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Os comentários finais serão iniciados com a apresentação de um diagrama que pretende resumir e organizar cronologicamente os principais passos da trajetória implicada na adoção legal e os fatores e ela relacionados, de modo que esses passos, em sua maior parte, foram considerados na presente investigação.

É fato que o universo dessa pesquisa não possui características de aleatoriedade, o que reduz o alcance de generalização dos resultados. Porém tal decisão foi proposital aos objetivos da pesquisa, e ao invés de limitá-la, produziu uma grande riqueza de informações. O interesse esteve focado na diversidade de casos envolvidos no processo de adoção e na emergência de suas especificidades, e os resultados, em se tratando de um universo numericamente pequeno, produziram uma grande variedade de dados, contribuindo para a ampliação do corpo de conhecimentos sobre a adoção.

Como foi ressaltado, Santos (1988) afirma que, quanto à decisão de ter um filho, os pais adotivos têm que tomar uma decisão num nível em que não precisam chegar, necessariamente, os pais biológicos, pois para adotarem têm que levar adiante uma série de providências e escolhas iniciais, enquanto os pais biológicos podem tornar-se pais sem terem tido tal pretensão e sem terem refletido sobre essa escolha. Os resultados da pesquisa parecem corroborar as afirmações de Santos (1988), pois indicam que os pais adotivos têm que refletir a respeito de uma série de questões que muitas vezes não se colocam aos pais biológicos, ou pelo menos não se colocam da mesma forma, o que pode contribuir para que eles tenham que refletir com mais cuidado e durante mais tempo a respeito da decisão de ter um filho. A pessoa que resolve adotar, se tem companheiro(a), geralmente discute o assunto com ele(a) antes de tomar a decisão, pensa em como vai adotar (se por meios legais ou não), quais as características da criança que deseja, se vai contar ou não para a criança que é adotiva, e muitas vezes tem que lidar com o preconceito das outras pessoas em relação à sua decisão. Se a adoção é feita por meios legais, via Juizado da Infância e da Juventude, o adotante geralmente passa por uma avaliação que lhe coloca outras questões, como que aspectos estão motivando a adoção, se há condições financeiras e psicológicas para que a adoção se efetive, além do tempo de espera para a adoção, em geral, ser longo, o que permite que haja um maior período de reflexão até a efetivação da maternidade/paternidade. Além disso, os pais adotivos têm a possibilidade de experimentar um estágio de convivência com a criança ou adolescente antes que se efetive a adoção, o que permite uma experiência de ensaio e erro que não se coloca aos pais biológicos. Assim, os dados sugerem que os pais adotivos parecem passar por uma reflexão maior, antes de ter um filho, em comparação a muitos pais biológicos.

Apesar de a procura mais comum pela adoção ocorrer por parte de casais que não podem ter filhos, como indica a literatura, as pesquisas têm mostrado que a existência de adoções feitas por famílias diferentes do padrão de família tradicional, como, por exemplo, famílias compostas por mães desacompanhadas, pais desacompanhados, pares homossexuais, famílias inter-raciais, famílias recompostas, entre outras, merece especial destaque no contexto atual. O fato de a família nuclear conjugal ter se tornado hegemônica fez com que vigorasse a tendência a ver qualquer desvio desse modelo como problemático. No entanto, as dinâmicas familiares ditas "alternativas", apesar de não se encaixarem no modelo ainda dominante de família, são cada vez mais freqüentes e gozam de legitimidade social, de modo que a compreensão da vida familiar no Brasil contemporâneo exige que sejam consideradas, além do padrão hegemônico, tais dinâmicas alternativas. Essas várias possibilidades de composições familiares levam a novas situações sociais, inclusive no que diz respeito à adoção, e o desafio é lidar com essa diversidade confrontando mitos e estereótipos sobre o que é considerado “normal” ou “desviante”. No que se refere ao trabalho de profissionais que lidam com a adoção, a análise dessa diversidade aponta a inadequação de modelos tradicionais para lidar com uma realidade ainda não contemplada inteiramente pelas formulações teóricas relacionadas à família, e uma prática que não considere as várias possibilidades de composição familiar como legítimas corre o risco de se mostrar limitada.

