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Estimação dos parâmetros dos itens (calibração)

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.3 Análise dos dados

5.3.4 Estimação dos parâmetros dos itens (calibração)

O instrumento inicial submetido à calibração constava de 23 itens. Entretanto, os algoritmos destes itens não convergiam, sendo necessário realizar algumas alterações nas categorias de respostas e exclusões de itens. A não convergência pode ocorrer devido aos seguintes fatores: o item foi mal elaborado, o número de respondentes é baixo, o item não discrimina pessoas que aderem ao tratamento da hipertensão daquelas que não aderem, o item não é compatível com esta dimensão de análise ou uma combinação destes fatores.

Neste sentido, durante a calibração dos itens, optou-se por agrupar categorias de resposta com a intenção de que os parâmetros pudessem ser estimados apropriadamente. Entretanto, este agrupamento tentou ao máximo preservar as categorias de respostas objetivando não perder informações importantes na análise. O primeiro passo foi observar a distribuição de frequência de cada item, com o objetivo de eliminar inicialmente categorias com pouca frequência.

Foram realizadas oito calibrações até chegar nos 12 itens finais do instrumento. A convergência do conjunto de itens foi atingida com 94 ciclos. Os itens referentes ao uso da medicação, sal, gordura, doce e exercício físico permaneceram com as mesmas categorias de respostas inicialmente proposta. Os itens referentes à dose e ao horário da medicação ficaram com quatro categorias de respostas enquanto aquele referente ao consumo de carne branca ficou com duas categorias de respostas.

Além da categorização de respostas, também foi necessário haver a exclusão de onze itens, pois suas presenças não permitiram a convergência do algoritmo de estimação e também por apresentarem valor do parâmetro a

(parâmetro de discriminação) muito baixo, ou seja, por não discriminar os hipertensos que apresentam baixa adesão ao tratamento da hipertensão daqueles que apresentam alta adesão. Neste sentido, os itens referentes ao uso de remédios caseiros, cigarro, drogas ilícitas, álcool, frutas e verduras, peso, presença de complicação, ocorrência de internação durante o tratamento, valor da pressão arterial, comparecimento às consultas e estresse foram excluídos da análise final.

O agrupamento de categorias de respostas e a exclusão de alguns itens demonstram a dificuldade na construção de itens com parâmetros de discriminação altos. Todos os itens foram construídos seguindo uma metodologia científica rigorosa, com base no conhecimento teórico do traço latente estudado e cumprindo os critérios básicos de construção de itens proposto por Pasqualli (2003, 2009) e, mesmo assim, alguns itens apresentaram baixo poder de discriminação e, consequentemente, precisaram ser eliminados. Logo, a construção de instrumentos requer atenção na construção de itens, clareza da abrangência e foco no traço latente para potencializar o poder de discriminação, isto é, para produzir itens com parâmetros a elevados.

As estimativas dos parâmetros dos itens são mostradas na Tabela 4, onde são discriminadas as dimensões de análise, os doze itens do instrumento final e os parâmetros a (parâmetro de discriminação); b2, b3, b4 e b5 (parâmetros de dificuldade) para a categoria 2, 3, 4 e 5 da escala Likert. Para a determinação inicial dos parâmetros, assume-se que os dados seguem uma distribuição normal, com μ = 0 e s = 1, ou seja, escala (0,1).

Tabela 4 – Estimativa dos parâmetros dos itens do instrumento de avaliação da adesão ao tratamento da hipertensão arterial sistêmica. Fortaleza, 2012

Itens a b2 b3 b4 b5

01 – Uso da medicação 0,698 -4,816 -2,186 -0,687 0,250 02 – Dose da medicação 0,939 -4,510 -2,807 -2,005

03 – Horário da medicação 0,882 -3,805 -1,729 -1,045 04 – Sintoma 1,910 -2,842

05 – Rotina tratamento medicamentoso 1,507 -2,560

06 – Uso do sal 1,436 -2,378 -1,653 -0,207 07 – Uso da gordura 1,770 -2,300 -1,627 -0,465 08 – Consumo de carnes brancas 0,768 -3,301

09 – Consumo de doces e bebidas com açúcar 1,163 -2,777 -1,985 -0,556 10 – Exercício físico 0,715 0,736 1,347 4,602 11 – Rotina tratamento não medicamentoso 0,956 0,126

12 – Comparecimento às consultas 1,173 -3,510

Os itens relacionados ao tratamento não medicamentoso (06-11) tiveram destaque na exclusão. Uma alternativa para este resultado é a reformulação dos itens, de maneira a serem mais bem discriminados, ou seja, possuírem maior quantidade de informação psicométrica e melhor discriminação. Neste contexto, surge um desafio construir itens que contemplem estas variáveis excluídas.

