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Em uma abordagem de sistemas abertos na Administração, pode-se verificar a influência de fatores ambientais sobre as organizações, como tecnologias, globalização, competitividade e maior exigência dos clientes. No contexto da Administração Pública não é diferente, ao passo que o cidadão exige, cada vez mais, serviços públicos de maior qualidade, prestados com agilidade e efetividade. Diante disso a aprendizagem humana no trabalho emerge como questão central para a sobrevivência e o sucesso das organizações públicas e privadas na era do conhecimento, buscando a maximização de seus resultados por meio da aquisição, o desenvolvimento e a aplicação de competências no ambiente laboral (Coelho Junior & Borges- Andrade, 2008; Pantoja & Borges-Andrade, 2009).

Usualmente associada aos processos de TD&E, a aprendizagem nas organizações é um conceito mais amplo que, por vezes, não é ocasionada por ações formais de TD&E. Existem outras formas de transmissão de conhecimento e aprendizagem, como quando os indivíduos aprendem, por exemplo, por meio das consequências organizacionais resultantes de seus comportamentos, observando informalmente as consequências do comportamento de seus pares, ouvindo estórias dos colegas de trabalho com mais experiência laboral ou recebendo instruções de seus supervisores, sem necessariamente uma ação instrucional deliberada e previamente planejada por parte da organização (Brandão, 2008; Coelho Junior & Borges- Andrade, 2008; Pantoja & Borges-Andrade, 2009). Le Boterf (2000) considera que qualquer situação de trabalho pode tornar-se uma oportunidade de aprendizagem na medida em que constitui um objeto de análise, um momento de reflexão, de ação e de profissionalização.

As ações planejadas e executadas em torno de princípios fundamentais de aprendizagem, tradicionalmente por meios formais sistematizados em torno de eventos ou sistemas instrucionais, e voltadas ao aperfeiçoamento contínuo e adaptação constante por parte dos indivíduos nas organizações são conhecidas como ações de aprendizagem formal (Salas & Cannon-Bowers, 2001; Coelho Junior & Borges-Andrade, 2008; Pantoja & Borges-Andrade, 2009) e serão foco deste trabalho. Por outro lado, é válido destacar que as ações de aprendizagem informal – aquelas que ocorrem sem sistematização e em função dos interesses dos indivíduos, para as quais é imprescindível um ambiente organizacional que favoreça a organização, a disseminação e o armazenamento de informações – existem e podem ser tão ou

mais eficazes do que as ações de aprendizagem formal realizadas nas organizações (Coelho Junior & Borges-Andrade, 2008; Pantoja & Borges-Andrade, 2009).

Nesse sentido pode-se entender aprendizagem como uma mudança relativamente duradoura de comportamento do indivíduo, por meio da aquisição, retenção e aplicação formal ou informal de conhecimentos, habilidades e atitudes (CHAs) anteriores à essa mudança, ocasionando impactos no desempenho da pessoa, sendo também transferível para novas situações com as quais ela se depara (Pozo, 2002). Trata-se de um processo dinâmico, que ocasiona alterações qualitativas na forma pela qual uma pessoa vê, experimenta, entende e conceitua algo (Matthews & Candy, 1999). De maneira similar, Abbad e Borges-Andrade (2004) definem aprendizagem como um processo psicológico, em nível individual, essencial para a sobrevivência dos seres humanos ao longo de seu desenvolvimento, em especial no mercado de trabalho.

Mais especificamente no ambiente de trabalho, a aquisição, a retenção e a execução, por parte dos indivíduos, de determinados comportamentos descritos nos objetivos instrucionais inicialmente propostos em um evento instrucional caracteriza a aprendizagem formal (Gagné, 1985). Em consonância com esse conceito, Pantoja e Borges-Andrade (2002) definem a aprendizagem como o processo no qual o indivíduo, em interação com o ambiente, adquire e retém um novo conhecimento, habilidade ou atitude que pode (ou não) ser observado posteriormente em uma mudança de comportamento. O ato de aprender, do ponto de vista formal, deve ser, então, justificado em torno dos objetivos de aprendizagem estabelecidos e vinculado à natureza desta aprendizagem. Faz-se necessário, no entanto, diferenciar a natureza da aprendizagem para que se possa propor ações gerenciais nas organizações, dependentes da finalidade desta aprendizagem (Coelho Junior & Borges-Andrade, 2008). Para realizar essa diferenciação, pode-se utilizar as taxonomias de objetivos educacionais nos domínios cognitivo, afetivo e psicomotor (Bloom, Englehart, Furst, Hill, & Krathwohl, 1972; Bloom, Krathwohl, & Masia, 1973; Simpson, 1966), que, por sua vez, possibilitam o aperfeiçoamento de procedimentos e técnicas instrucionais e auxiliam na compreensão sobre como o aprendiz adquire competências, dependendo da natureza destas (Zerbini & Abbad, 2010) (Figuras 5, 6 e 7).

Figura 5. Categorias da taxonomia de objetivos educacionais: domínio cognitivo.

Fonte: Adaptado de “Taxonomias de objetivos em TD&E”, de J. F. Rodrigues Jr., 2006,em J. E. Borges-Andrade, G. S. Abbad, & L. Mourão (Orgs.), Treinamento, desenvolvimento e educação em organizações e trabalho, p. 285.

