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Universalmente Reconhecida: Adaptando Austen no séc

3.1. ADAPTANDO JANE AUSTEN

O cinema mudo utilizou-se de clássicos da literatura como meio de afirmação, conforme discutido no Capítulo I desta dissertação. Adaptações de Dickens, Tolstoi, Shakespeare e Caroll estavam entre os títulos mais populares do período. Entre os escritores clássicos adaptados durante a era do cinema mudo, é notável a ausência da obra de Jane Austen. Inúmeros são os fatores que podem explicar essa ausência. É provável que a complexidade do texto de Austen, apoiado em diálogos irônicos e em uma ação internalizada, representasse um desafio maior na transposição para o filme mudo (cf. CARTMELL, 2010). Alguns críticos afirmam que peculiaridades no estilo de Austen a separam de outros escritores do século XIX. Andrew Elfenbein (2014, p. 109) argumenta, por exemplo, que “Jane Austen exclui grande parte do que outros autores consideram essencial”41.É notável, por exemplo, a reticência de Austen em cenas

                                                                                                               

românticas. Em Emma, o leitor não tem acesso à resposta da protagonista no momento mais importante da trama: a declaração de amor.

Falou, então, ao ser tão instada. Que disse? Exatamente o que devia, é claro. Uma dama sempre procede assim. Disse o bastante para demonstrar que não havia necessidade de desiludir-se – convidando-o a que falasse mais. (AUSTEN, 1996, p. 326)

Aldous Huxley, que assinou o roteiro da adaptação de Orgulho e

preconceito de 1940, afirmou:

Em qualquer filme ou peça de teatro, a história é essencial e primária. Nos livros de Jane Austen, a história tem importância secundária (todo evento dramático em Orgulho e preconceito é registrado em uma ou duas linhas, geralmente em uma carta).42(HUXLEY apud ELLINGTON, 2001, p. 103)

Com o advento do cinema falado, novos elementos puderam ser valorizados e a atenção dos grandes estúdios começou, então, a voltar-se também para as obras de Austen. O sucesso da versão teatral adaptada pela australiana Helen Jerome, em 1935, contribuiu para a popularização da obra na cultura pop (cf. BROWNSTEIN, 2001). Em 1940, foi lançada a primeira adaptação de Orgulho e

preconceito para o cinema. Desde então, inúmeras adaptações dos romances de

Austen chegaram ao rádio, à TV e aos palcos. Só Orgulho e preconceito recebeu

sete adaptações para os palcos (1935, 1959, 1995, 2006, 2006, 2013, 2013), nove adaptações para a TV (1938, 1952, 1957, 1958, 1961, 1967, 1980, 1995, 2008), quatro para o cinema (1940, 2003, 2004, 2005), além de inúmeras adaptações para o rádio e para a literatura. Mas foi nos anos 1990 que a “febre” por Austen

                                                                                                               

42 Trad. nossa. No original: In any Picture or play, the story is essential and primary. In Jane Austen’s

books, it is a matter of secondary importance (every dramatic event in Pride and Prejudice is recorded in a couple of lines, generally in a letter).

espalhou-se, primeiro pela Inglaterra e depois pelo mundo. A adaptação Orgulho

e Preconceito (1995), minissérie em seis episódios para a TV inglesa, tornou-se

um fenômeno de público e crítica, dando início ao fenômeno que ficaria conhecido como Austenmania: o cinema redescobriu a obra da autora e, entre 1995 e 1999, quatro de seus seis romances (Razão e sensibilidade, Emma,

Persuasão e Mansfield Park) foram levados às telas dos cinemas. Os dois

restantes, A abadia de Northanger e Orgulho e preconceito, haviam sido recentemente adaptados (em 1986 e 1995, respectivamente). A autora obteve a impressionante marca de ter todos os seus romances principais adaptados para o cinema ou a TV em um período de 15 anos. O que levou a esse ressurgimento do interesse em Austen e sua obra?

