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Adoções tardias, de crianças pardas e negras, e de crianças com necessidades especiais

Weber (1999) registra que as ocorrências de adoções tardias, de adoções de crianças pardas e negras, e de adoções de crianças portadoras de necessidades especiais não são muito freqüentes no Brasil. A autora afirma que estas são adoções consideradas necessárias no país, pois envolvem crianças e adolescentes que carregam o estigma de “crianças inadotáveis”.

Em uma adoção tardia o filho adotado não é mais um bebê, mas uma criança que já tem uma história de vida. Segundo Ebrahim (2001a), considera-se uma adoção tardia quando a criança tem idade acima de dois anos. Ebrahim (2000) afirma que as adoções de crianças maiores são perfeitamente viáveis, e sua concretização e manutenção dependem, entre outros aspectos, da história da criança, do fato de a criança desejar ou não a adoção, e das atitudes dos pais adotivos e daqueles que os cercam. Alvarenga (1999) ressalta que, por já ter

passado por uma experiência de abandono da qual muitas vezes se lembra, a criança mais velha será mais ativa no processo adotivo, podendo “adotar” ou não os pais adotivos como pais.

Ebrahim (2001b) afirma que em geral somente as crianças até três anos conseguem colocação em famílias brasileiras, e que as crianças consideradas mais velhas são adotadas por estrangeiros ou permanecem nas instituições. Segundo dados coletados em São Paulo pelo Centro de Capacitação e Incentivo à Formação de Profissionais (Cecif), há 36 pretendentes à adoção para cada criança de 0 a 2 anos; 5 pretendentes para cada criança de 2 a 5 anos; 2 crianças de 5 a 7 anos para cada pretendente; 13 crianças de 7 a 10 anos para cada pretendente; e 66 crianças com mais de 10 anos para cada pretendente à adoção (Mendonça e Fernandes, 2004, em reportagem da revista Época de 23/08/04).

Segundo Ebrahim (2001b), as pesquisas revelam que a maior parte da população brasileira apresenta preconceitos quanto à adoção tardia, como o medo pela dificuldade na educação, apoiado na alegação de que, provavelmente, teriam dificuldades na educação de uma criança maior, pois estas não aceitariam os padrões estabelecidos pelos pais por estarem com sua formação social iniciada, o receio de adotar crianças institucionalizadas pelos maus hábitos que trariam, e a crença de que crianças que não sabem que são adotivas têm menos problemas, e por isso deve-se adotar bebês para que se possa esconder delas a adoção. Segundo Alvarenga (1999), algumas pessoas interessadas na adoção se sentem ameaçadas com a possibilidade de adotar uma criança marcada por privações e pela institucionalização, ou com fortes lembranças dos pais biológicos.

De acordo com Ebrahim (2000), alguns autores afirmam que a adoção deve acontecer o mais cedo possível, pois crianças que sofrem severas privações afetivas nos primeiros anos de vida são mais passíveis de desenvolverem problemas sociais e emocionais, e as carências afetivas da primeira infância dificilmente poderiam ser eliminadas. Costa e Rossetti-Ferreira (2004) ressaltam que o próprio discurso da Psicologia reforça essa idéia de que os rompimentos de vínculos iniciais deixariam traumas nas crianças que levariam a conseqüências nefastas em seu desenvolvimento físico, cognitivo e afetivo. Mas, segundo Ebrahim (2000), esses discursos são questionáveis, pois há reais possibilidades de adoções tardias serem bem sucedidas, principalmente se as famílias substitutas proporcionarem um ambiente adequado para o desenvolvimento ajustado da criança, havendo aceitação

dessa criança pelos pais. Ainda segundo Ebrahim (2000), vários autores afirmam não haver relações significativas entre a idade da criança e o sucesso da adoção.

Alvarenga (1999) afirma que, em termos gerais, espera-se daqueles que acolhem uma criança mais velha maior sensibilidade, maior segurança, e uma motivação capaz de sustentar as dificuldades que possam vir a surgir. Um estudo realizado por Ebrahim (2001b) sobre adoção tardia, comparando pais que realizaram adoções de crianças maiores de dois anos com pais que adotaram bebês, evidenciou que os adotantes tardios apresentaram idade média mais elevada, níveis mais elevados de maturidade, de estabilidade emocional e de altruísmo. Os adotantes tardios apresentaram também nível sócio-econômico superior ao dos adotantes convencionais (de bebês), o que contrariou os dados obtidos por Weber (1999), segundo os quais as pessoas de nível sócio-econômico mais baixos fazem menor número de exigências em relação à criança, adotando com mais freqüência crianças maiores. De acordo com Ebrahim (2001b), os adotantes tardios apresentaram ainda maior variação no estado civil (casados, solteiros, viúvos ou divorciados) e maior presença de filhos biológicos, enquanto os adotantes convencionais eram casados em quase sua totalidade e sem filhos biológicos.