Os resultados dessa pesquisa também contribuem para a reflexão acerca dos critérios referentes à legitimidade das intenções de pais adotivos. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, a adoção só será deferida se fundar-se em motivos legítimos (art. 43, p.41). Segundo a Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano (2001), que apresenta comentários sobre os artigos do ECA, o termo “motivos legítimos” refere-se ao fato de a adoção não poder ser usada para satisfazer outros interesses e objetivos que não a proteção dos direitos das crianças e adolescentes, não sendo considerados motivos legítimos, por exemplo, todos aqueles ligados a interesses de exploração e de uso da adoção para satisfação exclusiva dos adotantes. Porém, como na própria lei não são estabelecidos os critérios de legitimidade, muitas vezes essa tarefa fica a cargo dos profissionais que trabalham com a adoção, que passam a estabelecer seus próprios critérios de legitimidade para considerar um postulante à adoção apto ou inapto. A

partir disso, percebe-se que uma atuação presa a modelos tradicionais pode privilegiar critérios de legitimidade bastante restritos, não condizentes com a diversidade presente na sociedade contemporânea. Assim, os resultados da pesquisa, na medida em que evidenciam a grande diversidade de aspectos envolvidos na adoção, apontam para a necessidade de uma ampliação dos critérios de legitimidade das motivações de pais adotivos.

Como afirma Oliveira (2002), não podemos perder de vista que a avaliação psicológica dos pretendentes à adoção resume-se a uma visão pontual, precisa, feita em um momento determinado, uma vez que o profissional tem um prazo para realizar sua tarefa. Quando trabalhamos na avaliação dos postulantes à adoção, temos apenas uma avaliação das possibilidades que essas pessoas apresentam para desempenhar seus papéis parentais, seus desejos e suas motivações, visto que as figuras parentais e filiais são interdependentes, e não se pode desconsiderar o papel ativo que as crianças exercem nos ajustes das interações. Um outro aspecto que deve ser levado em conta é que a avaliação psicológica dos pretendentes à adoção é uma intervenção imposta pela autoridade judicial, de modo que a participação dos interessados independe de sua vontade, o que pode comprometer a eficácia do trabalho. Assim, acreditamos que devem ser consideradas as limitações do trabalho de avaliação psicológica dos postulantes à adoção, o qual deve ser repensado visando sua flexibilização e agilização. Acreditamos ainda que, mais que um trabalho de avaliação psicológica, o trabalho com os futuros pais adotivos deve ser de preparo e a orientação, no sentido de dar suporte ao grupo familiar, de orientá-lo quanto ao processo de adoção e, principalmente, de abrir espaço para a discussão dos tabus que envolvem a adoção. De acordo com Ebrahim (2001a), esse trabalho pode ser decisivo para que haja mudanças nas próprias formulações dos pedidos dos adotantes, sendo talvez capazes de alterar o quadro atual de um desejo generalizado por crianças brancas e recém nascidas.

É importante ressaltar que o fato de a pesquisa ter sido realizada por psicóloga que atua diretamente no setor de adoção do Juizado da Infância e da Juventude de Vila Velha contribuiu para a produção das informações, de maneira que a vivência profissional, longe de manter-se distante numa suposta e inatingível neutralidade, enriqueceu a apresentação dos dados e seu tratamento com elementos da própria experiência. O risco de distorção na manifestação de algumas idéias, pelo receio dos entrevistados de que isso pudesse afetar a decisão final

sobre adoção certamente existe, já que a pesquisadora tem um papel como profissional em tal decisão. Por outro lado é evidente a dificuldade de encontrar formas seguras de eliminar riscos desse tipo em qualquer investigação. Vale a pena ressaltar o fato de que em todos os 21 casos incluídos na investigação, apesar de terem sido incluídos por critério de diversidade, fica claro que não há razões evidentes ou facilmente detectáveis para não autorizar a adoção. Em verdade, isso é o que, de fato, aconteceu, mostrando que a ampliação dos horizontes técnicos e jurídicos dos profissionais que atuam no processo decisório sobre adoção está se consolidando.