Segundo Sue Parrill (2002), a TV inglesa sempre teve em adaptações de obras literárias um de seus pontos de excelência. A autora sustenta que a adaptação de Feira das vaidades, em 1967, a primeira adaptação em cores de um romance clássico, estimulou o interesse do público por adaptações do gênero. Outras séries como The Pallisers (1974), I, Claudius (1976) e Hard Times (1977) ajudaram a manter o interesse. Até a década de 1980, o modelo inglês para adaptações de TV de romances clássicos seguia, em linhas gerais, o padrão de dramatizações para o rádio e para o teatro, obedecendo, portanto, a princípios como: fidelidade, integridade dos diálogos, dicção teatralizada, número reduzido de tomadas ao ar livre, câmeras fixas, uso limitado de trilha sonora, e um sentido geral de artificialidade. As razões eram técnicas também: a qualidade das

tomadas ao ar livre era considerada inferior, fazendo com que as filmagens fossem limitadas a estúdios, e privilegiando diálogos mais longos e complexos. A minissérie televisiva Emma, de 1972, é um exemplo deste modelo estético.

Figura 6: fotograma da adaptação de Emma (1972) para a TV britânica

Em 1981, por seu maior refinamento técnico, sua abundância de tomadas externas e sua riqueza de locações, a minissérie Brideshead Revisited, adaptada da obra de Evelyn Waugh, significou uma revolução técnica para o filão das adaptações de clássicos.

Em 1995, a enorme popularidade da adaptação televisiva de Orgulho e

preconceito lançou a Austenmania, que rapidamente espalhou-se para outras

linguagens e culturas. A minissérie levou à redescoberta, por parte do público, das adaptações de clássicos, e de Austen em especial. As adaptações que se seguiram provaram-se um produto cada vez mais lucrativo, gerando um ciclo

virtuoso em que novas produções alcançavam ainda mais sucesso que suas antecessoras, consolidando, assim, a popularidade do gênero.

A minissérie de 1995 não foi a primeira adaptação de Austen da década. Em 1993, As Patricinhas de Beverly Hills, adaptação de Emma que transporta os eventos do romance para uma escola secundária californiana do século XX, alcançou espetacular sucesso junto ao público jovem. Entretanto, o longa da estadunidense Amy Heckerling não se declarava explicitamente uma adaptação, provavelmente uma forma de evitar o alienamento de seu público-alvo: um público bastante jovem, que poderia rechaçar uma obra escrita há duzentos anos. Segundo Brownstein,

O filme de Heckerling era adiantado e cool demais para mencionar Emma, ou chamar atenção para a coisa extraordinária que estava fazendo: casando alta cultura e cultura pop ao transplantar o personagem e a forma de pensar de uma heroína de Austen para o corpo da bela atriz Alicia Silverstone, no papel da heroína de um filme para adolescentes.43(BROWNSTEIN, 2011, p. 32)

Além disso, o filme não obedecia à linha heritage que caracterizaria a onda de adaptações que surgiram nos anos seguintes. Por isso, a maior parte dos estudiosos aponta a minissérie Orgulho e preconceito (1995) como o estopim para a Austenmania.

                                                                                                               

43 Trad. nossa. No original: Heckerling’s film was too early and way too cool to mention Emma, or draw

attention to the remarkable thing it was doing: forcibly marrying high and popular culture by transplanting the character and smarts of an Austen heroine into the body of the lovely young actress Alicia Silverstone, in the role of a heroine of a teen movie.

Figura 7: Elizabeth Bennet (Jennifer Ehle) e Fitzwilliam Darcy (Colin Firth) na minissérie Orgulho e preconceito (1995)

A minissérie de 1995 bateu recordes de popularidade durante sua exibição na TV inglesa, e alcançou popularidade semelhante nos EUA. A revista People aclamou Austen junto a Bill Clinton e à Princesa Diana como uma das “pessoas mais intrigantes do ano” (cf. BROWNSTEIN, 2011). A Austenmania permaneceria como marco cultural pelos anos seguintes: “Por volta do início do séc. XXI, Jane Austen era um adjetivo e uma marca”44 (cf. BROWNSTEIN, 2011, p. 50).

A série entrou de forma definitiva para o imaginário popular, como atestam as inúmeras referências ainda presentes na cultura pop. No romance O diário de

Bridget Jones (1997), livre adaptação de Orgulho e preconceito, a protagonista

tem por hábito reassistir constantemente à “cena do lago”, na qual o personagem Darcy (Colin Firth) despe-se para um mergulho improvisado. A cena foi eleita recentemente a mais memorável da TV britânica em pesquisa realizada pelo canal Drama, da BBC (cf. DEWHIRST, 2013).