A partir da pesquisa realizada, Ebrahim (2001b) afirma que os adotantes tardios adotaram mais por se sensibilizar com a situação de abandono da criança, enquanto as pessoas que adotaram bebês o fizeram na maior parte das vezes por não ter os próprios filhos. Segundo a autora, o altruísmo, mais elevado entre os adotantes tardios, traz uma justificativa para a motivação apresentada por eles, de uma preocupação em atender as necessidades do outro como mobilizadora das adoções. Ebrahim (2001b) encontrou ainda relações entre a motivação para a adoção tardia, o estado civil e a presença ou ausência de filhos biológicos. Os adotantes tardios foram casais que em sua maioria já tiveram filhos biológicos, e portanto já vivenciaram a experiência de criar uma criança, não tendo mais necessidade ou disponibilidade de começar com um bebê; ou pessoas sozinhas, como solteiros, divorciados e viúvos, que não têm tempo e condições de cuidar de um recém-nascido, mas querem constituir uma família. Enquanto isso, os adotantes convencionais eram, em sua maioria, casados e sem filhos biológicos.

De acordo com Ebrahim (2001b), as motivações para as adoções tardias são beneficiadas pelas características de personalidade dos adotantes, mas esse fato não impede que outras pessoas com características diferentes adotem crianças

maiores. Não há a intenção, segundo a autora, de achar que somente pessoas com níveis elevados de maturidade, estabilidade emocional e altruísmo seriam capazes de realizar uma adoção tardia com sucesso. O importante, afirma Ebrahim (2001b), é procurar formas de impulsionar novas adoções, mesmo com pessoas que dispõem de características diferenciadas, e o desenvolvimento de programas de educação social poderia contribuir com esse objetivo, visando desenvolver ou aumentar comportamentos pró-sociais na população.

Segundo Weber (1999), pesquisas sobre adoção realizadas no Brasil mostram que adoções de crianças pardas e negras são minoria no país. Um estudo realizado por Weber (2003) sobre desejos e expectativas de pessoas cadastradas para adoção no Juizado da Infância e da Juventude de Curitiba evidenciou que 67% dos adotantes colocam como condição principal uma criança branca (nesse estudo, 95% dos adotantes eram brancos), 19% dizem aceitar uma criança “até morena”, ou seja, preferem uma criança branca mas aceitam uma “morena clara”, e 7% dizem não ter preferência quanto a cor da criança. Em outra pesquisa realizada com pais adotivos de todo o Brasil, foi encontrado 31% de pais brancos com filhos adotivos pardos, e somente 4,5% com filhos negros (Weber, 1999).

Apesar de uma adoção inter-racial ser qualquer uma em que o conjunto das características físicas da criança adotada é diferente das características dos pais adotivos, o termo é usado quase que só para as adoções de crianças pardas e negras, visto que as pessoas interessadas em adotar pela via legal, em maioria absoluta, são brancas. Weber (1999) afirma que somente 5% dos brasileiros realizam adoções inter-raciais, sendo essas em sua grande maioria de crianças pardas, enquanto 44% dos estrangeiros realizam adoções inter-raciais com crianças pardas e 12% com crianças negras.

De acordo com Freire (1991b), quando a adoção é inter-racial é preciso prever a incompreensão do meio (família, vizinhos, amigos), pois as diferenças entre pais e filho são evidentes. Segundo o autor, além dos elementos necessários para favorecer o desenvolvimento de qualquer criança, a adoção inter-racial deve permitir o reforço positivo da identidade da criança e de seus atributos culturais.

De acordo com Mendonça e Fernandes (2004), em uma reportagem da revista Época de 23/08/04, a fixação dos brasileiros em adotar uma criança loura dos olhos azuis é tanta que isso provoca uma corrida para tentar adotar nos estados do sul do país, onde há maior número de pessoas com essas características físicas

devido à nacionalidade dos imigrantes. Em Santa Catarina, no ano de 2000, 80% dos candidatos eram de outros estados do Brasil. Em Goiânia, as famílias que insistem em adotar apenas crianças brancas precisam esperar uma fila que durará cerca de oito anos. Em São Paulo, cerca de 2000 candidatos aguardavam uma menina branca, de olhos claros, com até um ano de idade.

