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A atividade de avaliação de necessidades de treinamento (ANT) é um importante componente de sistemas instrucionais, tendo em vista que o sucesso do planejamento, execução e avaliação de ações de TD&E (Figura 8) depende da qualidade das informações e dados gerados nessa etapa (Borges-Andrade, Abbad, & Mourão, 2009). Adota-se, neste trabalho, a expressão ANA, pois a expressão ANT, mais utilizada na área de TD&E, restringe os recursos e as tomadas de decisões de aprendizagem no ambiente de trabalho a apenas situações estruturadas de treinamento, quando o conceito de aprendizagem, mais amplo, permite, após a realização do diagnóstico, definir o tipo de ação (informação, instrução, treinamento, educação ou desenvolvimento) mais adequado às necessidades encontradas (Ferreira, 2014). Com a finalidade de ilustrar a evolução da ANA, apresenta-se a Tabela 2.2, que teve por base a revisão

da literatura realizada por Abbad & Mourão (2012), contendo os acréscimos de significância e complexidade à atividade na visão de diferentes autores. Trata-se de uma área importante (Salas & Cannon-Bowers, 2001; Aguinis & Kraiger, 2009), porém pouco desenvolvida e pesquisada pelos estudiosos da área, sendo realizada, conforme afirmam Taylor, O’Driscoll e Binning (1998), de maneira ad hoc (improvisada) nas organizações.

Tabela 2.2

Evolução teórica e metodológica da ANT

McGehee e Thayer

(1961)

Consideram três níveis de análise de necessidades: OTP – organizacional, tarefas e pessoas.

Latham (1988)

Propôs que a ANT fosse feita com base em objetivos estratégicos futuros, evitando a obsolescência técnica dos empregados, bem como a inclusão de um quarto nível – a análise demográfica – para identificar necessidades de diferentes grupos (idosos, mulheres, raças, níveis gerenciais etc.).

Ostroff e Ford (1989)

Sugeriram um modelo tridimensional de análise multinível de necessidades, que abrange conceituação e mensuração de variáveis relativas aos indivíduos, unidades e organização.

Taylor, O’Driscoll

e Binning (1998)

Após revisão da literatura, observaram a predominância das abordagens ad hoc de ANT, baseadas em solicitações de gerentes e outras formas não sistemáticas. Observaram que, na prática, os profissionais não realizavam a ANT como sugerida por teóricos e pesquisadores. Propuseram um modelo de ANT que combina aspectos críticos das duas abordagens predominantes (organização, tarefas e pessoas – OTP – e o modelo de análise de desempenho).

Chiu, Thompson,

Mak e Lo (1999)

Observaram que as pessoas que: (a) promovem a ANT são principalmente consultores e pesquisadores com pouca participação de representantes da organização; (b) que as ANTs enfocam três dos quatro níveis de análise (organização, processos e grupos), deixando de avaliar o nível individual; (c) que são aplicados procedimentos genéricos, apesar de haver sugestões de procedimentos específicos.

Salas e Cannon-

Bowers (2001)

Adotaram duas perspectivas de apresentação dos estudos: a análise organizacional e a análise de trabalho/tarefas, sendo que, nesta última, foram percebidos estudos de análise individual. Apontaram que a análise cognitiva também foi utilizada como método de apoio na análise das necessidades, aplicada com objetivo de identificar como os treinandos adquirem e desenvolvem conhecimentos, organizam regras, conceitos e fazem associações. Ressaltam que, a despeito de sua importância, a fase de ANT continua sendo menos pesquisada que as demais. Destacaram que, entre os benefícios dessa fase, estão as contribuições para a construção dos objetivos instrucionais. Ressaltam também que o foco da ANT no nível organizacional é relativamente recente, pois tradicionalmente a ANT era focada no levantamento dos CHAs e não considerava a importância do contexto organizacional.

Fan e Cheng (2006)

Discutiram a relação entre treinamento e produtividade e a necessidade de implementar planos de educação e formação em diversas áreas. A partir da Técnica Delphi, os autores levantam as competências necessárias para a categoria profissional de corretores de seguros em Taiwan, com uma nova abordagem metodológica para realização de ANT.

Bowman e Wilson

(2008)

Apresentaram uma análise de literatura usando grounded

theory para identificação de temas emergentes. Na codificação

aberta, encontraram 15 diferentes temas sobre os efeitos da ANT. Os autores concluem que a ANT faz parte de um ciclo, precisa ser sistemática, estar alinhada tanto aos interesses dos indivíduos quanto aos interesses das organizações, e que há diferenças individuais na capacidade de identificar as reais necessidades de treinamento.