Dentre estes itens, um achado curioso e aparentemente contraditório foi a exclusão do item referente ao valor da pressão arterial, já que o valor da PA é uma maneira direta de saber se a PA está controlada (resposta clínica). Neste contexto, é importante salientar que, para muitas pessoas, a PA pode até estar dentro dos valores considerados normais, porém a adesão ao tratamento não ser considerada satisfatória. Isso acontece por serem medidas isoladas que representam apenas um momento. Complementando este resultado, Bastos-Barbosa et al. (2012), ao avaliar e comparar a taxa de adesão ao tratamento da hipertensão arterial por diferentes métodos, para estimar a taxa de controle da PA, e observar se há uma associação entre controle da pressão arterial e adesão, constatou que não houve diferenças no controle da PA entre pacientes com adesão e sem adesão, considerando os resultados obtidos pela monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA), no período de vigília e pelo teste de Morisky-Green (p = 0,61).

Nos itens referentes ao uso de remédios caseiros, cigarro, drogas ilícitas e álcool, observou-se que a maioria dos respondentes não fazia uso destas substâncias, não permitindo a convergência do algoritmo de estimação. Uma alternativa para a convergência seria aplicar estes itens para usuários com hipertensão que fizessem tal uso e que tivesse respondentes para todas as categorias de respostas.

Em relação à interpretação do parâmetro a, discriminação do item, são aceitáveis valores superiores a 0,6, sendo que quanto maior for o valor de a, maior será o poder de discriminação do item (BORTOLOTTI, 2010). Na Tabela 4, vê-se que nenhum item apresentou valor inferior ao aceitável para este parâmetro, o que revela que os itens que permaneceram no instrumento final conseguem discriminar indivíduos com maior traço latente daqueles com menor, ou seja, conseguem discriminar os indivíduos com maior adesão ao tratamento da HAS daqueles com menor adesão.

Os resultados mostraram bom desempenho dos itens referentes ao uso da medicação somente quando sente algum sintoma (04) e o uso de gordura (07), pois tiveram melhor poder de discriminar os indivíduos que aderem ao tratamento da HAS em relação àqueles que não o fazem, quando comparado aos outros itens do instrumento.

Apesar de a hipertensão ser uma doença assintomática, algumas pessoas apresentam crise hipertensiva, cujos sintomas mais frequentes relatados são a vertigem, cefaléia, arritmia, epistaxes e agitação psicomotora. A crise hipertensiva é caracterizada pela elevação abrupta, intensa e sintomática da pressão arterial, com risco de deterioração aguda de órgãos-alvo (rim, cérebro, coração, retina e vasos sanguíneos), que leva a pessoa aos centros de emergência, podendo envolver risco de morte eminente ou potencial (PRAXEDES, SANTELLO, 2006).

Algumas situações também podem ocasionar uma elevação da pressão arterial sem, no entanto, ser considerada crise hipertensiva. A pseudocrise hipertensiva, caracterizada por elevação da pressão arterial decorrente de estresse psicológico ou de dor, não apresenta sinais evidentes de lesão em órgãos-alvo, nem risco de vida quando realizado avaliação física e exames complementares. A hipertensão arterial crônica descontrolada também pode ser confundida com a crise hipertensiva, apesar de não apresentar sinais e/ou sintomas, nem representar urgência ou emergência hipertensiva (LOPES; FEITOSA FILHO, 2005). Franco (2002) aponta que o abandono do tratamento medicamentoso em pacientes hipertensos crônicos é um dos principais fatores que desencadeiam a pseudocrise hipertensiva, mas também pode ser causada por dor, desconforto e ansiedade.

Assim, muitos usuários com hipertensão só fazem uso da medicação quando apresentam uma crise ou pseudocrise hipertensiva. Logo, eles não aderem ao tratamento de maneira satisfatória, visto que o medicamento anti-hipertensivo deve ser tomado de maneira contínua, independente do aparecimento de sintomas. Para aqueles usuários com hipertensão que apresentam um satisfatório nível de adesão ao tratamento, o medicamento é ingerido diariamente sem ter nenhuma associação com o aparecimento de sintoma de crise hipertensiva. Sendo assim, este contexto justifica o melhor poder de discriminação deste item.