                                                                                                               

44 Trad. nossa. No original: The passion for Colin Firth that the British had been calling Darcymania

morphed, with a sly, suggestive postmodern gender bend, into something else: Jane-o-mania. By the beginning of the twenty-first century, Jane Austen was an adjective and a brand.

Figura 8: Após um mergulho improvisado, Darcy caminha em direção a Pemberley

Parte do enorme sucesso da série é creditado ao efeito causado pelo Darcy de Firth, cuidadosamente erotizado pelo roteiro de Davies. Em entrevista sobre seu papel como Darcy em Morte em Pemberley, adaptação do romance policial de P.D. James, o ator Matthew Rhys declarou: “Posso dizer de coração que não competirei com o Sr. Firth emergindo de um lago em uma camisa molhada – ainda bem – porque não acho que alguém consiga vencê-lo”45 (cf. INQUISITR, 2013). Em 2013, para celebrar o bicentenário de publicação do romance, uma estátua gigante do Sr. Darcy foi posicionada no lago do Hyde Park, em Londres.

Figura 9: Estátua gigante de Mr. Darcy no Hyde Park, Londres

                                                                                                               

45  Trad.   nossa.   No   original:   I  can  wholeheartedly  say  I  won’t  be  competing  with  Mr  Firth  emerging  

Os possíveis motivos para a popularidade de Austen entre o público contemporâneo são inúmeros. Primeiramente, os aspectos formais que caracterizam sua obra adaptam-se bem a roteiros para TV ou cinema. George Bluestone (1957) afirma que Orgulho e preconceito “possui os ingredientes essenciais de um roteiro de cinema”46(apud  CARTMELL,   2010,   pos.   252-­‐254).  

Austen é conhecida por seu estilo conciso e certeiro. Em oposição à purple prose dos autores vitorianos, os romances de Austen são caracterizados por diálogos concisos, marcantes, ricos em humor e ironia, em que a ação desenrola-se sem muitas intervenções por parte do narrador. O estilo solar de Austen também se sobressai quando comparado a outros autores clássicos como as irmãs Brontë ou Charles Dickens, cujo tom é, em geral, bastante sombrio.

Sua obra é por vezes considerada fácil. É importante observar que tais críticas não se sustentam após um olhar mais aprofundado. Em 1923, Virginia Woolf (apud STOVEL & CHAN, 2011) declarou que “a grandeza da obra de Austen é a mais difícil de flagrar”.47 Claudia Johnson (2012, p. 2)  afirma ser Austen “[u]ma autora aparentemente simples, mas profundamente difícil e soberbamente auto-consciente”, e que “gerações de leitores debruçaram-se sobre [ela], espremendo nuances de frases hoje consideradas esculpidas a cinzel”48. Janet Todd, responsável pela edição Cambridge das obras de Austen, defende que seus romances  

                                                                                                               

46  Trad.   nossa.   No   original:   Pride  and  Prejudice  ‘given  the  special  atributes  of  its  style,  possesses  the  

essential  ingredients  of  a  movie  script’.    

47 Trad. nossa. No original: Of all great writers she is the most difficult to catch in the act of greatness. 48 Trad. nossa. No original: A simple-seeming but a profoundly difficult, superbly self-conscious writer,

Austen is one whom generations of readers have pored over closely and repeatedly, squeezing nuances out of sentences we have come to regard as chiseled.

[s]ão de fácil leitura e têm uma simplicidade difícil que Austen trabalhou duro para alcançar. Mas é uma simplicidade aparente, há muito mais acontecendo. [É uma simplicidade que] combina desejos realizados e a pouca probabilidade de tornarem-se realidade. Há sempre uma modificação do final romântico que nos aponta de volta à vida real49. (TODD apud WINTERMAN, 2007)

Outra característica dos romances de Austen que contribui para sua popularidade atual é sua posição de autora reverenciada e popular ao mesmo tempo. Claudia Johnson (2012) lembra que, desde o início, Austen conquistou espaço tanto entre a alta cultura quanto entre a cultura popular. Ela compara a popularidade de Austen à de Shakespeare: “Certamente, nenhum outro autor – talvez nem mesmo Shakespeare, que, apesar de sua preeminência, não é mais popularmente acessível – inspirou devoção tão intensa e difundida, o que, em si, é digno de estudo50 (JOHNSON, 2012, p. 12). Adaptações de Shakespeare sempre estiveram em alta51. Entretanto, no caso do Bardo, a linguagem rebuscada acaba por tornar-se um obstáculo a sua popularização junto ao público contemporâneo. Com os romances de Austen, essa dificuldade diminui dramaticamente, pois, apesar do vocabulário oitocentista, sua linguagem é bastante acessível.

