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Aferição da adesão ao tratamento da Hipertensão Arterial

1 INTRODUÇÃO

1.3 Aferição da adesão ao tratamento da Hipertensão Arterial

Medir a adesão ao tratamento da HAS é uma tarefa bastante complexa, pois existem vários fatores envolvidos neste processo, o que dificulta o desenvolvimento de uma medida padrão. Assim, foram desenvolvidos vários métodos para conhecer o grau da adesão ao tratamento da HAS, os quais serão apresentados a seguir.

As medidas de adesão ao tratamento da HAS podem ser classificadas como diretas e indiretas. Os métodos diretos são os mais objetivos, porém requerem equipamentos sofisticados, tornando-se oneroso seu uso e sendo inviável sua aplicação na saúde pública. Consistem na detecção de medicamentos e metabólicos em fluídos biológicos, verificando os níveis plasmáticos dos medicamentos e se o usuário está realmente tomando as doses prescritas, permitindo pelo menos detectar se ele os toma regularmente; e na utilização de marcadores químicos, administrando, juntamente com os medicamentos, quando não é possível detectar sua concentração nos fluidos biológicos por técnicas analíticas (MILSTEIN-MOSCATI; PERSANO; CASTRO 2000; OIGMAN, 2006).

Os métodos indiretos consistem em relato do profissional (impressão médica), registros farmacêuticos, contagem de comprimidos manual, monitoramento eletrônico de doses, desfecho clínico favorável e relatos de usuários (questionários estruturados e/ou escalas visuais) (GORDIS, 1981). São menos exatos que os métodos diretos e, embora tendam a superestimar a adesão, são os que apresentam maior aplicabilidade na saúde pública, pois são de menor custo e fáceis de aplicar (MILSTEIN-MOSCATI; PERSANO; CASTRO 2000; BAENA-DÍEZ et al.,

Ungari (2007) afirma que a opinião do médico é um método fácil, barato e de fácil especificidade. Porém, apresenta baixa sensibilidade e superestima a aderência total.

O registro farmacêutico é um instrumento usado para medir a adesão ao tratamento na medida em que o usuário adquire seu medicamento em período e quantidade regulares, baseada na receita médica. Tem como limitação a necessidade de um registro de informação de dispensação centralizado, de preferência informatizado, e que os usuários somente recebam a medicação em farmácias que tenham este registro. Na realidade brasileira, este método é pouco utilizado, visto que as farmácias, na grande maioria, não possuem sistema informatizado de dispensação de medicamentos (SANTA HELENA; NEMES; ELUF-NETO, 2008).

A contagem de comprimidos consiste em verificar a diferença entre o número de comprimidos fornecidos ao usuário e o número em seu poder na consulta subsequente à prescrição ou durante a visita domiciliar. Apresenta como limitação o fato do usuário poder eliminar alguns comprimidos, objetivando fazer com que o profissional de saúde acredite que o medicamento foi utilizado (UNGARI, 2007).

Em relação à monitorização eletrônica da medicação, verifica-se que é um método oneroso, pois requer o uso de frascos especiais contendo um microprocessador na tampa. O processo baseia-se na memorização de cada abertura e fechamento da tampa como uma tomada do medicamento. Os dados coletados são processados por um computador e informam as datas, os horários e os intervalos entre todas as prováveis tomadas (SOUZA, 2008). Para Oigman (2006), esse dispositivo é um dos melhores em oferecer uma estimativa média na frequência da ingestão diária e do intervalo entre as doses. Quantos às limitações deste método, estão a impossibilidade de detectar a tomada de uma dose excessiva ou quando ocorre a ingestão de várias pílulas de uma vez; a superestimação da adesão, caso a abertura dos frascos não reflita a ingestão de pílulas pelo usuário, além da modificação do comportamento dos usuários para aumentar a adesão por saberem que estão sendo observados (OIGMAN, 2006; WETZELS et al., 2006; SOUZA, 2008).

