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9. JOVENS E A ARTE

9.3 Afinal, o que é arte para esses jovens?

Algumas indicações do que os jovens entendiam e consideravam arte puderam ser observadas em enunciados anteriores. Porém, para a ampliação da compreensão destas conceituações, perguntou-se especificamente o que entendiam e pensavam sobre arte. Não há como deixar de pontuar que a questão inscreve-se na conjuntura contemporânea de constantes (re)definições entre limites e rupturas da arte, o que a torna complexa e de difícil resposta. As perguntas feitas aos entrevistados, contudo, não visaram instituir ou definir as visões adequadas ou inadequadas, corretas ou incorretas do que pode ser arte ou não, buscaram a compreensão dos sentidos da arte para cada um dos jovens, suas conceituações e apropriações singulares, produzidas nas experiências com diferentes manifestações artísticas presentes/ausentes no

Pesquisadora: E o que você pensa sobre arte? Carolina: Eu não penso nada.

Pesquisadora: Não pensa nada? E que arte você conhece? Quais formas de arte

você conhece?

Carolina: (risos) Não conheço nenhuma. Pesquisadora: Nenhuma?

Carolina: Ah, acho que não.

Pesquisadora: E você já ouviu falar... o que você já ouviu falar de arte? Carolina: Não ouvi falar nada, por enquanto né.

Este diálogo causou certa estranheza inicial, pois foi travado na parte final da entrevista de Carolina, após ter falado sobre as oficinas de arte no Projeto Sol e sobre as linguagens artísticas que praticava em seu tempo livre: como poderia não conhecer nenhuma arte ou não ter ouvido nada a respeito?

Evidentemente sua fala, por se dirigir à pesquisadora, pode relacionar-se a um cansaço, posto o tempo decorrido da entrevia. Pode também vincular-se a um receio de Carolina em dar uma resposta incorreta, ou em desacordo com o que pensava que pesquisadora desejava ouvir. Ao mesmo tempo, a questão envolvia uma complexidade, solicitava uma definição que é difícil até para artistas ou professores de arte. Além disso, a busca de definições de quaisquer conceitos pode gerar dificuldades, posto o próprio contexto de entrevista, no qual os questionamentos feitos ao entrevistado podem não ter sido alvo de reflexão anterior. Carolina, neste diálogo, não citou as diferentes linguagens artísticas existentes nos projetos sociais que freqüentava e que ela mesma praticava, como a dança, o circo, a pintura em tela e outros. Somente quando foi questionada sobre as formas de arte que gostava, citou a pintura em tela. A cerâmica e o desenho foram depois apenas citados, sem outros comentários.

“Ah, arte é onde a gente tem que (breve silêncio)... onde a gente tem que fazer... ai, não sei, não sei.” O saber de Carolina em arte centrava-se no fazer, como, por exemplo, sabia dançar, mas em seu discurso ecoava uma desvinculação deste saber com os demais conhecimentos envolvidos, como história da arte, contexto, conceitos, entre outros. As frases “Não penso nada” e “Não sei como explicar” (surgida na continuação do diálogo), por um lado, indicam que a jovem não havia pensado sobre a arte anteriormente, tratavam-se de indagações da pesquisadora, em consonância com os objetivos da pesquisa, e não da jovem; e por outro lado, podem indicar uma desconexão entre o fazer que parece predominar no ensino/aprendizagem da arte no Projeto Sol e os processos reflexivos/intelectuais sobre arte, processos que na criação e apreciação da arte não ocorrem desvinculados, assim como interligam-se a outros processos psicológicos, como a afetividade, volição e imaginação (Teplov, 1977; Vygotsky, 1998).

O fato deste projeto social buscar diferenciar-se dos métodos e didática da escolarização formal, utilizando o formato de oficinas centradas mais no fazer, pode indicar alguma relação

com esta desconexão evidenciada no discurso de Carolina. Mas esta dicotomia pode ser verificada desde a formação acadêmica em arte, onde ainda prevalece uma separação entre aqueles que fazem arte (artistas) e os que pensam sobre ela (professores e pesquisadores) (Frange, 2006). Há ainda que se considerar a formação dos professores de arte dos jovens entrevistados, ou seja, em que medida e que condições efetivamente eles têm de constituir espaços de ensinar e aprender onde saberes e fazeres em arte possam confluir.

Pesquisadora: E o que você pensa sobre arte? Cláudio: Breve silêncio

Pesquisadora: Você já parou pra pensar sobre arte? Cláudio: Não.

Pesquisadora: Não? O que você acha que é arte? Cláudio: (silêncio)

Pesquisadora: Não tem resposta certa nem errada. Cláudio: (Silêncio)

Pesquisadora: O que você acha que é arte?