Na tentativa de combater o preconceito, o juiz da Primeira Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro, Siro Darlan, tomou uma medida polêmica. Desde junho de 2004 as pessoas que querem adotar pelo Juizado do Rio de Janeiro não podem mais escolher cor, sexo e idade da criança, medida esta que objetiva estimular as adoções de crianças pardas e negras, e de crianças mais velhas, que são justamente a maioria das crianças que estão nos abrigos esperando para serem adotadas. De acordo com Siro Darlan, “uma criança não é objeto. A situação ideal seria a criança poder escolher, porque é ela que tem direito a uma família” (Mendonça e Fernandes, 2004, em reportagem da revista Época de 23/08/04, p.98). Ebrahim (2000) afirma que não existem pessoas sem desejos, sem preferências, mas que é possível desmistificar certas idéias errôneas acerca da adoção, sem impor aos adotantes crianças que eles não são capazes de aceitar e acolher. Quando os pais adotivos não estão preparados para lidar com o filho, há uma probabilidade maior de a criança por eles adotada ser rejeitada, particularmente se a adoção for tardia, de crianças doentes ou deficientes. E para uma criança que já vivenciou uma história de abandono, correr o risco de ser novamente rejeitada é uma situação muito grave. Além disso, Diniz (1991) afirma que colocar uma pessoa que deseja adotar perante um caso que ele provavelmente recusará é uma ato agressivo por parte do técnico judiciário que o faz, pois essa recusa raramente será sem conseqüências negativas para a pessoa, ainda mais estando ela numa situação de dependência do Serviço para poder realizar o desejo de ter um filho.

Egbert e LaMont (2004) investigaram a percepção acerca da preparação dos pais para a realização da adoção de uma criança considerada de difícil colocação em família substituta, seja por motivos de idade, cor de pele, pertencimento a grupo de irmãos, história pregressa (existência de abuso físico ou sexual, negligência, ou de adoções anteriores mal sucedidas), problemas emocionais ou comportamentais, ou outros fatores, a partir da perspectiva dos próprios pais que realizaram esse tipo de adoção. De acordo com as autoras, puderam ser percebidos alguns fatores que contribuíram para que os pais se sentissem mais preparados para a adoção que

realizaram, dentre eles o conhecimento da história pregressa da criança, estar ciente da existência na criança de problemas emocionais ou comportamentais, a existência de experiência anterior com crianças com características similares à que foi adotada (ter adotado previamente ou ter contato com outras crianças adotivas, ou com crianças próximas, como familiares, com as mesmas necessidades), ter mais experiência de vida e maior potencial de maturidade (aspecto associado pelas autoras à idade, de modo que quanto mais velhos os pais adotivos, mais preparados eles se sentiram para a adoção), e ter uma boa relação com a agência de adoção e receber treinamento e informação adequados, tanto antes como após a adoção.

A partir de pesquisa realizada com pais e filhos adotivos de todo o Brasil, Weber (2003) constatou que não houve problemas no processo adotivo em função da cor da pele ou da idade da criança adotada, o que vem questionar a concepção social mais comum que associa a diferença de cor de pele entre pais e filhos adotivos ou a idade avançada da criança no momento da adoção como possíveis fontes de problemas. De acordo com a autora, os casos em que foram relatados problemas no processo adotiva estavam mais relacionados à revelação tardia da adoção para a criança adotiva que a outros fatores.

No Brasil, o trabalho de preparação e apoio aos adotantes e famílias adotivas, especialmente em casos de adoção inter-racial, tardia, e de crianças com necessidades especiais, tem sido feito pelas Associações e Grupos de Apoio à Adoção que existem no país, que são em geral grupos sem fins lucrativos, cujos membros, em grande maioria pais adotivos, trabalham voluntariamente para divulgar a adoção, prevenir o abandono, preparar adotantes e acompanhar pais adotivos, encaminhar crianças para adoção e, de um modo geral, conscientizar a população sobre a adoção. De acordo com Mendonça e Fernandes (2004), em uma reportagem da revista Época de 23/08/04, o trabalho nos grupos de apoio contribui também para uma mudança de opinião quanto às características da criança que se deseja adotar. Um exemplo disso é que, em geral, apenas 4% dos pretendentes entram nos grupos dispostos a levar para casa uma criança maior de 4 anos, e ao fim dos encontros, cerca de 20% dos pretendentes já concordam com essa idéia.

Segundo Neves (2005), em reportagem do jornal A Tribuna de 16/01/05, o aumento do número de artistas brasileiros famosos que optaram por adotar crianças abandonadas, dentre eles Zeca Pagodinho, Elba Ramalho e Marcello Antony, está

incentivando a adoção tardia e inter-racial no Brasil, e contribuindo para que haja mais discussões sobre o assunto, tanto na mídia como na sociedade em geral.