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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

5.1 Afinal, o que é o OA?

Procurar a real definição do OA foi uma questão que permeou todos os capítulos do presente trabalho. Contudo, mesmo após todas as discussões precedentes, seria totalmente precipitado tentar definir de forma incontestável o fenômeno nesse momento, uma vez que para isso seria necessário o embasamento em um grande número de testes, elemento primordial para um trabalho consistente de identificação e delimitação precisa (cientificamente) de suas características. Por outro lado, para que uma definição cientificamente precisa do OA possa sequer ser efetivamente considerada, é necessário primeiramente o estabelecimento de um maior diálogo entre pesquisadores, assim como é necessário que a comunidade científica que pesquisa o OA se conscientize de que uma padronização sobre a definição do conceito é fundamental.

Assim, nos propomos neste momento a esboçar uma definição do OA que possa servir de ponto de partida para a realização de futuras pesquisas. A ideia é propor uma alternativa à definição restrita do OA encontrada na maior parte dos artigos sobre o tema,

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segundo a qual é portador de OA o sujeito que reconhece e/ou emite alturas sem referência externa. O grande problema desse tipo de definição é que ela não leva em consideração uma série de variáveis que, segundo diversos pesquisadores, são de grande importância para a compreensão da habilidade do OA. Assim, nosso esboço de definição será muito mais amplo, a fim de abordar as variáveis apontadas ao longo desse trabalho.

O OA é um traço cognitivo cujos portadores são capazes de associar alturas a rótulos verbais (uma associação armazenada na memória de longo prazo dos sujeitos): um determinado rótulo aprendido pelo portador, normalmente nomes das notas musicais, é associado a uma determinada classe de altura (por essa razão, instrumentistas que tocam instrumentos transpositores ou estudantes de piano que aprenderam em um piano afinado meio tom abaixo, associam alturas com rótulos diferenciados daqueles utilizados pelos demais portadores). Além disso, o OA envolve o reconhecimento imediato (ou quase) dessas alturas.

Contudo, vimos que portadores de OA raramente são infalíveis, ou seja, a maioria possui algumas (ou muitas) limitações, sendo que as principais são:

1) Margem de erro de meio tom na avaliação de alturas (ou seja, erros recorrentes de meio tom para cima ou para baixo da altura real do estímulo ouvido);

2) Dificuldade (ou mesmo incapacidade) de cantar uma nota sem referência externa.

3) Limitações para determinados registros; 4) Limitações para determinados timbres;

A grande questão é como lidamos com essas variáveis, pois sabemos por meio de todos os trabalhos descritos nesta dissertação, que essas limitações são reais. Porém, ainda não se encontra definida a linha divisória que separa portadores de não portadores de OA de acordo com o grau de sua limitação em cada uma dessas variáveis. Por exemplo: Qual a porcentagem de acertos que um sujeito deve ter para ser considerado portador de OA? Em quantos e/ou quais timbres ele deve ser capaz de reconhecer alturas para ser considerado portador? Se o sujeito reconhecer alturas apenas no registro médio, ele pode ser considerado portador? Se o sujeito não conseguir cantar uma altura solicitada sem referência, ele pode ser considerado portador?

É preciso definir, de forma mais precisa e satisfatória, essa linha divisória. Para isso, é necessário elaborar testes cientificamente adequados para que se possa chegar em um consenso e, então, poder prosseguir com segurança para as demais questões que envolvem o OA. Esta nova fase de pesquisa, voltada para a tentativa de um mapeamento

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mais apurado das variáveis apontadas acima, deveria utilizar uma série de testes elaborados especificamente para a avaliação de hipóteses sobre o funcionamento do OA, hipóteses estas, construídas a partir do conjunto de indícios levantados ao longo das diversas décadas em que o OA tem sido pesquisado.

O que identificamos a partir dessas observações é que a habilidade do OA é bastante heterogênea, podendo levar até mesmo à hipótese (levantada por alguns pesquisadores, como Bachem, já em 1937) de que há diferentes tipos de portadores de OA.

Assim, feitas estas últimas observações e ressalvas, propomos a seguinte definição para o OA:

Fenômeno cognitivo relacionado à memória de longo prazo presente na população de músicos, na qual a prevalência ainda não é exata. Tal habilidade tem como característica principal o reconhecimento auditivo de alturas associadas a rótulos verbais sem nenhum tipo de referência externa, podendo incluir também a capacidade de emissão de uma determinada altura sem referência anterior (seja através do canto ou por meio de um ajustador de senóide67). O reconhecimento é

predominantemente imediato e é realizado sem a necessidade de um treinamento específico para isso. Pode envolver erros principalmente de meio tom, além de poder apresentar uma acuidade significativamente menor em determinadas situações (devido principalmente a limitações para determinados timbres e/ou registros, limitações estas que variam significativamente de pessoa para pessoa).

Existem algumas questões cruciais para que se possa separar com precisão portadores de OA de não portadores e finalmente definir a habilidade de um modo que possa alcançar maior consenso dentro da comunidade científica. Infelizmente, não podemos nesse momento efetivamente respondê-las, mas podemos enumerá-las para que sirvam de base para pesquisas futuras:

1) Não podemos afirmar se não músicos possuem ou não a habilidade, uma vez que ainda não é possível medir com precisão a habilidade nesta população;

67 Um ajustador de senóide (ou oscilador) é um aparelho que emite ondas sonoras. Tal aparelho contém

um botão giratório no qual se pode controlar a altura do som. O aparelho não é temperado, ou seja, é possível ajustar a frequência em qualquer altura desejada.

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2) Seguindo o mesmo raciocínio, também é impreciso afirmar que o OA é uma habilidade rara, uma vez que ainda não é possível definir de forma precisa e consensual a prevalência de portadores da habilidade na população geral (fato que se torna ainda mais significativo quando observamos a diversidade de definições distintas adotadas por diferentes pesquisadores, conforme visto ao longo deste trabalho);

3) Não podemos afirmar qual a porcentagem exata de respostas corretas para um sujeito ser considerado portador de OA; também não podemos afirmar qual o número mínimo de timbres a serem testados, nem o âmbito geral dos estímulos (ou seja, seu registro);

4) Não podemos definir um limite máximo para o tempo que um portador pode demorar para responder uma altura solicitada, uma vez que a ideia de que o OA é imediato para todos os portadores é ainda imprecisa; existe a possibilidade de que alguns portadores necessitem de um tempo maior para emitirem sua resposta, e isso não significa necessariamente que ele estaria usando o OR.

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