A resposta clínica é um método simples, pois parte do princípio de que o controle da PA é uma variável direta e unicamente ligada à adesão ao tratamento, o que reconhecidamente não é verdade, visto que outros fatores estão envolvidos no adequado controle da PA (OIGMAN, 2006; SOUZA, 2008).

Quanto ao relatório do usuário, observa-se que é um método fácil de ser obtido, porém com a probabilidade muito grande do usuário superestimar o número de comprimidos tomados (OIGMAN, 2006).

As entrevistas com aplicação de questionário são muito utilizadas por serem mais acessíveis e de menor custo. Trata-se de instrumentos metodológicos que avaliam o comportamento do usuário para além do manejo empírico de dados que se obtém pela simples observação da conduta cotidiana ou habitual do usuário, os quais muitas vezes estão encobertos pela subjetividade natural do profissional ou pelo conhecimento sobre este (MARTÍN ALFONSO; BAYARRE VEA; GRAU ÁBALO, 2008).

Entretanto, Márquez Contreras et al. (2006) alertam que os questionários apresentam um baixo valor preditivo negativo, sendo confirmado pelo fato de que 43% dos usuários com PA descontrolada declaram seguir corretamente o tratamento. Outro fator importante na aplicação dos questionários relatado por Santa Helena, Nemes e Eluf-Neto (2008) é referente às condições em que o questionário é aplicado, já que se trata de comportamento não desejável, o que pode intimidar os entrevistados. Além disso, a aplicação pode levar a uma superestimação da adesão, principalmente quando é aplicada mediante entrevistador.

Salienta-se que uma das dificuldades para medir a adesão ao tratamento é que todos os instrumentos utilizam a forma prospectiva, o que leva o usuário a sentir-se observado, causando o efeito Hawthorne, ou seja, devido saber que está sendo avaliado o usuário melhora a adesão de forma que é impossível avaliar com precisão sua adesão real na prática clínica (SICRAS MAINAR et al., 2006).

Borges et al. (2012) ao realizarem revisão integrativa sobre os métodos de avaliação da adesão ao tratamento da HAS, nos anos de 2000 a 2009, relacionaram os questionários validados e usados na literatura, que estão apresentados no quadro a seguir.

Quadro 2 - Instrumentos de medida validados para medir a adesão ao tratamento da HAS. Fortaleza, 2012

INSTRUMENTOS DE MEDIDA DA ADESÃO AO TRATAMENTO DA HIPERTENSÃO

Teste de Morisky-Green-Levine

Cuestionário de valoración del comportamiento de adherencia al tratamiento farmacológico y no farmacológico

Questionário MBG (Martín-Bayarre-Grau)

Questionário de Adesão a Medicamentos–Qualiaids (QAM-Q) Teste de Haynes-Sackett

Escala de conductas em salud

Escala Hill-Bone compliance to high blood pressure therapy scale Fonte: Borges et al. (2012).

O Teste de Morisky-Green-Levine é o mais usado para medir a adesão ao tratamento da HAS, apesar de não ter sido criado especificamente para a hipertensão. A teoria fundamental desta medida abrange que o uso inadequado de medicamentos ocorre em uma ou todas as seguintes formas: esquecimento, falta de cuidado, interromper o medicamento quando sentir-se melhor ou interromper o medicamento quando sentir-se pior. Assim, a primeira versão deste instrumento e que é usada na grande maioria dos estudos consta de quatro perguntas: 1. “Você alguma vez se esquece de tomar seu remédio?”; 2.” Você, às vezes, é descuidado para tomar seu remédio?”; 3. “Quando você se sente melhor, às vezes, você para de tomar seus remédios?”; 4. “Às vezes, se você se sente pior, quando toma o remédio, você para de tomá-lo?”. Os usuários com hipertensão que responderem afirmativamente a alguma destas questões são considerados como não-aderentes (MORISKY; GREEN; LEVINE, 1986; UNGARI, 2007).