Cláudio: Acho que é a pessoa que faz com a própria mão, assim. (silêncio) Da mesma maneira que Carolina, Cláudio nunca havia parado para pensar sobre arte, mas as perguntas da entrevista o provocaram a refletir sobre a questão, uma vez que esta caracteriza-se como um contexto de produção discursiva, no qual significados são feitos e re- feitos, postos e contrapostos na dialogicidade estabelecida entre pesquisador e pesquisado (Amorim, 2004). A conceituação de Cláudio sobre arte, construída neste diálogo, ligou o fazer ao trabalho manual. As mãos eram as principais ferramentas das atividades realizadas da oficina de artes (artes visuais) do Projeto Sol, para o desenho, pintura e cerâmica. Os demais domínios do corpo que servem de expressão para variadas linguagens artísticas, algumas oferecidas em outras oficinas do projeto, neste caso não foram incluídos. Mas a expressão “fazer com as mãos” pode referir-se ainda àquilo que é produzido por uma pessoa, àquilo que é fruto de seu trabalho, o que inclui todas as linguagens, inclusive o break por ele praticado, mas não referido nesta parte da entrevista, onde mencionou somente a pintura.

Os sentidos verificados nas falas de Luís se aproximam dos enunciados de Cláudio e Carolina.

Pesquisadora: Ah tá. E que formas de arte que tu conhece?

Luís: Formas de arte? É botar a massinha num tipo de um cimento, não tem?

Que é seco, que dá um desenho assim, daí a gente bota, vai botando e daí sai na argila.

Pesquisadora: Ah tá. E que tipo de arte você conhece? O que você conhece de

arte?

Luís: Ai, o que eu conheço de arte? (breve silêncio) Ai não... acho que

nenhuma.

Pesquisadora: Nenhuma? O que é arte? Você sabe? O que pra ti... o que você

pensa que é arte?

Na pergunta feita a Luís, a expressão “formas de artes” foi utilizada como sinônimo de linguagens de arte, mas sua resposta caminhou na direção de outro sentido do termo. As formas de arte foram por ele explicadas conforme sua apropriação do termo a partir de suas vivências com arte, ou seja, como moldes para dar forma à argila, os quais eram utilizados na oficina de artes (artes visuais) do Projeto Sol. Além disso, Luís também afirmou não conhecer nenhuma arte, assim como, depois que reformulada a pergunta, conceituou a arte pelo fazer, pelo trabalho. Este fazer foi aludido pela argila e tinta guache, ou seja, pelos materiais utilizados na oficina de artes e não pela forma de expressão, pela linguagem artística. Materiais que podem ser relacionados ao trabalho manual apontado por Cláudio.

Marcos, por sua vez, não afirmou desconhecer arte e sua conceituação incluiu outras linguagens além das artes visuais.

Pesquisadora: O que tu considera que é arte?

Marcos: Bom, pintura, desenho, paisagem, é... o modo de expressão de alguma

pessoa.

Pesquisadora: Como?

Marcos: O modo de expressão de algumas pessoas, tipo um teatro, assim. É só

isso aí.

Para o jovem, a arte foi delimitada pela possibilidade de expressão, definida pelo dicionário como “Maneira de exteriorizar pensamentos, comoções e sentimentos” (Weiszflog, 2007), significado que mantém aproximação com as idéias modernistas de auto-expressão pela arte, de liberação de sentimentos e emoções.

Não há como negar a importância do Projeto Sol enquanto espaço de acesso à arte para estes jovens: muitas aprendizagens foram possibilitadas nas oficinas e nas redes relacionais ali estabelecidas. Porém, as entrevistas e observações realizadas permitiram problematizar o modo como a arte é ali apresentada. Nos enunciados dos jovens e nas práticas da instituição ecoa uma dicotomia entre a arte contemplada pelas elites e a arte produzida em contextos populares e comunitários, que centraliza a primeira e pouco considera a segunda, o que também pode ser verificado nos estudos acadêmicos sobre arte (Nogueira, 2007). Além disso, nos enunciados de Luís, Carolina e Cláudio ecoam vozes sociais que apontam para lógicas de separação e hierarquização entre as diferentes linguagens artísticas e entre o fazer e o conhecimento. Lógicas que se faziam presentes nos espaços em que aprendiam arte, espaços não raro esvaziados de conhecimentos, de saberes sobre a história da arte, as diferentes manifestações artísticas, as possibilidade técnicas e tantos outros necessários para um efetivo processo de ensino/aprendizagem de artes.