A partir de um estudo realizado em São Paulo sobre a prevalência de adoção intra e extrafamiliar em amostras clínica e não-clínica de crianças e adolescentes, Fu I e Matarazzo (2001) afirmam que a prevalência de adoção na amostra clínica mostrou-se significativamente superior à encontrada na amostra não-clínica, o que sugere que crianças e adolescentes vivendo na condição de adotivos comparecem com maior freqüência aos serviços de saúde mental. Algumas hipóteses podem ser levantadas para explicar esse resultado, dentre elas a hipersensibilidade dos pais adotivos em relação às dificuldades de seus filhos, ou seja, os pais adotivos tendem a ser menos tolerantes ou negligentes, contaminados pela ansiedade de se mostrarem capazes de criar seus filhos adotivos de forma satisfatória, devido à forte pressão social que sofrem no papel de adotantes e à vinculação linear que o senso comum estabelece entre adoção e problemas de adaptação. Assim, os pais adotivos apresentariam maior preocupação ou mais queixas sobre seus filhos, procurando

com maior freqüência atendimentos nos serviços de psicologia ou psiquiatria (Fu I e Matarazzo, 2001; Reppold e Hutz, 2002)

Fu I e Matarazzo (2001) analisaram também as possíveis associações entre os tipos de adoção – intra e extrafamiliar – e a procura de serviço psiquiátrico na infância e adolescência, e constataram que a adoção intrafamiliar é mais comum na população em geral, mas são as crianças adotivas extrafamiliares que mais procuram as clínicas psiquiátricas. Dentre as hipóteses explicativas para esse fato, Fu I e Matarazzo (2001) ressaltam que os adotivos intrafamiliares, por serem criados por parentes, encontrariam no lar um ambiente mais propício ao seu desenvolvimento emocional, e teriam menor incidência de problemas de comportamento; além de mencionarem que, devido ao grau de parentesco, a família adotiva teria maior tolerância em relação aos eventuais distúrbios psíquicos apresentados pelo filho e, portanto, procuraria ajuda profissional com menos freqüência.

Apesar de o estudo de Fu I e Matarazzo (2001) ter indicado as adoções extrafamiliares como possivelmente mais problemáticas, segundo as autoras é a adoção intrafamiliar que é considerada por diversos autores como sendo mais problemática, por geralmente envolver situações familiares mais complexas e motivações para adoção diferentes das observadas nas adoções extrafamiliares. Em alguns casos a adoção intrafamiliar é determinada por processos judiciais, e os familiares são obrigados a assumir os cuidados com a criança mesmo que não estejam motivados. Em outros casos os familiares assumem a responsabilidade sobre o filho de um parente por motivos religiosos, morais ou sentimentos de culpa inapropriados, podendo estar semeando assim um campo para futuros conflitos.

Estudos demonstram que a ocorrência de experiências estressantes, como o acúmulo de perdas, a exposição a julgamentos preconceituosos e os conflitos familiares, pode promover a diminuição da auto-estima e a emergência de sentimentos de desamparo e rejeição (Kumamoto, 2001; Reppold e Hutz, 2002). Reppold e Hutz (2002) ressaltam que algumas situações passíveis de ocorrer na adoção podem de fato ser estressantes, dentre elas a vivência pré-natal dos adotados, o rompimento dos vínculos familiares na infância, a história pregressa à adoção em instituições, o desconhecimento da origem genealógica, as dificuldades relativas ao processo de revelação da adoção e o estigma social que envolve o processo adotivo. Porém, os autores afirmam que a falta de apoio percebido para

superar as perdas e a escassez de oportunidade para formar novos vínculos podem representar maior risco aos sujeitos.

Reppold e Hutz (2002) afirmam que há alguns fatores que podem dificultar a adaptação dos adotados, dentre eles as crianças ou adolescentes pensarem que não serão compreendidas por seus pares não adotivos. Além disso, há a possibilidade de uma dificuldade de elaboração do luto, devido ao fato de algumas vezes a perda da família biológica não ser definitiva, como é nos casos de morte parental. Assim, a possibilidade de aproximação dos pais biológicos poderia aumentar a ansiedade dos adotados e dificultar seu relacionamento familiar e a definição de sua identidade. Segundo Reppold e Hutz (2002), alguns autores afirmam que um outro fator que pode dificultar o desenvolvimento da auto-imagem e da auto-estima dos adotados é uma eventual troca do prenome na ocasião da adoção, e que este procedimento não deveria ser legitimado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Segundo esses autores essa atitude impõe aos adotados, especialmente àqueles colocados com mais idade em famílias substitutas, a tentativa de anulação da sua história pregressa e a necessidade de reconhecer-se numa nova identidade, o que pode acarretar uma perda de referências para a criança ou adolescente.