Após inúmeras adaptações, os romances de Austen contam hoje com a familiaridade do público, o que acaba contribuindo para o aparecimento de novas

                                                                                                               

49 Trad. nossa. No original: (...) are easy to read and have a simplicity that is hard to get as a writer,

which Austen worked hard to achieve. But it's a surface simplicity, there is a lot more going on. It combines wish fulfilment with a sense of the unlikelihood of it happening. There is always a modification to the romantic ending which points us back to real life.

50 Trad. nossa. No original: Certainly no other author – perhaps not even Shakespeare himself, who,

despite his preeminence, is no longer popularly accessible – has inspired such widespread and intense devotion that is itself worthy of study.

51 Em 2014, foi lançada mais uma versão de Romeu e Julieta. Uma nova versão de Macbeth foi anunciada para 2015.

adaptações, pois estas se tornam apostas seguras, especialmente em um mercado incerto que envolve enormes quantidades de dinheiro. Helen Fielding comenta a decisão de utilizar a trama de Orgulho e preconceito na transposição de sua coluna de jornal para romance:

A trama é muito boa. E achei que Jane Austen não se importaria e, em todo caso, já está morta. Acho o romance realmente bom. Não é surpresa que ainda seja internacionalmente popular após duzentos anos. Tem uma trama bem-feita, uma trama romântica muito boa. Tem uma heroína fantástica e muito moderna, independente, engraçada, observadora e um pouco desafiadora e resoluta. E ainda que seja escrito como um pequeno microcosmo da sociedade e pareça bem leve, nos diz muito do que acontecia no mundo à época e tem vários temas e mensagens que dizem respeito à natureza humana, e tudo flui sem esforço. É uma obra- prima.52(BBC, 2013)

Alguns críticos apontam o fato de Austen, comparativamente, não ser uma escolha tão dispendiosa como um fator que contribui para o grande número de adaptações. A escritora Fay Weldon, que assinou o roteiro da adaptação de 1980 de Orgulho e preconceito para a TV britânica, fala sobre a preferência por Austen.

O fato é que Jane Austen é uma aposta segura. A experiência demonstra que é possível vender English heritage por todo o mundo com retorno garantido. Produzir Austen não é caro: elencos pequenos, filmagens em locação, nada de efeitos especiais, detalhes de época tão explorados que você nem precisa de um livro de referencia. Material pronto para publicidade: “Veja! Até a renda é de época! Descubra como cobrimos as antenas, e recobrimos os campos com cercas vivas!”. Os livros não têm mais direitos autorais exclusivos. Você não tem a dor de cabeça de ter que competir por eles. Diga “Orgulho e preconceito” em uma reunião                                                                                                                

52 Trad. nossa. No original: [I]t’s a very good plot. And I thought Jane Austen wouldn’t mind and anyway

she’s dead. I think it’s a really, really good novel. It’s not surprising that it’s still popular everywhere after two hundred years. It’s got a really sound plot, it’s a really good romantic plot. It’s got a fantastic, very modern heroine who’s independent-minded and funny and perceptive and a bit defiant and feisty. And even though it’s written as a little microcosm of society and it seems very light it’s actually...it tells you a lot about what was going on at the broader world at that time and it’s full of themes and messages about human nature, all sort of effortlessly gliding along. It’s a masterpiece.

e você nem precisa apresentar uma proposta de orçamento. Ninguém precisa ler o livro, apenas o roteiro quando ficar pronto, e deixar que os exércitos de contribuidores cuidem dos detalhes.53(WELDON, 1995)

Muito do fascínio causado pelas adaptações de Austen é explicado pelo sentimento de nostalgia proporcionado pelas adaptações. Pucci e Thompson (2003) afirmam que a Austenmania é um sintoma da busca nostálgica que caracterizou a virada do milênio. É possível que o público identifique a familiaridade e o conforto que busca nas adaptações, especialmente as históricas. O público que prestigiou a Austenmania presenciou também eventos históricos significativos: a queda do muro de Berlim, o desmantelamento da URSS, a guerra no Oriente Médio, a ameaça do Y2K54, entre outros. É interessante observar que também Jane Austen escrevia em um momento de mudanças e incertezas e que esse contexto permeia suas obras de maneira nem sempre explícita. A virada do séc. XVII para o XVIII foi um momento de profundas transformações na Europa. A Revolução Industrial alterou permanentemente a estrutura econômico-social. A Revolução Americana custou aos ingleses sua maior colônia e inspirou outros povos a buscar sua independência. A Revolução

