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Considerações sobre o capítulo 3

3. CAPÍTULO 3 – Ouvido Absoluto e Testes

3.4 Considerações sobre o capítulo 3

Conforme apontado no início deste capítulo, comumente são encontrados diferentes trabalhos que se propõem a fazer testes, muitas vezes visando um mesmo objetivo, mas utilizam diferentes métodos de testagem para tal. Nos testes aqui discutidos, embora seus objetivos gerais fossem distintos, é possível comparar os procedimentos utilizados e a metodologia adotada, de modo a delinear algumas das causas de desentendimentos e divergências na definição da habilidade do OA discutidos nos capítulos anteriores.

Por exemplo, no subcapítulo 3.1, vimos três testes de autores distintos que se propunham, direta ou indiretamente, a classificar os voluntários em termos de portadores ou não portadores de OA. Isto porque, embora cada trabalho tivesse um objetivo particular distinto, todos os autores acabaram por necessitar separar os grupos de portadores e não portadores de OA. Conforme apontado anteriormente, o critério para escolha destes trabalhos foi especialmente o detalhamento do procedimento da criação dos testes realizados pelos pesquisadores em seus artigos, tornando possível uma efetiva comparação entre estes.

O que observamos foi que, embora os testes para a separação dos portadores de OA tenham sido bem descritos e baseados em uma considerável reflexão, eles se mostraram muito diferentes entre si. Conforme visto anteriormente, o grau de precisão de um sujeito no reconhecimento de alturas é o principal critério utilizado pelos três trabalhos para a separação dos portadores de OA. Nenhum dos trabalhos demanda respostas exatas, aceitando uma margem de erro nas respostas dos sujeitos. Entretanto, observamos que os autores adotam critérios muito distintos quanto ao nível de precisão que indicaria a presença desta habilidade, especialmente quanto à margem de erro tolerada. Com base nesta constatação, levantamos a pergunta central: se um mesmo sujeito participasse dos testes descritos nos três trabalhos, ele seria classificado como portador de OA nos três? De fato, pode-se prever que apenas os sujeitos com desempenho muito bom seriam considerados portadores de OA de acordo com os critérios presentes nos três artigos.

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As diferenças na elaboração dos testes devem-se obviamente às diferentes perspectivas sobre o conceito de OA que nortearam a sua elaboração, as quais estão baseadas em conceitos distintos sobre o fenômeno. No entanto, é fundamental algum tipo de padronização quanto à definição do OA, elemento essencial para que haja um maior diálogo quanto aos resultados provenientes de diferentes pesquisas. Em especial, é necessário um efetivo mapeamento de elementos/características pertinentes e subjacentes a esta habilidade cognitiva, de forma que um amplo espectro de manifestações (o reconhecimento/acertos) referentes ao processamento das informações sobre alturas possam ser consideradas pelos pesquisadores. Após tal mapeamento, faz-se necessário avaliar o quão ajustado está o modelo teórico proposto com os dados coletados seja considerando o modelo dimensional (contínuo) ou categórico (de classes latentes). Caso o modelo tenha bom ajustamento para um modelo dimensional, poder-se-á estimar parâmetros previamente citados: dificuldade, discriminação e acerto ao acaso.

Diferentemente dos testes acima, o teste abordado no subcapítulo 3.2 dedicava-se ao estudo sobre a aquisição de OA em crianças. A questão é por si só pertinente, uma vez que um alto número de autores na bibliografia acredita que o treinamento musical precoce pode ajudar na aquisição do OA. As crianças testadas recebiam tradicionalmente um efetivo treinamento musical, que incluía a prática de solfejo, da leitura musical e a prática de instrumento. O foco do estudo foi identificar se havia uma real melhora em suas capacidades auditivas com o passar dos anos, o que foi identificado pelos autores. Porém, como a mensuração das capacidades auditivas também não se fez por meio de instrumentos que minimamente apresentavam índices ou indicadores de validade, pouco se pode dizer a respeito dos resultados obtidos.

Contudo, pudemos observar que a avaliação dos sujeitos foi realizada em relação a um conjunto restrito de variáveis (apenas dois timbres, sem variações de intensidade ou do tempo de respostas dos sujeitos, por exemplo), não levando em consideração nem mesmo aspectos que faziam parte do treinamento das crianças, como o solfejo cantado (os autores poderiam levantar mais dados se solicitassem às crianças que emitissem vocalmente uma nota sem referência, elemento considerado por muitos autores como parte da definição do OA).

Em relação ao OA, é importante destacar que os autores não apenas identificam a melhora no desempenho auditivo das crianças, mas também indicam que houve a efetiva aquisição do OA por várias das crianças. Contudo, foi ressaltado que os autores não chegam a traçar uma linha divisória efetiva a partir da qual seria possível apontar com

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certeza a presença desta habilidade. Desta forma, mesmo com os altos índices de acerto, é impreciso afirmar que o grupo de crianças mais velhas possui OA (e, consequentemente, que o grupo de crianças mais novas não possui). Além disso, é notória a grande variedade no número de acertos dos voluntários em relação ao timbre de strings, fazendo com que os resultados dos autores estejam baseados primordialmente nos dados obtidos em relação ao timbre do piano.

Por fim, o subcapítulo 3.4 nos trouxe um teste muito pertinente para a bibliografia discutida nesta dissertação, uma vez que muito se estima sobre o real número de portadores de OA na população em geral (número este que sempre foi abstrato, uma vez que era considerado difícil, ou até mesmo impossível, testar não músicos com testes elaborados para músicos). Com essa questão em mente, Levitin (1994) elaborou um teste com foco voltado para não músicos cuja possibilidade de aplicação parece ser inicialmente muito promissora (solicitar uma pessoa a cantar uma música conhecida de memória e comparar sua emissão com as alturas encontradas na canção original).

Contudo, deve-se destacar que a proposta de Levitin está baseada em sua concepção (hipótese) de que o OA seria a combinação de duas habilidades distintas, o

pitch memory e o pitch labeling, de forma que seu teste visaria avaliar a presença do pitch memory na população em geral. Contudo, não há um estudo efetivo para a comprovação

de sua hipótese. Destacamos que vale questionar a proximidade do pitch memory ao fenômeno do OA, uma vez que este último, demanda a associação das alturas a outro elemento (rótulos verbais). Para compreender melhor a relação entre estas duas habilidades, seria necessária a aplicação deste mesmo teste visando a comparação entre músicos portadores de OA, músicos não portadores de OA (de acordo com as definições mais tradicionais e restritas) e não músicos. Isto porque é possível que os resultados que levam Levitin a apontar que não músicos também possuem um excelente pitch memory pode ser o resultado da associação das alturas a algum outro elemento (por exemplo, as letras de canções, estabelecendo um outro tipo de rótulo verbal que auxiliaria na memorização de notas).

Por fim, permanece em aberto, no trabalho de Levitin, o fato de que muitas pessoas, músicos e não músicos, apresentam dificuldades na emissão de tons vocalmente. Este fato leva o autor a estimar que haveria um número muito maior de portadores do

pitch memory do que aquele apontado pelos dados de seu experimento. Por outro lado,

deve-se perguntar se é justamente uma possível facilidade na emissão vocal dos voluntários (sua memória muscular) que teria feito com que muitos deles acertassem as

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alturas originais. Esta variável, conforme apontado anteriormente, não foi considerada por Levitin, de forma que mais testes seriam necessários para que estas hipóteses fossem analisadas.

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