Para Reppold e Hutz (2002), muitas vezes as avaliações psicodiagnósticas supervalorizam a condição adotiva, e desconsideram a influência de outras variáveis socioculturais da história do indivíduo, dentre elas a interação familiar, as estratégias de socialização utilizadas pelos pais, o histórico da adoção, as experiências prévias e o apoio social. É interessante ressaltar que, em geral, as dificuldades que surgem em relação ao filho adotivo são atribuídas a causas externas (herança genética), enquanto os aspectos bem sucedidos do processo adotivo são atribuídos aos méritos dos próprios pais (Kumamoto 2001).

Reppold e Hutz (2002) ressaltam que os estilos parentais são um fator moderador da adaptação psicológica de crianças e adolescentes. Os autores afirmam que os pais adotivos tendem a ser mais indulgentes (ter baixo nível de controle parental e alto nível de responsividade) e autoritativos (ter alto grau de monitoramento e aquiescência), o que pode ser compreendido pelo grande investimento afetivo que em geral caracteriza o processo de adoção. Durante o processo de habilitação legal dos pais à adoção, muitas famílias são levadas a refletir sobre suas motivações e expectativas quanto à parentalidade, quanto às

diferenças entre afiliação adotiva e biológica, e quanto à história precedente da criança. Assim, pode-se afirmar que a adoção raramente acontece ao acaso, alheia aos interesses dos membros da família, o que diminui as chances de negligências dessas famílias. Além disso, o maior índice de indulgência entre famílias adotivas pode ser decorrente de uma tentativa de compensação das situações adversas vividas pelos filhos ou fantasiadas pelos pais, dentre elas a exposição a cuidados inadequados, ambientes hostis, eventuais abusos físicos ou emocionais, e o próprio afastamento da família biológica. Essa permissividade parental pode ser uma estratégia, não muito assertiva, de superproteção dos pais, visando a demonstração de apoio e aceitação do filho no círculo familiar.

Kumamoto (2001) afirma que uma atitude comum do filho durante o período de adaptação à família adotiva, principalmente em adoções tardias, é a manifestação de uma oposição desafiante em relação aos pais. Segundo a autora, a realidade do abandono e a renúncia dos pais biológicos pode gerar na criança o medo de ser abandonada novamente, e esse medo pode expressar-se através de atitudes de oposição e desafio em relação aos pais, como forma de testar sua tolerância.

Uma pesquisa realizada por Ebrahim (2001a), comparando grupos que realizaram adoções de bebês com grupos que realizaram adoções de crianças maiores, evidenciou que, quanto à adaptação dos filhos adotivos, 53,3% dos adotantes tardios afirmaram ter se adaptado à criança entre dias e semanas, 26,7% admitiram a adaptação dentro de meses, 6,7% levaram anos para concluir a adaptação, e 13,3% afirmaram que não se adaptaram. Entre os adotantes de bebês, 90% afirmaram a ocorrência da adaptação entre dias e semanas, e 5% consideraram a adaptação concluída após anos. Esses resultados, segundo a autora, estão de acordo com a literatura existente, que indica uma maior dificuldade nas adoções tardias, devido à história de abandono e perdas destas crianças. Porém, alguns fatores podem auxiliar a família no processo de adaptação e integração da criança e favorecer um desenrolar positivo da adoção, como a atitude dos pais adotivos e o apoio de amigos e familiares. O fato é que as conseqüências da adoção baseiam-se num complexo número de fatores, e não há característica isolada que possa predizer o resultado do processo adotivo.

Contrariando os mitos e estereótipos ligados à adoção, uma pesquisa realizada por Santos (1988) sobre a possibilidade de satisfação na adoção,

avaliando comparativamente alguns aspectos da interação pais-filhos adotivos e pais-filhos biológicos, indica que se a adoção for adequadamente gestada, as possibilidades que terão os pais e filhos adotivos de serem felizes serão as mesmas que têm os pais e filhos biológicos. Esse estudo indicou que as famílias adotivas são tão cooperativas quanto as famílias biológicas, o que quer dizer também que as possibilidades de que haja conflitos nas relações dentro dessas famílias são as mesmas.

Oliveira (2002) afirma que são vários os fatores que podem determinar o sucesso da adoção, ou seja, a integração da criança adotiva num novo meio familiar, e que não é fácil isolar esses fatores, visto que eles se tornam interdependentes na dinâmica do processo de adoção. Dentre esses fatores, a autora cita: as variáveis referentes aos adotantes, como motivação para adoção, dinâmica familiar, idade, representação que têm da adoção, como lidam com o fator revelação da adoção para o filho adotivo, entre outros; variáveis referentes aos pais biológicos, como estado de saúde, cuidados tomados na gestação e no parto, como pré natal, convicção ou não para a entrega do filho, entre outros; e variáveis do adotado, como idade, estado de saúde, etnia, e história pregressa, como por exemplo se foi institucionalizado e por quanto tempo, se tem histórico de negligência, vitimização, entre outros.

1.13. Adoções tardias, de crianças pardas e negras, e de crianças com