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A função de administrar a coisa pública é antiga, permeou a criação dos Estados e modificou-se ao longo do tempo. O estudo da Administração Pública possui algumas correntes principais de pensamento (focus) que têm marcado a evolução do campo, as quais podem ser denominadas paradigmas (Keinert, 1994). Dentre esses paradigmas, o mais recente é o da Administração Pública como Administração Pública, acabando com a dicotomia entre esse campo e a Ciência Política, consolidando o conceito de cidadania, a noção de direitos e, consequentemente, o fortalecimento da cultura democrática. Segundo Keinert (1994), esse paradigma consolidaria tal cultura e, ao mesmo tempo, aperfeiçoaria os instrumentos de gestão, inovando e criando novas possibilidades para dentro e para fora da gestão pública.

A partir da redemocratização, em 1986, o Brasil, acompanhando países anglo-saxões, adotou os preceitos do gerencialismo na sua Reforma Administrativa, os quais envolviam a descentralização administrativa e política, autonomia ao mercado e à sociedade, flexibilização da gestão, preocupação com eficiência e redução de custos, uso de mecanismos típicos do mercado privado, novas atribuições à administração central e busca por maior transparência nos procedimentos (Costa, 2010). O objetivo de reformas administrativas como a do New Public Management (NPM) é, segundo Kettl (2005), transformar as estruturas administrativas burocráticas e autocentradas em organizações mais abertas, adaptáveis e responsivas às necessidades do cidadão, baseando-se na premissa de que a realização de mudanças no contexto institucional – adicionando características do mercado competitivo privado – ocasiona a adaptação estrutural e de processos nas organizações públicas (Osborne, 1993; Buchanan & Tollison, 1999; Pollitt, 2001). Na mesma década viu-se, então, o ápice da discussão sobre a

importância de tornar estratégica a Gestão de Pessoas no contexto público brasileiro, considerando-se a intensificação da competição internacional, a globalização, o modelo de excelência japonês e sua cultura de excelência, as novas tecnologias da informação e da comunicação (NTICs), a ampliação de valor agregado aos serviços e processos e a aprendizagem organizacional (Legge, 2005). Ou seja, a Gestão de Pessoas nas organizações públicas não poderia estar, então, desvinculada de sua estratégia.

Longo (2007) aponta alguns aspectos associados às relações de trabalho que foram resultantes dessa mudança de visão: (1) ênfase na diversidade e flexibilização no trabalho; (2) enfraquecimento do emprego estável; (3) necessidade de retenção, atração e motivação de pessoas qualificadas, capazes de gerar vantagem competitiva; (4) paradoxo entre desemprego e excesso de vagas para mão de obra qualificada; (5) flexibilização da jornada de trabalho; e (6) aumento da diversidade de trabalhadores nas organizações, resultante da globalização. Nesse sentido, ainda segundo o autor, as reformas nas funções de gestão de pessoas no setor público caracterizaram-se pela opção por projetos descentralizados com transferência de responsabilidade para os gerentes de linha, aumento da flexibilidade nas práticas de gestão de pessoas e alterações nas relações de trabalho. Percebe-se com isso o distanciamento do modelo clássico de gestão (taylorista-fayolista) e sua aproximação de um modelo mais moderno, adaptativo e estratégico, baseado em alto desempenho como guia das ações em gestão de pessoas, aproximando-se mais dos modelos Toyotista e Volvoísta de gestão e produção do trabalho (Holzmann, 2006; Guimarães, 2006; Lawler, Mohrman, & Ledford, 1995; Schikmann, 2010). Nesta esteira de adoção de mecanismos do ramo privado, aumento de eficiência e gestão estratégica de pessoas, cresceu a preocupação com a melhoria da qualidade dos serviços prestados ao cidadão. E como fazer isso? Uma das formas seria atentar-se para as pessoas que de fato prestam os serviços públicos, quais suas qualificações para fazê-lo e o que seria necessário para melhorá-las em termos da aquisição, desenvolvimento e aplicação de competências no trabalho ligadas à entrega de valor ao cidadão, seja direta ou indiretamente, a exemplo, no Brasil, dos Decretos n. 5.707/2006 e 7.133/2010.

Atualmente o mecanismo institucional utilizado pela Administração Pública brasileira para permitir o desenvolvimento de competências de seus servidores por meio de ações de aprendizagem formal é, principalmente, o Decreto n. 5.707, de 23 de fevereiro de 2006. Trata- se da Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoal (PNDP) da Administração Pública Federal, a qual estabelece diretrizes para capacitação de servidores públicos, sendo pautada por preceitos da Gestão Estratégica de Pessoas e da Gestão por Competências, definida no inciso II de seu artigo 2º como: “gestão da capacitação orientada para o desenvolvimento do conjunto

de conhecimentos, habilidades e atitudes necessárias ao desempenho das funções dos servidores, visando ao alcance dos objetivos da instituição”. A PNDP apresenta, em seu texto, as seguintes finalidades: (1) melhoria da eficiência, eficácia e qualidade dos serviços públicos prestados ao cidadão; (2) desenvolvimento permanente do servidor público; (3) adequação das competências requeridas dos servidores aos objetivos das instituições, tendo como referência o plano plurianual; (4) divulgação e gerenciamento das ações de capacitação; e (5) racionalização e efetividade dos gastos com capacitação. As diretrizes da política – que, em conjunto com seus conceitos e finalidades, orientam sua aplicação – podem ser vistas no artigo 3º do Decreto n. 5.707/2006.

A aplicação das disposições desse mecanismo ainda é assunto pouco explorado por pesquisadores e pelas próprias organizações públicas as quais, muitas vezes, encontram dificuldades em termos teóricos e metodológicos para tornar a PNDP uma realidade, em especial no que diz respeito à identificação de necessidades de aprendizagem formal no trabalho. No entanto, merece destaque o trabalho recente de Camões e Meneses (2016) que, na contramão deste cenário, realizaram uma análise qualitativa da implementação da PNDP no Governo Federal. O campo, especificamente a avaliação de necessidades de aprendizagem (ANA), pode fornecer importantes subsídios para o sucesso de políticas e programas de desenvolvimento de competências no setor público brasileiro. Mesmo tendo sua importância marcada no processo de desenvolvimento de competências, essa etapa do sistema instrucional dedicada à identificação de necessidades de aprendizagem ainda é pouco desenvolvida nas organizações, tanto públicas quanto privadas (Campos et al., 2015). Uma das razões para isso é a pouca adoção de modelos teórico-metodológicos de ANA que permitam o reconhecimento das factuais necessidades de aprendizagem formal dos colaboradores e, principalmente, permitam transformar os resultados em planos de capacitação realmente aderentes às necessidades dos trabalhadores e da própria organização. A aplicação de modelos dessa natureza pode permitir que as competências a serem desenvolvidas por meio das ações instrucionais estejam mais aderentes à estratégia organizacional, fato que possibilitaria desencadear com maior efetividade os demais subsistemas de TD&E e cumprir de fato os preceitos teóricos da Gestão Estratégica de Pessoas.

Nesta seção buscou-se destacar a disciplina da Gestão de Pessoas no contexto da Administração Pública Contemporânea, enfatizando o fortalecimento dessa função no New Public Management, seu papel visto de um prisma estratégico no contexto das organizações, com o recorte mais preciso na temática deste trabalho. Nas seções seguintes foram

aprofundados outros tópicos de interesse para o desenvolvimento da pesquisa, bem como apresentados os conceitos presentes na literatura da área.