Quanto ao uso da gordura, umas das recomendações da VI DBHA (2010) é o consumo de uma dieta rica em frutas e vegetais e alimentos com baixa densidade calórica e baixo teor de gorduras saturadas, colesterol e gordura total, pois tem um impacto importante na redução da PA, além de reduzir biomarcadores de risco cardiovascular. Entretanto, seguir uma alimentação com este padrão é bem difícil em decorrência da facilidade de aquisição de alimentos de preparo rápido, o que, geralmente, vem acompanhado de alto valor calórico. Aliado a este fator, o contexto cultural em que estes hipertensos estão inseridos também interfere na aquisição de alimentos com alto teor de gordura. Sendo assim, são poucos aqueles que conseguem abandonar os alimentos gordurosos e seguir a dieta recomendada para aqueles que convivem com a HAS, representando um item que consegue discriminar bem os indivíduos que aderem daqueles que não aderem ao tratamento. Aqueles que apresentam um menor poder de discriminação são os referentes a alguma vez deixar de tomar a medicação (01) e o consumo de carnes brancas (08). A expressão “alguma vez” do item 01 remete tanto a um episódio isolado como a uma prática frequente. Neste sentido, até entre os mais aderentes pode-se deixar de fazer uso da medicação “alguma vez”, o que justifica o menor poder de discriminação deste item.

Quanto ao consumo de carnes, os hipertensos relataram maior consumo de carne branca, em decorrência de seu valor inferior ao da carne vermelha. Alie-se a isto o fato de que percentagem considerável dos respondentes (34,8%) vive com renda inferior a um salário mínimo, dificultando a aquisição frequente de carnes vermelhas. Esta constatação justifica a baixa discriminação do item.

Concordando com esta afirmação, Ribeiro et al. (2012), ao analisar a importância, efetividade e as limitações de estratégias participativas de educação em saúde sobre a problemática da adesão ao tratamento da hipertensão arterial, encontraram que um fator limitante do seguimento das orientações relacionados às mudanças nos hábitos alimentares foi a questão financeira, sobretudo em relação à compra de determinados gêneros alimentícios. Em pesquisa realizada por Guedes

et al. (2011), também foi encontrado resultado semelhante. Neste estudo, as

faltar condições financeiras, tomar muitos remédios, praticar atividade física e seguir tratamento contínuo.

Em relação à dificuldade do item, sua medida se dá pelo parâmetro b que indica a posição na escala em que o item tem maior informação. Quanto maior for o valor do parâmetro b, maior a dificuldade deste item. Logo, ao atingir os itens com maior valor de b, o hipertenso terá um alto grau de adesão ao tratamento da HAS. Itens que possuírem um bi menor serão itens de fácil realização, ou seja, itens que o respondente não necessita de uma elevada adesão ao tratamento da hipertensão (θ) para realizar esta atividade.

Os itens com maior dificuldade de resposta (maior valor de b) foram os referentes à realização de exercício físico (10) e ser rotina seguir o tratamento não medicamentoso (11), sendo referentes ao tratamento não medicamentoso. Logo, são os itens mais “difíceis” de serem respondidos satisfatoriamente e, portanto, tendem a ser mais representativos dos indivíduos com maior adesão ao tratamento.

Segundo as VI DBHA (2010), a realização de exercícios físicos aeróbios (isotônicos), que devem ser complementados pelos resistidos, promovem reduções de PA, estando indicados para a prevenção e o tratamento da HAS. A recomendação é habituar-se a prática regular de atividade física aeróbica, como caminhadas por, pelo menos, 30 minutos por dia, 3 vezes/semana, para prevenção e, diariamente, para tratamento. Entretanto, uma particularidade da HAS é atingir indivíduos predominantemente idosos, como está demonstrado neste estudo, que apresentou 66,1% de pessoas com 60 anos ou mais, o que ocasiona limitações impostas pela idade. Outro fator que merece destaque é que muitos hipertensos possuem outros problemas de saúde, além da hipertensão, incluindo sequelas de outras doenças que impedem a realização de exercício físico. Lim e Taylor (2005) constataram, entre os idosos, a influência dos problemas de saúde como barreiras na realização da atividade física.

A violência urbana também foi apontada com um fator que dificulta a realização do exercício físico, mesmo que o ambiente onde se exercite sejam praças públicas ou áreas do entorno de sua residência (GUEDES et al., 2011). Essa insegurança em relação à violência urbana também foi apontada nos discursos de

muitos hipertensos, os quais relataram o medo de sofrer algum ato violento durante a realização da caminhada, a principal modalidade de exercício físico citado entre os respondentes do estudo.