Apesar de o número de pesquisas realizadas sobre adoção no Brasil ser crescente, mostra-se necessária uma maior sistematização dos conhecimentos que vêm sendo produzidos cotidianamente na prática profissional. Como afirmam Cassin e Jacquemin (2001), o trabalho com adoção apresenta uma complexidade peculiar, considerando-se aspectos culturais que permeiam o fenômeno, os mitos, a visão social que se tem dessa prática e seus determinantes sócio-históricos na realidade brasileira. Essa pesquisa visou contribuir para uma reflexão sobre a prática do psicólogo frente às questões da adoção no contexto brasileiro, evidenciando a necessidade de novos referenciais, atitudes e conceitos, a importância de não perder de vista a abrangência da realidade, e de manter um olhar crítico sobre as relações e dispositivos que permeiam sua atuação profissional. A atuação do psicólogo judiciário, de um modo geral, fica restrita à perícia técnica, atrelado ao uso de testes psicológicos e entrevistas para elaboração de laudos, com o objetivo de auxiliar as decisões tomadas em juízo. Como afirma Koerner (2002), essa participação no processo se dedica à produção de uma verdade, baseada na competência técnica especializada, e essa concepção de produção de verdade é especialmente inadequada para os profissionais das ciências humanas, como os psicólogos. No que se refere à adoção o trabalho não é diferente, porém evidencia- se cada vez mais a necessidade de se retirar o foco das atribuições da perícia e colocá-las num patamar mais amplo que inclua a possibilidade de transformação das posturas dos profissionais e dos interessados frente à adoção. Não podemos desconsiderar, como ressalta Oliveira (2002), que o trabalho no Judiciário significa um trabalho numa Instituição que lhe impõe certas normas e a sua cultura institucional. Mas acreditamos que o psicólogo judiciário, assim como os outros profissionais que lidam com a justiça, conscientes das relações de poder que

permeiam seu trabalho, podem tornar-se agentes de mudança, podendo contribuir para um processo de revisão de conceitos, valores e outros paradigmas.

Uma providência de grande interesse envolveria a divulgação ampla e detalhada dos vários aspectos, experiências e inovações envolvidos no processo de adoção, de forma a sinalizar claramente, para toda a sociedade, que tal processo é cada vez mais acessível e menos preconceituoso. Alguns segmentos da população não têm informações sobre como agir e que providências tomar até mesmo no caso de filiação biológica – sendo evidente que tal desinformação é muito maior quando está em jogo a adoção.

Um diagrama que sistematiza a trajetória implicada na adoção legal e identifica fatores relacionados a ela, como o que apresentamos na abertura desses comentários finais, pode ser a base para planejamento de divulgação que vise ampliar conhecimentos, aumentar interesse e reduzir preconceitos. A maior evidência de que a atuação do conjunto de profissionais envolvidos no processo de adoção conseguiu implantar e difundir mudanças em tal processo se daria com o aumento do contingente de interessados em adotar legalmente com uma visão mais aberta e menos estereotipada sobre adoção, e com a incorporação a tal contingente de pessoas e casais que hoje avaliam tal pretensão como inviável, por isso não se candidatando.

Seria evidência relevante, também, a redução de adoções ilegais – não por repressão, mas sim pela existência de mecanismos que contribuíssem no sentido de facilitar a legalização de adoções decididas em circunstâncias que exigiram urgência ou em circunstâncias de forte apelo emocional.

É claro que, do ponto de vista da organização de uma sociedade justa e eqüitativa, a evidência mais almejada deve ser a da inexistência de crianças abandonadas, mas essa é uma questão fundamental que escapa ao âmbito da presente investigação.