                                                                                                               

53 Trad. nossa. No original: The fact of the matter is that Jane Austen is safe. Experience tells them you

can sell English heritage all over the world, and get your money back. Austen is not expensive to make. Small casts, location filming, no special effects, period detail so well mulled over by those who went before you that you hardly need a reference book. Ready-made mulch for P.R.: "See, even the lace is period! Find out how we got those TV antennas down, rehedged the very fields!" The books are out of copyright. You don't have the hassle or the expense of optioning. Say "Pride and Prejudice" at a meeting, and you don't even have to bother to pitch. No one has to read the book, only the screenplay when it turns up, and let minions see to the detail.

54 Y2K foi o nome pelo qual ficou conhecido o risco previsto para sistemas informatizados na passagem do ano de 1999 para 2000 ocasionado pela limitação da representação original de datas. Houve temores de caos tecnológico e até mesmo de detonações nucleares acidentais. Felizmente, os sistemas foram modficados e os problemas tiveram alcance bastante limitado.

Francesa levou instabilidade aos países vizinhos, inclusive à Inglaterra. Essas turbulências estão presentes de forma subliminar nos romances de Austen. O efeito das mudanças no tecido social está exemplificado em Orgulho e

preconceito, por exemplo, pela trajetória do personagem Charles Bingley, cuja

fortuna recente começa a rivalizar com a de famílias mais tradicionais como a de Darcy.

Sue Parrill (2002), porém, afirma que é um erro creditar a popularidade atual de Austen apenas a um sentimento de nostalgia. Por um lado, é verdade que as adaptações de romances canônicos podem contribuir para um impulso de retorno à tradição e à celebração do capital cultural (cf. BOURDIEU, 2007) de uma nação, reforçando os mitos que compõem a identidade nacional. Entretanto, Parrill lembra que o sentimento de nostalgia experimentado ao assistir um drama histórico é muitas vezes acompanhado da satisfação em observar que, de inúmeras formas, o presente é superior. Os avanços nas questões de gênero, por exemplo, são transformações o público contemporâneo considera avanços inegociáveis. Denise Winterman (2007) afirma que as obras de Austen funcionam em vários níveis, o que significa que romances e respectivas adaptações podem adquirir diferentes significados para diferentes indivíduos. Amanda Vickery (2011) sustenta que Austen parece comunicar-se bem com a modernidade e que o apelo de Austen estaria na forma como ela funciona como “espelho” para cada geração, e acredita que “...a chave para sua adaptabilidade está em sua contenção. Austen deixa espaço para a inteligência e as fantasias do

leitor, o que tem o estranho efeito de permitir que cada nova geração veja a si mesma refletida em suas páginas”.55

O movimento de interação das adaptações leva a diálogos interessantes. Alguns críticos apontam um processo de “bronteficação”56, isto é, a adoção de um tom geral mais sombrio – e até mesmo gótico – nas adaptações mais recentes (fotografia escura, cenários rústicos, sensualização, entre outros), influenciado por adaptações das obras das irmãs Brontë, especialmente O morro dos ventos

uivantes, e pelo espaço conquistado por elas no imaginário coletivo ocidental. Já

Pamela Demory (2010) identifica nas adaptações um processo “Harlequinização”57, que enfatiza o romance em detrimento da complexidade original da obra. A autora também aproxima as adaptações do chick lit. O termo, cunhado pela escritora estadunidense Cris Mazza, em 1995, designa romances contemporâneos de, sobre e para jovens mulheres solteiras que buscam equilibrar carreira e vida pessoal. O diário de Bridget Jones, considerado pioneiro do gênero, é uma adaptação livre de Orgulho e preconceito, tornando a conexão de Austen com o gênero bastante direta. Segundo Demory (2010), por sua perspectiva predominantemente feminina, as adaptações recentes de Austen aproximam-se do representante cinematográfico do chick lit: o chick flick58. A