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Ouvido Absoluto: faculdade inata ou aprendida?

1. CAPÍTULO 1 Ouvido Absoluto e sua História

1.3 Ouvido Absoluto: faculdade inata ou aprendida?

Segundo Neu (1947), muitos pesquisadores acreditam que o OA, mais do que outras habilidades ou talentos musicais, foi tradicionalmente compreendido como uma qualidade inata ou uma faculdade que relativamente poucas pessoas têm o privilégio de possuir. A hipótese de a habilidade ser inata foi muito aceita em trabalhos da primeira metade do século XX e algumas vezes questionada por não haver evidências reais. Ainda segundo o autor, as evidências mostram que a habilidade de discriminar tons depende da experiência musical do indivíduo, e é provavelmente construída durante a mesma. Neu (1947), após avaliar uma série de resultados de experimentos afirmou que é incorreto dizer que o OA é uma qualidade inata:

Meyer e Heyfelder (1899) tentaram treinar a si próprios e os seus resultados mostram um alto grau de julgamentos corretos. Köhler

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(1915), depois de duas semanas de treino foi capaz de fazer 112 julgamentos corretos de um total de 220. Gough (1922) treinou 90 estudantes e obteve um incremento no número de julgamentos corretos. Os dados de Mull (1925) mostram que o treinamento aumenta a porcentagem de julgamentos corretos de 40% para 82%. Wedell (1934) afirma que “é evidente que alguns dos mais recentes pesquisadores estão cientes de que mesmo no caso do ouvido absoluto, o julgamento é ao menos em parte de relação” (NEU, 1947).

Révész (1913) defende que a memória para alturas pode ser adquirida e aperfeiçoada pela prática, porém a habilidade em distinguir qualidades (pitch chroma)22

é inata, assim como distinguir cores, e não pode ser adquirida. Para Kries (1892), o OA não pode ser adquirido e afirma que nunca encontrou ninguém que possuísse OA genuíno fruto do treinamento musical. Stumpf (1883) deixa a questão em aberto, dando maior ênfase à familiaridade, habilidade musical, sensibilidade e interesse em práticas musicais ativas. Na visão de Seashore (1940), o OA é uma predisposição inata que se manifesta durante a infância, caracterizando-se como uma forma de memória baseada em uma capacidade hereditária, mas que também pode ser influenciada pelo treinamento; porém, segundo o autor, essa última influência é pequena (NEU, 1947).

Spender (1980) afirma que estudos realizados por psicólogos sugerem que o desenvolvimento do OA deve coincidir com uma pré-disposição inata que se manifesta durante a infância que é contundente, imediata e espontânea (corroborando com Bachem, 1937 e Seashore, 1940), mas há uma pequena evidência de que a habilidade pode ser atribuída a uma genética sortuda de ouvidos sensíveis e especiais. Qualquer evidência relacionando OA com familiares músicos corrobora igualmente a influência da hereditariedade.

Segundo Meyer (1899), se assumirmos que algumas pessoas foram presenteadas com o dom do OA, isto indica a existência de uma propriedade psicológica, cuja ausência impede a aquisição desta faculdade mental. Entretanto, seria difícil definir o que seria essa propriedade psicológica. Meyer prefere a ideia de que todos possuem potencialmente a habilidade do OA, ou seja, que todas as pessoas apresentam certa quantidade de memória para tons, uma vez que são capazes de reconhecer e discriminar alturas. O autor também afirma que não há nenhum experimento que demonstre que o indivíduo, por meio de uma prática sistemática e suficientemente prolongada, não possa ser treinado para aumentar a sua acuidade no reconhecimento de tons (NEU, 1947).

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Pensando na hipótese do OA não ser algo inato, mas sim adquirido durante a vida e melhorado conforme a prática musical, Neu (1947) faz uma observação relevante em relação às pesquisas da época. Ele diz que se nós considerarmos que a discriminação de alturas não é inata, mas sim desenvolvida durante a vida do indivíduo, então não é importante investigar os tipos de OA (pseudo OA, quase OA ou OA genuíno) propostos por Bachem (1937) em experimentos. Não é importante porque, do ponto de vista do desenvolvimento comportamental, a acuidade de discriminação do indivíduo reflete apenas o grau de estudo que ele teve durante a vida.

Segundo Neu (1947), o primeiro experimento realizado com o objetivo de desenvolver OA foi feito por Meyer (1899). Houve apenas dois sujeitos pesquisados, sendo que um deles era o próprio autor. O experimento consistiu na memorização dos nomes de alturas de diapasões diversos (de 100 a 4500 vibrações por segundo) e de 39 notas no piano. O treino começou com poucas notas e novas notas eram acrescentadas aos poucos. Como fruto do treinamento, os sujeitos adquiriram um grau de acuidade relativamente alto (mais de 50% de acertos). Depois de muitos anos, os sujeitos perderam grande parte dos tons memorizados, o que demonstra a necessidade de uma prática continuada.

Os experimentos realizados em estudantes universitários por Gough (1922) e Mull (1925) apontam que a prática (treino) sistemática melhora a identificação de alturas, tanto em músicos quanto em não músicos (NEU, 1947). Mull (1925) demonstra em seus experimentos que a habilidade de julgar corretamente as notas pode ser melhorada de forma significativa, sendo que esta melhora é em grande medida imediata e é relativamente duradoura em seus efeitos. Mull conclui que o sujeito médio pode adquirir OA, afirmação baseada na comparação entre os resultados de sujeitos que possuem “o dom do OA” (conforme Baird, 1917) e dos sujeitos medianos treinados por ela mesma (o que mostra que é mais plasível pensar no OA como uma habilidade que pode ser desenvolvida do que uma habilidade inata). Apesar de seus resultados, Mull ressalta que ainda resta uma questão fundamental: por que certos indivíduos sem treinamento musical possuem o OA tão preciso?

Os resultados do experimento realizado por Wedell (1934) corroboram a hipótese de que o OA não é inato e pode ser melhorado ao aprendido. O autor fornece as seguintes conclusões:

1) É possível aumentar a precisão de julgamento de tons em não músicos;

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3) O limite da habilidade é uma média de erro de cerca de 3 semitons;

4) O curso do processo de aprendizagem é muito irregular e há grandes diferenças individuais23.

Riker (1946) em seu experimento concluiu que há vários graus de acuidade em julgamentos de alturas “... uma função da experiência musical do dia a dia” (NEU, 1947).

1.4 Influência da idade e do treinamento na aquisição do Ouvido Absoluto