Outro fator que contribui com a dificuldade apresentada por este item é que, apesar da mudança do estilo de vida que vem ocorrendo na população brasileira, ainda ocorre, entre os usuários com hipertensão, o predomínio de hábitos de vida prejudiciais à saúde, como o sedentarismo (CARVALHO et al., 2012; GUEDES et al., 2011). No Brasil, o sedentarismo apresenta alta prevalência, causando custos elevados, tanto diretos quanto indiretos, para o sistema de saúde. Em estudo realizado com adultos e idosos, nas regiões sul e nordeste, foi observado uma prevalência de sedentarismo de 31,8% (IC95%: 30,4-33,2) em adultos e de 58% (IC95%: 56,4-59,5) em idosos. Para a região nordeste, a prevalência de sedentarismo foi significativamente maior para ambas as faixas etárias (SIQUEIRA

et al., 2008).

Faz-se necessário reforçar a importância da atividade física na população em geral, pois apesar de ser considerada uma prioridade para manutenção da saúde, conforme apontado por Siqueira et al. (2009), ainda é uma orientação escassa como estratégia de educação em saúde, no contexto da atenção primária. Em estudo realizado por Siqueira et al. (2008), como objetivo de descrever a prevalência de sedentarismo e fatores associados em populações das áreas de abrangência de unidades básicas de saúde em municípios das regiões Sul e Nordeste, foi constatado que entre os adultos, somente 23,9% receberam orientação para a prática de atividade física, na unidade básica de saúde, no último ano, enquanto que para os idosos a frequência foi de 30,3%. Também foi observado que a prescrição de atividade física por parte de profissionais de saúde dessas unidades ainda é insuficiente para promover alterações na atitude das pessoas, em relação à prática de atividade física.

Este contexto reflete que as medidas tomadas, em nosso país, para incentivar adequadamente a prática de atividade física são insuficientes. Tornam-se necessárias ações estratégicas, articuladas e participativas que possam inverter essa cultura de sedentarismo vivenciada por grande parte da população brasileira,

de forma a estimular mudança no comportamento e, consequentemente, melhorar a qualidade de vida.

O outro item com maior dificuldade de resposta satisfatória foi ser rotina seguir o tratamento não medicamentoso (11). Esse item é bem amplo e abrange todas as medidas não farmacológicas recomendadas para o tratamento da HAS, o que envolve o controle do peso, padrão alimentar, moderação do consumo do álcool e tabagismo, exercício físico e controle do estresse. Sendo assim, devido englobar muitas mudanças no estilo de vida, torna-se um item com maior dificuldade em ser cumprido e, consequentemente, aqueles que respondem de maneira afirmativa esse item têm um alto nível de adesão ao tratamento da HAS.

A dificuldade em mudar os padrões comportamentais construídos ao longo do tempo é apontada com uma barreira na adesão ao tratamento da hipertensão. No discurso dos usuários com hipertensão, são comuns afirmações como não faz sentido manter-se em dieta hipossódica, deixar a bebida alcoólica, fazer atividade física todo dia se não apresentam nenhum sintoma (GUEDES et al.,

2011; RIBEIRO et al., 2012).

Sendo assim, a melhora deste hábito não é uma tarefa fácil. Reforça-se a necessidade de serem desenvolvidas estratégias em busca da adoção de comportamentos saudáveis, de forma a prevenir as doenças cardiovasculares e não somente tratá-las, como tem ocorrido frequentemente. De acordo com Santos, Caetano e Moreira (2011), a adoção de comportamentos saudáveis deve ser enfatizada desde a infância e adolescência, visto que as crianças e adolescentes estão mais vulneráveis aos fatores de risco favoráveis ao surgimento da HAS e de outras doenças cardiovasculares, como sedentarismo, aumento de peso, hábitos alimentares inadequados, dentre outros. Os autores salientam que as cantinas escolares se constituem um dos fatores a contribuir para o excesso de peso, pois oferecerem alimentos de péssima qualidade nutricional, tais como salgados fritos, alimentos industrializados, refrigerantes, doces, balas e chicletes. Reforçando a adoção de hábitos prejudicais à saúde, ainda tem a força da mídia para vender os alimentos hipercalóricos, chilitos, chocolates, sanduíches, dentre outros.

Os itens referentes ao uso do sal (6), consumo de doces e bebidas com açúcar (9) e o comparecimento às consultas (12) apresentaram valores dos parâmetros a e b intermediários quando comparados aos outros itens do QATHAS. Logo, apresentam nível médio de discriminação e dificuldade.