Por definição, taxonomias atendem a três condições: (a) cumulatividade; (b) hierarquia; e (c) existência de um princípio norteador. Nessa esteira, Bloom et al. (1972) desenvolveram a taxonomia de objetivos educacionais ligada ao domínio cognitivo (Figura 5), cujo princípio organizador é a complexidade dos processos intelectuais, sendo composta por seis categorias, organizadas em pirâmide na seguinte ordem (da mais simples à mais complexa): conhecimento, compreensão, aplicação, análise, síntese e avaliação (Rodrigues, 2006). Para os autores dessa taxonomia, conhecimento é a categoria que engloba objetivos nos quais se deseja que o aluno memorize informações; compreensão corresponde a objetivos de transformação de informações originais (expansão ou resumo); aplicação é a categoria que representa o processo intelectual de solução de problemas com base em informações genéricas; análise é o processo intelectual o aluno delineia mentalmente uma teoria, produto ou informação; síntese é o processo reverso da análise, quando o aluno produz algo novo a partir de uma informação já conhecida; e avaliação, categoria mais complexa dessa taxonomia, caracteriza a capacidade intelectual de emitir julgamento com base em critérios (Rodrigues, 2006). A Figura 6 traz a taxonomia (Bloom, Krathwohl, & Masia, 1973) que trata da aprendizagem afetiva, algo a ser considerado no delineamento, execução e avaliação em processos instrucionais (sala de aula e treinamentos). Aplicação Compreensão Conhecimento Avaliação Síntese Análise

Figura 6. Categorias da taxonomia de objetivos educacionais: domínio afetivo.

Fonte: Adaptado de “Taxonomias de objetivos em TD&E”, de J. F. Rodrigues Jr., 2006,em J. E. Borges-Andrade, G. S. Abbad, & L. Mourão (Orgs.), Treinamento, desenvolvimento e educação em organizações e trabalho, p. 285.

A taxonomia do domínio afetivo de aprendizagem humana (Figura 6) possui, como princípio organizador, a internalização de valores ou ideais. São cinco as categorias que compõem essa taxonomia, do menor para o maior grau de internalização: receptividade (ou aquiescência), que conota uma postura passiva de tolerância do aluno em relação ao valor que se tem em vista na instrução; resposta, a qual representa a saída do estado de passividade tolerante para aceitação ativa do valor; valorização, que objetiva a adesão consistente e continuada do aluno em relação ao valor transmitido no treinamento; organização, categoria na qual o aluno posiciona-se frente a valores antagônicos ou correlatos; e caracterização, nível mais profundo de internalização, no qual o aluno cria uma identificação pessoal com o valor transmitido no evento instrucional (Rodrigues, 2006). Por fim, Simpson (1966) propôs a taxonomia (de objetivos educacionais) do domínio psicomotor, a qual está representada na Figura 7.

Figura 7. Categorias da taxonomia de objetivos educacionais: domínio psicomotor.

Fonte: Adaptado de “Taxonomias de objetivos em TD&E”, de J. F. Rodrigues Jr., 2006,em J. E. Borges-Andrade, G. S. Abbad, & L. Mourão (Orgs.), Treinamento, desenvolvimento e educação em organizações e trabalho, p. 285.

Caracterização Organização Valorização Resposta Receptividade Mecanização Completo domínio dos movimentos Execução acompanhada Posicionamento Percepção

A taxonomia do domínio psicomotor de aprendizagem humana, proposta por Simpson (1966) e representada na Figura 7, é organizada com base no princípio da complexidade dos movimentos. Trata-se de uma taxonomia composta por cinco categorias, organizadas em pirâmide, cuja base contém a categoria de menor grau em relação ao princípio norteador, na seguinte ordem: percepção, posicionamento, execução acompanhada, mecanização e

completo domínio de movimentos. Suas categorias, tendo em vista os objetivos de ações mais

complexas por parte dos alunos, são gradativamente acrescidas no tocante à percepção cognitiva frente às ações a serem executadas, a postura necessária à sua execução, o movimento feito com auxílio e suporte do instrutor, a ação independente por parte do aluno, até a total autonomia de movimento (fluência) do aluno na tarefa a qual foi objetivo evento instrucional (Rodrigues, 2006).

E qual a relevância dessas taxonomias para o contexto da aprendizagem humana no ambiente de trabalho? Primeiramente, são estruturas úteis para quem planeja, conduz e avalia ações de aprendizagem formal, fornecendo um arcabouço de apoio, especialmente caso se espere que os treinandos explorem seu potencial intelectual, afetivo ou psicomotor. Em segundo lugar, de acordo com Rodrigues (2006) e Krathwohl (2002), considerando a validade das taxonomias, existe a possibilidade de sua manipulação (inversão de ordem ou até “cortes”) a depender de cada situação ou ação de aprendizagem formal específica a ser planejada e conduzida nas organizações, o que as torna flexíveis em termos de aplicabilidade. As taxonomias também são extremamente úteis para avaliar necessidades de aprendizagem, na medida em que definem a natureza e a complexidade das lacunas de competências identificadas, permitindo ao analista de necessidades propor, por exemplo, a modalidade do curso (se a distância, presencial ou híbrido), a carga horária, o nível de conhecimento prévio esperado dos alunos em termos de repertório de entrada de competências, entre outros.

Assim, foram apresentados nesta seção os principais conceitos envolvendo a temática de aprendizagem humana no trabalho, destacando-se a diferença entre ações formais e informais de aprendizagem nas organizações, e sua formulação deliberada com base em objetivos preestabelecidos, os quais podem ser diferenciados em sua natureza com o auxílio das taxonomias de objetivos educacionais nos domínios cognitivo, afetivo e psicomotor (Bloom et al., 1972; Bloom, Krathwohl, & Masia, 1973; Simpson, 1966). A Seção 2.4 complementa os conceitos apresentados até aqui, com o enfoque em TD&E nas organizações.