Este instrumento foi reformulado, de modo que a nova versão (ainda não validada em português) ficou com oito perguntas: 1. Você às vezes se esqueçe de tomar os seus comprimidos de pressão alta? 2. Ao longo das últimas duas semanas, houve algum dia você que não tomouseu medicamento para sua pressão arterial alta? 3. Você já parou de tomar a sua medicação sem consultar o seu médico, porque você se sentiu pior quando você tomou? 4. Quando você viaja ou sai de casa, às vezes você se esquece de levarseus medicamentos? 5. Você tomou seu remédio para pressão arterial alta ontem? 6. Quando você sente que a sua pressão arterial está controlada, às vezes você para de tomar o seumedicamento? 7. Tomar

todos os dias a medicação é um verdadeiro transtorno para algumas pessoas. Você já se sentiu incomodadopor está aderindo a seu plano de tratamento da pressão arterial? 8. Quantas vezes você tem dificuldade em lembrar de tomar todos os seus medicamentos para a pressão arterial? (MORISKY et al., 2008).

O Cuestionário de valoración del comportamiento de adherencia al tratamiento farmacológico y no farmacológico é um instrumento que consta de 14 itens tipo Likert com cinco alternativas de resposta onde um (nunca) significa o valor mais baixo e cinco (sempre) o valor mais alto (VELANDIA-ARIAS, RIVERA-ÁLVAREZ, 2009).

O Questionário MBG (Martín-Bayarre-Grau) foi desenvolvido em Cuba por Martín Alfonso, Bayarre Vea e Grau Ábalo (2008), sendo elaborado a partir da definição de adesão terapêutica, que é a ação ativa e voluntária do usuário a adotar um comportamento relacionado com o cumprimento do tratamento acertado de mútuo acordo com o seu médico. Este instrumento é autoaplicável, curto, de fácil aplicação e convincentes possibilidades de resposta por parte do usuário. Possui 12 itens em forma de afirmações, com resposta tipo Likert, com cinco possibilidades de resposta que vão de sempre a nunca. Para calcular a pontuação obtida por cada usuário, considera-se que a resposta nunca possui valor zero, quase nunca apresenta valor um, às vezes corresponde a dois, quase sempre se refere a três e para a resposta sempre é atribuído valor quatro, sendo 48 a totalidade dos pontos possíveis de alcançar. Os autores classificaram os valores considerando as pontuações obtidas e consideram como aderidos totais os que obtêm 38 a 48 pontos; aderidos parciais, de 18 a 37 pontos, e não aderidos, de 0 a 17 pontos, de modo que se possa quantificar com rapidez e determinar três tipos de níveis de aderência: total, parcial e não aderido. O questionário apresentou uma consistência interna alfa de Crobach de 0,889 e a validação de conteúdo foi realizada por expert

(MARTÍN ALFONSO; BAYARRE VEA; GRAU ÁBALO, 2008).

O Questionário de Adesão a Medicamentos– Qualiaids (QAM-Q) busca medir três dimensões da adesão: o ato (se o usuário toma e o quanto toma de seus medicamentos), o processo (como ele toma o medicamento no período de sete dias, se pula doses, se toma de modo errático, se faz “feriados), e o resultado de aderir (no caso, se sua PA estava controlada). É composto de três perguntas: 1.“Nos

últimos sete dias, quais dias da semana o(a) Sr(a) não tomou ou tomou a mais pelo menos um comprimido deste remédio?” 2. “Nestes dias, quantos comprimidos o(a) Sr(a) deixou de tomar ou tomou a mais?” 3. “Como estava sua pressão na última vez queo(a) Sr(a) mediu?” (SANTA-HELENA, NEMES, ELUF NETO, 2007).