Aguinis e Kraiger

(2009)

Apontaram a ANT como uma das fases mais importantes de um sistema instrucional. Focalizaram a análise de pessoas (nível individual) e apontaram a importância de conhecer e avaliar as condições pré-treinamento ou características individuais dos treinandos. Sugerem pesquisas mais aprofundadas para entender como o desenho e a entrega do treinamento são afetados pela qualidade dos dados de avaliação de necessidades.

Nota. Fonte: Adaptado de “Avaliação de necessidades de TD&E: proposição de um novo modelo”, de G. S. Abbad

e L. Mourão, 2012, Revista de Administração Mackenzie, 13, p.116.

Para tratar do conceito de ANA, é importante, antes, delimitar o que se entende por necessidades de aprendizagem, porquanto ANA refere-se ao processo destinado a identificar lacunas de competências. Necessidades de aprendizagem serão entendidas, para fins desta pesquisa, como lacunas em competências que o indivíduo precisa saber, conhecer, apropriar-se e aplicar para que sua atuação seja efetiva no contexto organizacional, dadas a missão e a estratégia organizacionais (Ferreira, 2014). Trata-se de uma interpretação mais ampla da definição exibida por McGehee e Thayer (1961), os quais afirmaram que necessidades de treinamento derivam de habilidades pouco desenvolvidas, conhecimento insuficiente ou atitudes inapropriadas ao contexto organizacional. Amplia também a definição de necessidades de treinamento de Borges-Andrade e Lima (1983), os quais afirmam que essas podem ser definidas como a discrepância entre uma situação real e uma situação ideal ou a diferença entre “o que é” e “o que deveria ser” em termos de domínio de diferentes competências. Percebe-se a aproximação/relação, em qualquer dos conceitos explicitados, com o de competências humanas no trabalho.

Nessa esteira, é válido mencionar, segundo Clarke (2003) que processos de ANA, por sua vez, servem para coletar, analisar e interpretar dados para definir: (a) quando ações instrucionais formais são a melhor opção para suprir lacunas de competência; (b) o perfil de quem precisa ser treinado; (c) o que deve ser repassado ao treinando. A ANA deve ser um

modelo sistemático de coleta, análise e interpretação de dados referentes a lacunas de competências em indivíduos, grupos ou organizações, com sete características principais: (a) basear-se na filosofia e estratégia empresarial; (b) deve ser mais proativo e menos reativo; (c) deve possuir uma maneira de separar problemas os quais podem ser resolvidos com treinamentos daqueles que não; (d) considerar que uma ampla gama de técnicas de avaliação pode ser aplicada a qualquer problema de avaliação, algo que exige algum tipo de ação antes da avaliação; (e) permitir a participação de diversos atores envolvidos com atividades de TD&E no processo; (f) incluir análises de custo benefício para tomada de decisão; e (g) ser baseado em competências observáveis em vez de opiniões (Clarke, 2003).

Segundo Bido, Godoy, Araujo e Louback (2010), necessidades de TD&E podem ser definidas em múltiplos níveis de análise: macro (organização), meso (grupos e equipes) e micro (indivíduos), seguindo a articulação entre os níveis individual, grupal e organizacional da aprendizagem que vem sendo discutida na atualidade. Abbad e Mourão (2012) consideram ANA a descrição de lacunas de competências humanas (nível individual) – hiatos nas competências ou nos repertórios de conhecimentos, habilidades e atitudes das pessoas – voltadas geralmente para o trabalho. Por fim, é válido salientar que o termo Aprendizagem parece mais adequado para utilização no subsistema de análise de necessidades pelo exposto na Seção 2.3, sem deixar de considerar o uso comum pela literatura do termo Treinamento (Ferreira, Abbad, & Mourão, 2015).

Foram apresentadas, nesta seção, as definições de ANA encontradas na literatura, suas características metodológicas básicas e seus contextos e níveis de aplicação em organizações. A Seção 2.7 traz a descrição pormenorizada do modelo de ANA a ser adotado neste trabalho, com a finalidade detalhar a ferramenta que auxiliou no cumprimento dos objetivos geral e específicos de pesquisa propostos nas Seções 1.1 e 1.2.