O QAM-Q permitiu a construção de três medidas de não-adesão: a) Proporção de doses consumidas – medida contínua do ato de aderir: número de comprimidos consumidos multiplicado pelo número de vezes, dividido pelo número de comprimidos prescritos multiplicado pelo número de vezes; b) Processo de tomadas – medida ordinal do processo de aderir: frequência de ocorrência de abandono (não tomou nenhuma dose de todos os medicamentos nos últimos sete dias), feriados (o usuário não toma qualquer medicamento naquele dia), tomada errática (deixa de tomar medicamentos em dias e horários variados), ou meia-adesão (toma corretamente um medicamento e outro de maneira incorreta); c) Desfecho referido – medida dicotômica do resultado de aderir: relato da última medida de PA, informando se estava normal ou alterada. Também foi construída uma medida composta, na qual a presença de uma dessas condições era suficiente para classificar o entrevistado como não-aderente: ou não tomar a quantidade correta (80%-120% das doses prescritas), ou não tomar de modo correto (sem “feriados”, “tomada errática”, abandono ou “meia-adesão”), ou relatar que sua PA estava alterada. As medidas de acurácia para detectar não-adesão mostraram sensibilidade de 62,5% e especificidade de 85,7%, área sob a curva ROC de 74,1% e valor preditivo positivo de 90,9% (SANTA HELENA, 2007; SANTA-HELENA; NEMES; ELUF-NETO, 2008).

No teste de Haynes-Sackett, o usuário faz um autorrelato da adesão ao tratamento através da pergunta “a maioria das pessoas têm dificuldades para tomar seus comprimidos, você tem alguma dificuldade para tomar os seus?” Se a resposta for positiva, solicita-se que o paciente diga o número médio de comprimidos que se esqueceu de tomar em um período de tempo (por exemplo, nos últimos sete dias ou no último mês). Aqueles que têm uma adesão igual ou superior a 80%, são considerados aderentes, conforme estabeleceu Sackett em 1975 (SACKETT et al., 1975 apud MELCHIORS, 2008).

Este método oferece uma especificidade alta e uma sensibilidade baixa, ou seja, detecta-se apenas o número de usuários que não aderem ao tratamento, e somente se estima o número de indivíduos com boa adesão. Desta forma, não é um método útil para determinar a prevalência da adesão em estudos populacionais. Entretanto é considerado oportuno o seu uso em clínica, de forma complementar a um teste de nível de conhecimento da doença (GIL et al., 1994; PUIGVENTÓS LATORRE et al., 1997).

A Escala de conductas em salud tem um formato Likert de cinco alternativas de respostas, que permite alcançar um máximo de 100 pontos, e conta com uma quinta subescala, que indaga sobre o hábito de fumar e se estende ao âmbito laboral (MENDOZA-PARRA; MERINO; BARRIGA, 2009).

A escala Hill-Bone compliance to high blood pressure therapy scale avalia comportamentos do usuário por três importantes domínios comportamentais de tratamento de PA elevada: 1) reduzir a ingestão de sódio, 2) comparecimento a consultas e 3) tomar a medicação. Esta escala é composta por 14 itens em três subescalas. Cada item é uma escala de quatro pontos do tipo Likert (KIM et al., 2000).

O teste de Batalla, apesar de não ter sido citado por Borges et al. (2012), também tem sido usado para medir adesão ao tratamento. Este teste foi desenvolvido originalmente para verificar o conhecimento dos usuários quanto à hipertensão, sendo posteriormente usado como um preditor da adesão ao tratamento pela forte correlação existente entre a adesão e o conhecimento. Consiste de três perguntas: 1) A hipertensão é uma doença para toda a vida?; 2) É possível controlar a hipertensão com dieta e/ou medicamentos?; 3) Cite dois ou mais órgãos que podem ser lesionados pela pressão elevada. O usuário que consegue responder corretamente todas as perguntas é classificado como aderente (BATALLA-MARTÍNEZ et al., 1984).